Déficit das estatais reflete incúria fiscal do governo Lula
O Globo
Rombo no primeiro quadrimestre atinge maior
valor da série histórica. É urgente retomar privatizações
O déficit acumulado pelas estatais federais
nos quatro primeiros meses deste ano bateu recorde: escalou a R$ 2,73 bilhões,
maior nível da série histórica, de acordo com o Banco Central. No mesmo período
de 2024, elas registraram perdas de R$ 1,6 bilhão — e o rombo cresceu até
fechar o ano em R$ 6,73 bilhões. Reverteu-se, no governo Luiz Inácio Lula da
Silva, a tendência a maior controle nessas contas que vinha se consolidando
desde a gestão Michel Temer.
Os governos Temer e Jair Bolsonaro promoveram saneamento nas estatais federais dependentes do Tesouro (as que entram no Orçamento da União, e não as submetidas a regras de mercado, como Petrobras). Mas a situação voltou a se deteriorar no governo Lula. Talvez o maior símbolo da incúria sejam os Correios, cujos prejuízos somaram R$ 1,72 bilhão no primeiro trimestre do ano, mais que o dobro das perdas entre janeiro e março de 2024 — pior resultado para o primeiro trimestre desde 2017. As contas têm fechado no vermelho desde 2022. E o quadro contábil pode ser ainda mais crítico. A área técnica do Tribunal de Contas da União diz que a estatal burlou normas técnicas para declarar perdas menores em 2023 (o relatório, preliminar, precisará passar pelo plenário da Corte).
Diante de receitas em queda, prejuízos
sucessivos e concorrência acirrada, funcionários relatam atrasos no pagamento
de fornecedores, deficiências de manutenção nas agências e até falta de
material de trabalho, como papelão, fitas adesivas ou envelopes. A Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac) suspendeu voos dos Correios por preocupação
com o transporte de produtos perigosos. Apesar da penúria e dos prejuízos, a
estatal — com 83 mil funcionários e 10 mil agências — tem mimado seus
dirigentes. Como
mostrou reportagem do GLOBO, entre 2022 e 2023, os gastos com eles
subiram 40%.
No governo Bolsonaro, os Correios haviam sido
incluídos no Plano Nacional de Desestatização, com base num estudo robusto
desenvolvido pelo BDNES para o setor. Em razão de pressões políticas e
sindicais, a proposta não foi adiante no Congresso. Ao assumir, movido por
resistência ideológica, Lula suspendeu a venda. Como a União ainda é a maior
acionista da empresa, é inevitável que, cedo ou tarde, seus prejuízos caiam na
conta do Tesouro.
Não surpreende o sufoco das estatais,
desconectadas do mercado e sempre de portas abertas para apaniguados do
governo. Quando não são desnecessárias, são mal geridas. O dispendioso Centro
Nacional de Tecnologia Avançada (Ceitec), ressuscitado da liquidação pelo
governo Lula para produzir semicondutores, nunca fez sentido numa área em que o
Brasil é irrelevante. A obsoleta Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU)
vive no passado. Os próprios Correios não são nem sombra do que já foram —
mesmo em bairros nobres do Rio, não há sequer entrega diária de
correspondência.
A viabilidade das estatais deve ser analisada sob critérios técnicos. Não é razoável o governo dar sobrevida às que não param de pé. Excetuando as poucas estratégicas, a maioria deveria ser liquidada ou privatizada. Poupadas da competição por influxos de recursos do Tesouro, se tornam ineficientes, improdutivas e deficitárias. Só fazem agravar a situação de um governo que, em meio ao descalabro fiscal, tem recorrido a malabarismos, empenhado em avançar sobre o bolso do contribuinte para tapar buracos no Orçamento.
