Folha de S. Paulo
A narrativa do presidente americano sobre a
União Europeia escorre de uma lagoa de ódio
50%. A tarifa brandida por Trump contra a
União Europeia (UE) representaria um embargo comercial. A ameaça surge junto
com a trégua tarifária firmada com a China. O presidente dos EUA devota genuíno
ódio à UE –e tem seus motivos para isso.
"A União Europeia foi formada com a finalidade de tirar vantagem dos EUA. É este o seu propósito –e eles fizeram um bom trabalho nessa direção." A UE existiria para extrair benefícios unilaterais do comércio com os EUA e, ainda, para terceirizar os custos de sua segurança militar. O diagnóstico de Trump sintetiza uma visão de mundo.
Contudo, como ensinou Carl Bildt, ex-chefe de
governo sueco, refutando o revisionismo histórico de Trump, a UE foi
"realmente criada para impedir a guerra no continente europeu". Filha
rebelde de Hitler (a catástrofe nazista) e de Stálin (o espectro da URSS) –é
isso a UE.
A UE nasceu do ventre da Comunidade Europeia
(1957). A semente de tudo encontra-se na Ceca, estabelecida em 1951 a partir de
um acordo político franco-alemão. A Otan surgira três anos antes e, na sua
moldura, iniciava-se o rearmamento da Alemanha Ocidental, o que provocava
calafrios entre os franceses.
O Império Alemão fora proclamado no Palácio
de Versalhes, após a derrota francesa, em 1871. A França sofrera invasões
alemãs nas duas grandes guerras do século 20. Como reconciliar franceses e
alemães na Aliança Atlântica da Guerra Fria? A solução, formulada pelo francês
Jean Monnet, materializou-se no Plano Schuman: unir as duas nações numa
comunidade econômica, a Ceca.
O carvão, fonte da energia, e o aço, base das
armas, foram colocados sob um mercado comum, que teve a adesão da Itália e do
Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo). Bem mais tarde, logo após a
reunificação alemã, pela mesma lógica, o Tratado de Maastrich (1992) deflagrou
a União Monetária. Nações que compartilham a mesma moeda não farão guerra entre
si.
Os estadistas esculpiram a Europa unida
–e, só depois, solicitaram aos economistas que fizessem a geringonça funcionar.
Os EUA apoiaram o projeto europeu, pois a aliança franco-alemã era o requisito
indispensável da Aliança Atlântica. Rebatendo Trump, e coberta de razão, a
Comissão Europeia explicou que a UE sempre foi uma "bênção" para os
EUA.
Mas Trump não
pode ser convencido por um curso de história. Sua narrativa escorre de uma
lagoa de ódio: a aversão visceral do populismo ao edifício mais icônico do
institucionalismo.
As nações misturam razão (instituições
ancoradas na lei) e emoção (a história nacional, tal como contada por suas
elites). O populismo articula-se como uma versão ressentida da história
nacional: a espada que promete sanear o pecado, restaurando a virtude. A UE,
porém, não é uma nação, carecendo de conteúdos emocionais. Ela não tem um líder
eleito pelo povo. Nela, só existe razão: a letra fria dos tratados que
subordina seus dirigentes, sua justiça e sua burocracia.
Trump enxerga o mundo como um palco de
transações entre soberanos poderosos ou suplicantes. Xi Jinping e Vladimir
Putin emergem na paisagem como interlocutores iguais. Mas a rocha imensa da
Europa não está submetida a um soberano –e, por isso, deve ser destruída. Eis o
motivo pelo qual Trump e seu vice, JD Vance, declaram apoio ao nacionalista
húngaro Orbán e aos extremistas da AfD alemã. Nada disso tem relação com o
comércio.
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