O Globo
O principal mantra da educação moderna é
desenvolver a capacidade de aprender a aprender
A edição deste ano do relatório “O Futuro dos Empregos” estimou que 22% das
ocupações seriam impactadas até 2030 por tecnologias e mudanças demográficas,
climáticas, econômicas e geopolíticas. A pesquisa mostrou ainda que 40% das
competências exigidas devem mudar e que 63% dos empregadores citam a lacuna
dessas habilidades como o principal problema que enfrentarão. Mudanças no mundo
do trabalho são comuns, mas hoje vivenciamos um período de transformações
aceleradas, que afetarão em especial os jovens.
Reflexos disso foram identificados em outra pesquisa (The State of the Global Teenager Career Preparation), divulgada há duas semanas pela OCDE. Com base no Pisa (exame internacional com jovens de 15 anos), o estudo revelou que, de 2000 a 2023, a incerteza dos estudantes sobre as carreiras que pretendem seguir mais que dobrou, chegando a 39% na média da OCDE. Jovens de maior vulnerabilidade socioeconômica, justamente os que mais necessitariam de orientação profissional, são os que menos relatam receber apoio.
O Brasil não participou do levantamento, mas
outros estudos identificaram desafios semelhantes. Um deles, publicado em 2023
pelo Instituto Cíclica (“O Futuro do Mundo do Trabalho para as Juventudes Brasileiras”),
destacou piora nos indicadores de rendimento e ocupação entre jovens, situação
que é mais grave entre aqueles de maior vulnerabilidade, com maior
probabilidade de começarem a trabalhar em empregos precários.
Também em 2023, um levantamento da
consultoria Vozes para o Instituto Unibanco (“Inclusão Produtiva de Jovens”) sistematizou 60 práticas
nacionais e internacionais, tendo como referência os princípios da ONU na
iniciativa “Decent Jobs For Youth”. Ações bem-sucedidas envolvem estratégias de
educação formal e não formal (ajuda na elaboração de currículos, preparação
para entrevistas), sempre criando pontes com contratantes, reforçadas até com
parte da formação no trabalho. Também se destacam orientações individualizadas,
plataformas de emprego e subsídios, sempre priorizando os mais vulneráveis.
A missão da escola deve remeter à formação
para o trabalho, mas não pode se resumir a isso, sobretudo porque é necessário
articular essa dimensão fundamental com o preparo para a cidadania e o pleno
desenvolvimento humano. Tampouco faz sentido espelhar currículos considerando
apenas demandas do mundo produtivo e de serviços, pois, entre outras razões, em
épocas de grande inconstância ocupações outrora consideradas promissoras podem,
em pouco tempo, estar obsoletas.
Em resumo, a educação não pode estar a
serviço apenas do mundo do trabalho, mas é possível construir pontes
qualificadas entre esses dois mundos. Especialmente no caso da educação
profissional, é importante sempre procurar alinhamento entre as demandas (efetivas
ou potenciais) dos setores privado ou público com as oportunidades de
qualificação oferecidas aos estudantes, considerando seus projetos de vida,
expectativas e ambições.
Os setores econômicos precisam ser envolvidos
também na busca de soluções de qualificação ao longo da vida, considerando a
plasticidade do mundo do trabalho, inclusive para aqueles que já deixaram a
escola, tema de minha última coluna neste espaço.
Isso tudo não elimina a necessidade de criar,
aprimorar ou expandir estratégias de orientação vocacional desde a educação
básica. Diante do risco real de agravamento das desigualdades, jovens de menor
nível socioeconômico precisarão de maior apoio.
Não esqueçamos que, além de ter acesso a
oportunidades de formação e orientação mais precárias, esse público é
duplamente prejudicado por não possuir redes de mobilidade social que facilitem
o acesso ao primeiro emprego ou permitam a recolocação ao longo da carreira,
algo corriqueiro em famílias com maior capital econômico e cultural. Essa
lacuna precisa ser preenchida por políticas públicas e privadas, de novo,
envolvendo tanto instituições de ensino quanto o mundo do trabalho.
Se, por um lado, tamanha responsabilidade não
pode recair apenas sobre os ombros da escola (e nem caberia culpá-la pelo
aumento das incertezas), por outro, ela, como sempre, tem papel fundamental
para que jovens desenvolvam variadas e complexas habilidades (cognitivas,
socioemocionais, criativas...) que facilitem sua adaptação em cenários de
instabilidade e imprevisibilidade. Daí porque, conforme repetidas vezes
argumentei nesse espaço, o principal mantra da educação moderna é desenvolver a
capacidade de aprender a aprender.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.