Escolha de juízes pelo voto popular no México
é péssimo exemplo ao mundo
O Globo
A pretexto de democratizar Judiciário,
eleição corrói sua independência e abre as portas ao crime organizado
O aparelhamento do Judiciário pelo Executivo
tem sido uma das principais ameaças à democracia no mundo. Substituir
magistrados incômodos é medida tomada não apenas por ditadores, mas também por
autocratas que chegam ao poder pelo voto e, para minar os freios institucionais
a seus poderes, tentam intervir nos tribunais e sabotar a independência
da Justiça.
Com a eleição para juízes realizada no último fim de semana, o México dá
péssimo exemplo ao resto do mundo. A pretexto de tornar o Judiciário mais
democrático, abriu as portas a candidaturas sem competência jurídica e até, nos
casos mais preocupantes, vinculadas aos cartéis do narcotráfico. Trata-se do
remédio errado para a corrupção endêmica entre os juízes mexicanos.
O resultado só ficará claro quando acabar a
apuração, mas já é possível afirmar que, com comparecimento de 13% do
eleitorado, a adesão foi decepcionante. Estava em disputa o cargo de 850 juízes
federais, dos nove ministros da Suprema Corte e de 1.647 magistrados de
instâncias inferiores e regionais — ou metade da Justiça mexicana. A outra
metade será escolhida em 2027.
O partido esquerdista Movimento de
Regeneração Nacional (Morena), da presidente Claudia
Sheinbaum, foi autor da mudança constitucional que instaurou as eleições.
Dono de dois terços do Congresso, lançou 3.400 candidatos, com objetivo de
controlar a maior quantidade possível de postos no Judiciário, incluindo o novo
Tribunal de Disciplina Judicial, com poderes de afastar qualquer magistrado, e
o Instituto Nacional Eleitoral (INE), responsável por organizar os pleitos. Não
é preciso muita sofisticação para entender os riscos envolvidos no controle
partidário dessas instituições.
Com as eleições, o México passa a ser o único
país do mundo a escolher pelo voto popular todos os magistrados. Em toda
democracia, o Judiciário tem de ser independente, imune a pressões políticas e
partidárias. Decisões devem ser tomadas com base nas leis, não nos interesses
de quem está no poder. Juiz não pode ter vínculo com partidos, fazer campanha
ou assumir compromissos para angariar votos. Para exercer o cargo com
independência, deve ter sólido conhecimento jurídico e ficar longe da
militância ideológica.
Nos Estados Unidos, 39 dos 50 estados escolhem juízes pelo voto, bem como promotores. Não faltam alertas sobre a influência de grupos com poder financeiro nessas escolhas. Mas juízes federais são indicados pelo presidente e referendados pelo Congresso. A experiência da Bolívia, que desde 2011 escolhe ministros da Suprema Corte pelo voto popular, tem sido desastrosa. De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a atuação do Judiciário boliviano tem sido influenciada por “interesses do poder político”. A autoridade da Corte foi fragilizada pela disputa para controlá-la, e 40% dos bolivianos anularam seus votos na última eleição para juízes. Em pleitos do tipo, abre-se espaço à atuação de toda sorte de grupo de interesse, em especial o crime organizado. É o que deverá acontecer também no México.
Trump interrompe trégua de tarifas e dólar
cai mais ainda
Valor Econômico
Os padrões financeiros usuais estão sendo subvertidos pelo caos criado por Trump
As tréguas de tarifas de Donald Trump duram
pouco; o presidente americano voltou a acusar a China de não cumprir o acordo
feito com os EUA e anunciou que vai dobrar as tarifas sobre aço e alumínio, de
25% para 50%, a partir de quarta-feira. Ainda que volte atrás, como costuma
fazer, novas ameaças desmontam negociações em curso, como as com a União
Europeia. A “grande e bela lei” orçamentária do presidente mostrou sua cara
horrível aos investidores, que perceberam que na seção 899 o governo americano
poderá taxar investimentos de companhias estrangeiras nos EUA, sócios
estrangeiros de companhias americanas e fundos soberanos, com base em
indefinidas “políticas fiscais punitivas”. A dúvida se isso poderá incluir os
títulos do Tesouro se tornou geral. Pelo conjunto da obra, os Treasuries de 30
anos encostaram novamente em 5% e o dólar aproximou-se da pior marca em três
anos.
