segunda-feira, 2 de junho de 2025

A solidão de Haddad e o silêncio sobre Marina - Bruno Carazza

Valor Econômico

Análise de dados da agenda pública dos ministros da Fazenda e do Meio Ambiente revela pouca atenção de Lula para essas áreas centrais de seu governo

Quem deu a senha para que eu corresse atrás dos dados que fundamentam esta coluna foi Thomas Traumann. Jornalista dos mais completos, ele é o cara a ser ouvido quando se trata de embates entre a equipe econômica e a classe política. Além de ter escrito o livro “O Pior Emprego do Mundo”, em que relata as agruras de todos os ministros da Fazenda vivos à época da publicação, Traumann também chefiou a Comunicação do governo Dilma. Ou seja, conhece tudo da psicologia de quem conduz a economia nacional e das disputas por poder na cozinha do petismo.

Em texto publicado na sua newsletter, Traumann relata o passo a passo que levou à edição do decreto que aumentou o IOF e precipitou o governo Lula em uma nova crise de natureza política e fiscal. Logo na introdução, uma informação chamou minha atenção: o primeiro encontro privado entre Haddad e Lula havia sido às vésperas da publicação da norma.

Ministros da Fazenda costumam ser presença constante tanto no 3º andar do Palácio do Planalto, onde se encontra o gabinete do presidente da República, quanto na sua residência oficial, o Palácio do Alvorada. Quem se aventurar a folhear qualquer um dos quatro volumes dos Diários da Presidência, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o mais completo relato do dia a dia de um chefe do Poder Executivo brasileiro, constatará como o ex-ministro Pedro Malan era convocado várias vezes por semana para reuniões palacianas e encontros a sós com FHC.

O fato de Haddad não ter tido uma reunião privada com Lula transcorrida quase a metade do ano, portanto, pode ser tanto um indicador de que o ministro da Fazenda não tem contado com o respaldo presidencial na sua tomada de decisões quanto - o que seria pior - que o mandatário do país não tem o chefe da equipe econômica como um de seus principais conselheiros.

Saber quem se reúne com quem na cúpula do poder é uma ferramenta importante para medir influência em Brasília. Para aqueles que se interessam em acompanhar o entra e sai nos gabinetes dos órgãos públicos, a Controladoria Geral da União divulga desde outubro de 2022 a agenda pública de ministros, seus auxiliares de níveis mais altos e diretores de estatais.

Trata-se de exigência prevista em lei desde 2013, mas que levou quase uma década para ser implementada num sistema que permite a consulta das reuniões e audiências de autoridades individualmente (e-Agendas) ou, de forma agregada, no portal de dados abertos do governo. Essas informações governamentais também alimentam aplicativos mais amigáveis, como o serviço Agenda Transparente, desenvolvido pela organização Fiquem Sabendo.

A análise desses dados revela o quanto o ministro Fernando Haddad está isolado no cerrado brasiliense. Considerando as reuniões ocorridas nos palácios do Planalto e da Alvorada, Haddad realizou apenas uma média de 7,8 visitas mensais em 2025, bem abaixo da sua presença em 2024 (11,2 encontros por mês) e no primeiro ano de governo (média de 9,4 reuniões e cerimônias em 2023). É importante dizer que o desempenho deste ano foi bastante influenciado pela crise do Pix, que fez com que o ministro fosse convocado para 18 reuniões com a cúpula do governo em janeiro. Desde então, Haddad tem comparecido ao Planalto menos de uma vez por semana em média.

O desprestígio de Fernando Haddad no momento atual do mandato é compartilhado por outra personagem ilustre no ministério. Marina Silva aceitou retornar ao comando do Ministério do Meio Ambiente no espírito de “frente ampla” que Lula quis imprimir ao seu retorno à Presidência. Como preço pela superação dos traumas de sua demissão em 2008 e de todas as agressões petistas durante a campanha presidencial de 2014, prometeu-se a Marina respaldo político para influenciar a concepção de políticas públicas nas diversas áreas do governo sob o prisma dos efeitos das mudanças climáticas.

Analisando a agenda pública da ministra do Meio Ambiente, porém, vê-se que essa atuação transversal acabou não vingando. Levando em consideração apenas os encontros de Marina com os titulares de duas pastas que têm intersecção direta com a área ambiental - Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Carlos Fávaro (Agricultura e Pecuária) -, o sistema e-Agendas revela que Marina e Fávaro estiveram juntos em apenas 29 encontros públicos desde janeiro de 2023. No caso de Silveira, existem somente 18 registros na agenda de Marina - além das reuniões ministeriais, a disputa sobre a exploração da Margem Equatorial pela Petrobras ocupou cinco encontros dos ministros.

Essa limitação do papel de Marina Silva na defesa da temática ambiental em outras áreas do governo decorre, obviamente, de uma diretriz de Lula. A postura do presidente em relação ao tema ficou expressa na sua reação às agressões sofridas pela sua ministra do Meio Ambiente no Senado Federal.

Diante do episódio de misoginia e racismo contra Marina, Lula adotou a postura cínica de apoiar a ministra numa ligação privada, enquanto silenciou publicamente para não desagradar aos defensores do agro e da mineração em território amazônico.

 

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