quarta-feira, 25 de junho de 2025

Guerra no Irã gera desafio adicional para a cúpula do Brics - Fernando Exman

Valor Econômico

Desafio da diplomacia brasileira será viabilizar a construção de um comunicado final que atenda a Irã, China e Rússia e, ao mesmo tempo, contemple aliados regionais dos EUA

Era madrugada de 17 de maio de 2010 em Teerã quando a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva irrompeu pela porta do saguão do hotel e, ignorando a imprensa, entrou apressada no elevador. As perguntas sobre o resultado das negociações sobre o programa nuclear iraniano ficaram para trás, sem respostas. Enquanto aceleravam os passos, as autoridades brasileiras se limitaram a dizer que era preciso aguardar a manhã seguinte para saber das novidades, quando os presidentes deveriam se pronunciar oficialmente.

Vivia-se uma época de grande projeção de Lula na cena global. O Brasil colocara a conquista de uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas como prioridade da política externa e, naquele momento, crescia a inquietação da comunidade internacional com o avanço do programa nuclear iraniano.

A despeito da desconfiança de outros líderes ocidentais, para quem a iniciativa apenas faria o Irã ganhar tempo para atingir seus objetivos não-pacíficos, Lula decidiu aproveitar sua interlocução com as autoridades de Teerã para tentar mediar um acordo histórico. E de fato a expectativa naquela madrugada havia crescido, sobretudo devido à informação de que o primeiro-ministro turco, Tayyip Erdogan, também decidira de última hora se deslocar até o Irã para se reunir com os demais líderes naquela reta final das tratativas. Especulava-se que ele não viajaria se não houvesse um bom motivo, ou seja, um anúncio positivo a fazer.

O segredo durou pouco. Atropelando o Itamaraty, minutos depois o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Ahmet Davutoglu, chegou pela mesma porta e foi mais receptivo às perguntas: “Sim, ele foi alcançado depois de quase 18 horas de negociações”, afirmou aos jornalistas, após ser questionado se um acordo fora concluído.

A revelação gerou desconforto na comitiva de Lula. A avaliação era que o trabalho silencioso feito pelos diligentes negociadores brasileiros ficara em segundo plano, após intensas articulações com os representantes do governo iraniano. Além disso, ainda havia a necessidade de algumas revisões finais para a concretização da sua assinatura, as quais seriam conduzidas de manhã pelos próprios presidentes do Brasil, da Turquia e do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.

Na prática, o anúncio estava feito. Porém, para os jornalistas que cobriam as negociações em Teerã, entre eles este repórter, foi longa a espera até a sua formalização.

Até que o acordo foi oficialmente fechado: a República Islâmica concordava em transferir 1.200 quilos de seu urânio de baixo enriquecimento para a Turquia dentro de um mês, em troca de urânio mais enriquecido para ser usado num reator de pesquisas médicas. Adicionalmente, não mais de um ano depois o Irã receberia 120 quilos de urânio enriquecido em 20% sob um acordo envolvendo o órgão de vigilância da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Estados Unidos, França e Rússia.

Mas as potências ocidentais não ficaram completamente satisfeitas, ainda que depois tenham sugerido fórmula semelhante para tentar frear o programa nuclear do país persa.

Do outro lado, aliás, também era de se esperar que esse não fosse o último capítulo da história. Para muitos cidadãos iranianos que aceitavam conversar com os jornalistas estrangeiros, o programa nuclear era visto como um projeto da sociedade em geral. Não do regime dos aiatolás. Até mesmo quem se arriscava a criticar o governo de Ahmadinejad ponderava que o programa era necessário para dissuadir ataques estrangeiros, ainda que seus críticos de fora do país rebatessem com o argumento de que ele havia sido concebido para a guerra.

Cerca de 15 anos depois, o tema volta ao centro das atenções dos operadores da política externa brasileira. Desta vez, em um novo contexto: o país está prestes a realizar a cúpula do Brics, a qual ocorrerá nos dias 6 e 7 de julho no Rio de Janeiro.

Originalmente concebido em 2001 por um economista do banco de investimentos Goldman Sachs, o acrônimo Bric - ou seja, “tijolo” em inglês - era visto como um reconhecimento do dinamismo econômico de Brasil, Rússia, Índia e China. Ao longo dos anos, porém, a expressão ganhou vida e se tornou um foro de cooperação e articulação política desses países.

Em 2011, foi acrescida a letra “s” ao grupo, com a inclusão da África do Sul. E mais recentemente a ampliação abarcou Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã, em um movimento acompanhado de perto pelos EUA e seus aliados.

Em meio ao conflito recente envolvendo Israel, Irã e EUA, o Ministério das Relações Exteriores condenou no domingo (22) os ataques às instalações nucleares iranianas, reiterou a defesa da energia nuclear para fins pacíficos e repudiou os ataques recíprocos contra áreas densamente povoadas. Já nesta terça-feira (24), divulgou um comunicado conjunto com um tom diferente, por meio do qual os países do Brics também prometem continuar “atentos a essa matéria”.

O desafio da diplomacia brasileira, que comandará a cúpula e vem promovendo um reposicionamento do país no tabuleiro internacional, será viabilizar a construção de um comunicado final que atenda a Irã, China e Rússia e, ao mesmo tempo, contemple aliados regionais dos EUA. Especialistas e autoridades de outras nações certamente irão esmiuçar o texto para checar se o grupo está ganhando contornos de um bloco antiocidental. Não será uma tarefa fácil.

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