Os efeitos da guerra tarifária contra o mundo
estão aparecendo na economia como era previsto: diminuindo as atividades. As
importações em abril caíram 19,8%, mas as de bens de consumo e os insumos
industriais foram menores ainda, recuando 32% e 31%, respectivamente. As
compras no exterior no primeiro trimestre foram preventivas e enormes, a ponto
de colocar o PIB do período em queda de 0,2%. Os números de agora indicam que
boa parte dos estoques foi consumida.
O índice dos gerentes de compras (ISM) de
maio reforça essa impressão, ao apontar que os estoques estão entrando em
terreno contracionista. O ISM industrial mostra retração pelo quarto mês
consecutivo. Igualmente ruim é o fato de que as entregas das encomendas
industriais estão mais lentas, o que sugere dificuldade para as empresas se
abastecerem localmente e falta de suprimentos (FT, ontem).
As contradições das políticas de Trump
impedem qualquer previsibilidade e, no que parecem ser suas obsessões fixas,
tendem a ser desastrosas. A desaceleração da economia americana reduzirá a
arrecadação tributária, mas o time de Trump acha que as receitas com as tarifas
preencherão esse buraco fiscal e mais outro, o do corte de impostos. Aprovada
na Câmara e em discussão no Senado, a lei causará um aumento do déficit de pelo
menos US$ 3 trilhões, segundo o Comitê por um Orçamento Responsável, cifra um pouco
menor que a estimativa feita pelo comitê orçamentário do Congresso.
Além disso, o governo aposta que o corte de
impostos dará um sopro de vida na economia que a relançará no crescimento. Para
isso, serão feitos cortes drásticos em programas sociais e de assistência
médica, cujos efeitos só serão sentidos depois dos cortes imediatos de
impostos. Os republicanos do Senado estão se opondo ao pacote não porque não
queiram menos impostos, mas porque desejam menos despesas. Ontem Trump disse
que apelaria à Suprema Corte para liberar o corte de milhares de empregos na
administração pública, barrada por instâncias inferiores da Justiça.
Os padrões financeiros usuais estão sendo
subvertidos pelo caos criado por Trump. O aumento da remuneração dos títulos do
Tesouro em geral era acompanhado pela valorização do dólar, mas a correlação
foi rompida nos últimos meses. O dólar perdeu 6% de seu valor desde o pico de
janeiro e a remuneração dos Treasuries subiu. Governos sensatos com déficits em
alta não buscariam criar incertezas para investidores que permitem ao Estado
rolar suas dívidas. Trump fez o contrário, ameaçando taxar investimentos estrangeiros
se suas políticas não forem de seu agrado.
Isso ocorre em um momento em que cresce a
desconfiança de que os EUA não são mais um porto absolutamente seguro onde
colocar seu dinheiro, e o Treasury, garantia de risco zero. O prêmio de risco
do título de dez anos, o quanto a mais se cobra para carregar títulos de longo
prazo, subiu 0,7 ponto percentual de meados de março a fim de maio, segundo a
consultoria Oxford Economics. Ela nota que os juros dos títulos soberanos de
Japão, Alemanha e Reino Unido seguem a tendência, dados os altos déficits e, no
caso alemão, programas expansionistas para defesa.
As políticas de Trump podem ainda causar mais
instabilidade a qualquer momento. Aumentos dos juros do Tesouro têm pequeno
poder para reduzir as atividades econômicas, mas se forem acompanhados por uma
reprecificação das ações e outros ativos, os impactos são significativos -
queda do PIB de 0,9%, pelos cálculos da Oxford. Há cada vez mais possibilidades
de isso ocorrer porque o desempenho das empresas americanas é uma incógnita
diante do que ocorrerá com seus custos, fortemente impactados por tarifas.
