segunda-feira, 2 de junho de 2025

O futuro do trabalho para jovens - Ricardo Henriques

O Globo

O principal mantra da educação moderna é desenvolver a capacidade de aprender a aprender

A edição deste ano do relatório “O Futuro dos Empregos” estimou que 22% das ocupações seriam impactadas até 2030 por tecnologias e mudanças demográficas, climáticas, econômicas e geopolíticas. A pesquisa mostrou ainda que 40% das competências exigidas devem mudar e que 63% dos empregadores citam a lacuna dessas habilidades como o principal problema que enfrentarão. Mudanças no mundo do trabalho são comuns, mas hoje vivenciamos um período de transformações aceleradas, que afetarão em especial os jovens.

Reflexos disso foram identificados em outra pesquisa (The State of the Global Teenager Career Preparation), divulgada há duas semanas pela OCDE. Com base no Pisa (exame internacional com jovens de 15 anos), o estudo revelou que, de 2000 a 2023, a incerteza dos estudantes sobre as carreiras que pretendem seguir mais que dobrou, chegando a 39% na média da OCDE. Jovens de maior vulnerabilidade socioeconômica, justamente os que mais necessitariam de orientação profissional, são os que menos relatam receber apoio.

O Brasil não participou do levantamento, mas outros estudos identificaram desafios semelhantes. Um deles, publicado em 2023 pelo Instituto Cíclica (“O Futuro do Mundo do Trabalho para as Juventudes Brasileiras”), destacou piora nos indicadores de rendimento e ocupação entre jovens, situação que é mais grave entre aqueles de maior vulnerabilidade, com maior probabilidade de começarem a trabalhar em empregos precários.

Também em 2023, um levantamento da consultoria Vozes para o Instituto Unibanco (“Inclusão Produtiva de Jovens”) sistematizou 60 práticas nacionais e internacionais, tendo como referência os princípios da ONU na iniciativa “Decent Jobs For Youth”. Ações bem-sucedidas envolvem estratégias de educação formal e não formal (ajuda na elaboração de currículos, preparação para entrevistas), sempre criando pontes com contratantes, reforçadas até com parte da formação no trabalho. Também se destacam orientações individualizadas, plataformas de emprego e subsídios, sempre priorizando os mais vulneráveis.

A missão da escola deve remeter à formação para o trabalho, mas não pode se resumir a isso, sobretudo porque é necessário articular essa dimensão fundamental com o preparo para a cidadania e o pleno desenvolvimento humano. Tampouco faz sentido espelhar currículos considerando apenas demandas do mundo produtivo e de serviços, pois, entre outras razões, em épocas de grande inconstância ocupações outrora consideradas promissoras podem, em pouco tempo, estar obsoletas.

Em resumo, a educação não pode estar a serviço apenas do mundo do trabalho, mas é possível construir pontes qualificadas entre esses dois mundos. Especialmente no caso da educação profissional, é importante sempre procurar alinhamento entre as demandas (efetivas ou potenciais) dos setores privado ou público com as oportunidades de qualificação oferecidas aos estudantes, considerando seus projetos de vida, expectativas e ambições.

Os setores econômicos precisam ser envolvidos também na busca de soluções de qualificação ao longo da vida, considerando a plasticidade do mundo do trabalho, inclusive para aqueles que já deixaram a escola, tema de minha última coluna neste espaço.

Isso tudo não elimina a necessidade de criar, aprimorar ou expandir estratégias de orientação vocacional desde a educação básica. Diante do risco real de agravamento das desigualdades, jovens de menor nível socioeconômico precisarão de maior apoio.

Não esqueçamos que, além de ter acesso a oportunidades de formação e orientação mais precárias, esse público é duplamente prejudicado por não possuir redes de mobilidade social que facilitem o acesso ao primeiro emprego ou permitam a recolocação ao longo da carreira, algo corriqueiro em famílias com maior capital econômico e cultural. Essa lacuna precisa ser preenchida por políticas públicas e privadas, de novo, envolvendo tanto instituições de ensino quanto o mundo do trabalho.

Se, por um lado, tamanha responsabilidade não pode recair apenas sobre os ombros da escola (e nem caberia culpá-la pelo aumento das incertezas), por outro, ela, como sempre, tem papel fundamental para que jovens desenvolvam variadas e complexas habilidades (cognitivas, socioemocionais, criativas...) que facilitem sua adaptação em cenários de instabilidade e imprevisibilidade. Daí porque, conforme repetidas vezes argumentei nesse espaço, o principal mantra da educação moderna é desenvolver a capacidade de aprender a aprender.

 

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