Valor Econômico
A sinalização dada pelo Copom de interrupção do ciclo de alta da Selic é prematura, pois diversos fatores ainda justificariam a manutenção do aperto monetário
O Copom elevou a taxa Selic em 25 pontos-base
para 15% na sua reunião de 18 de junho, seu maior valor desde meados de 2006.
Mesmo sendo contrária à expectativa da maioria dos participantes de mercado, a
decisão foi acertada. O comunicado e a ata sinalizaram, porém, a provável
interrupção do aperto monetário em julho, mantendo os juros estáveis por
“período bastante prolongado” para avaliar se o nível atual assegura a
convergência da inflação à meta.
Essa previsão de interrupção é prematura, pois diversos fatores ainda justificariam a manutenção do aperto monetário:
Continuação incerta da desinflação: a
permanência da taxa Selic em 15% em julho exigiria maior confiança em uma
trajetória sustentada de recuo da inflação e de seus núcleos para 3% dentro do
horizonte relevante da política monetária. No entanto, o declínio recente,
influenciado pela apreciação cambial e pela menor variação dos preços de
alimentos e de bens industrializados, ainda não foi capaz de elevar a
probabilidade de convergência da inflação no médio prazo para o centro da meta.
Efeito limitado da apreciação cambial na
inflação de longo prazo: embora com trajetória oposta à usual em momentos de
aversão ao risco, a apreciação cambial tem contribuído para o recuo da
inflação. O impacto desse movimento, porém, será concentrado nos próximos 12
meses, com a inflação para prazos maiores sendo mais influenciada pelo
subsequente efeito inercial. Ademais, essa dinâmica tende a ser mitigada pela
baixa expansão da produtividade e pela expectativa de cortes de juros mais
agressivos em resposta à apreciação do real.
Expectativas desancoradas: as projeções de
inflação IPCA permanecem acima do centro da meta há anos, com média de 5,8%
nesta década (5% excluindo 2021). A interrupção do aperto monetário antes de se
ter maior convicção sobre a convergência das projeções de inflação para prazos
mais longos é, portanto, excessivamente arriscada.
Demanda ainda resiliente: a ata da reunião de
junho reconhece corretamente que, por conta das suas defasagens, grande parte
dos efeitos do aperto monetário está por vir. Assim, a taxa Selic a 15% e os
juros reais elevados tendem a contribuir para a desaceleração da atividade.
Como a defasagem e a magnitude desse efeito são variáveis e desconhecidas e os
indicadores de atividade seguem relativamente robustos, é baixa a convicção
sobre a continuidade da desaceleração e a deterioração das condições do mercado
de trabalho para sustentar uma desinflação prolongada - fragilizando a
perspectiva de recuo das expectativas para prazos mais longos.
Maior risco fiscal com as eleições: em um
ambiente polarizado, a campanha presidencial pode ampliar os gastos públicos em
2026, agregando pressões inflacionárias. Ademais, cresceu o risco de crise
fiscal já em 2027 devido à possível falta de recursos para o funcionamento da
máquina pública.
Cenário global conturbado pressiona a
inflação: o ambiente internacional, marcado por embates comerciais e conflitos
geopolíticos, dificulta qualquer projeção sobre a taxa de câmbio e os preços de
commodities, em particular o petróleo.
Dominância fiscal distante: apesar da menor
potência da política monetária e da descoordenação entre a política monetária
contracionista e a fiscal expansionista, não há evidências de dominância
fiscal. A alta da taxa Selic continua eficaz, apesar de ser requerido um aperto
monetário maior do que com políticas alinhadas.
A sinalização de pausa do aperto monetário em
julho lembra a decisão - que se provou equivocada - de iniciar o ciclo de corte
de juros em agosto de 2023. Naquele momento, as condições eram mais favoráveis,
com a inflação e as expectativas menos distantes do centro da meta, em um
ambiente de menor incerteza na área fiscal e no cenário global.
Sinalização de pausa do aperto monetário
lembra a decisão equivocada de iniciar o ciclo de corte de juros em agosto de
2023
Apesar de a diminuição da taxa Selic de
13,75% para 10,5% em maio de 2024 ter sido acompanhada de uma melhoria na
dinâmica inflacionária, as projeções de inflação de curto e médio prazos
voltaram a aumentar imediatamente após o fim do ciclo. A resiliência da
atividade, o aumento da inflação corrente e a maior desancoragem das
expectativas de inflação para todos os prazos atestaram o erro na condução
monetária, exigindo sua reversão em setembro de 2024.
Decorridos nove meses desde o início desse
aperto, com alta da taxa Selic de 10,5% para 15%, os riscos fiscais são
maiores, a inflação corrente é mais alta e as projeções para todos os prazos
estão menos ancoradas, com números de 2027 a 2029 variando entre 3,5% e 4%.
Uma alternativa à preferível continuidade do
aperto monetário seria a manutenção dos juros em 15% em conjunto com um
“forward guidance” mais claro sobre a estabilidade dos juros. O Copom optou por
essa estratégia, mas a comunicação não foi explícita o suficiente. A expressão
“período bastante prolongado” não transmite a ideia de horizonte realmente
longo, uma vez que, em 2022, os juros foram reduzidos oito reuniões após a
inclusão de sinalização similar.
A autoridade monetária precisaria ter
vinculado o início do ciclo de corte de juros a condições mais claras, como o
recuo da inflação para, digamos, 3,5%, uma forte confiança na convergência das
expectativas para o centro da meta em prazo curto, ou, então, o aumento
significativo da taxa de desemprego. A inclusão da frase de que o Copom não
hesitaria em “prosseguir no ciclo de ajuste caso julgue apropriado” também é
pouco convincente, pois não explicita critérios para a retomada do aperto
monetário.
Em suma, a interrupção do aumento da taxa de juros não é compatível com o compromisso de buscar o centro da meta de inflação. Os participantes de mercado reconhecem isso ao projetarem início de um ciclo de afrouxamento monetário até o 2º trimestre de 2026, mesmo sem que seja assegurado o cumprimento do centro da meta. A sociedade parece entender que a busca de uma inflação de 3%, mesmo que no médio prazo, não é objetivo do Banco Central, confirmando a avaliação de descompromisso da instituição com o centro da meta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.