O Brasil será de novo atingido pela majoração das tarifas de aço e alumínio, se efetivada. Os maiores riscos, porém, advêm de turbulências financeiras, em geral acompanhadas de saída de capitais e desvalorização do real, dando mais fôlego a uma inflação renitente. Os prêmios de risco dos títulos americanos também tornam os empréstimos para governo e empresas brasileiras mais caros, um problema contornável, se temporário - o que, com Trump, é impossível ter certeza.
Saneamento cosmético para a COP30 em Belém
Folha de S. Paulo
Obras de coleta de esgoto alcançam só 40 mil
pessoas; universalização até 2033 dependerá da concessão ao setor privado
Lideranças regionais são useiras e vezeiras
em justificar candidaturas de cidades para megaeventos, como a COP30 em
Belém, com supostos ganhos urbanísticos e sociais para a população —trata-se do
benfazejo "legado", que no caso da capital paraense se
materializaria, por exemplo, na melhora do saneamento básico.
A cinco meses da conferência do clima,
torna-se claro que o saldo
será pouco significativo. Verdade que a metrópole amazônica parte de base
muito deficiente, com mais de 80% de moradores sem acesso à coleta de esgotos,
melhor indicador do descalabro brasileiro em requisito óbvio da dignidade
humana.
O governo de Helder Barbalho (MDB) alardeia
que obras em andamento favorecerão 500 mil pessoas numa população de 1,3
milhão. Não será bem assim, como
mostrou reportagem da Folha em visita aos bairros da sede da
reunião internacional contemplados nos planos.
De partida, há que assinalar o fato de a
expansão prevista do esgotamento sanitário na COP30 alcançar 40 mil habitantes,
com 10 mil novas ligações às redes de coleta. Seria preciso incorporar uma
legião de 1 milhão de belenenses ao serviço, até 2033, para cumprir a meta de
universalização do saneamento, com 90% da população atendida.
O estado do Pará investe meros R$ 22 per
capita por ano em saneamento. Segundo estimativa do Instituto Trata Brasil,
seriam necessários R$ 231 anuais por habitante para cumprir a meta do Marco
Legal do Saneamento. A média nacional claudica em R$ 111 por brasileiro.
A COP30 agregou R$ 1 bilhão para
investimentos em Belém, divididos entre BNDES (reforma de 12 canais de esgotos
a céu aberto) e Itaipu Binacional (um canal). A escolha recaiu sobre veios
centrais degradados por falta de manutenção. Para o urbanista Juliano Pamplona
Ximenes Ponte, da Universidade Federal do Pará, tais intervenções beneficiam
principalmente áreas que já têm boa infraestrutura.
As obras incluem ainda recuperação e
ampliação do setor viário, com vistas a melhorar o trânsito usualmente caótico
da capital e prevenir enchentes. Os R$ 170 milhões de Itaipu se destinam ao
Parque Urbano São Joaquim, trecho de 720 m do canal de mesmo nome, que tem
outros 8 km por sanear.
A
empresa Aegea obteve em abril a concessão parcial dos serviços da
Companhia de Saneamento do Pará em 99 municípios, entre eles 25 da região
metropolitana de Belém. Pagou R$ 1,4 bilhão e promete investir R$ 15,2 bilhões
para a universalização.
A iniciativa privada, porém, só assume o
serviço no fim do ano, depois da COP30. Terá muito trabalho pela frente. O
resgate colossal dívida sanitária do Brasil —neste caso, do Pará— só se
realizará assim, com planejamento do poder público e concessão do saneamento a
setores com capacidade de bancar o aporte que o Estado negligenciou.
Musk, o breve
Folha de S. Paulo
Magnata deixa governo Trump após medidas
ruidosas e conflitos de interesses; reforma não será feita com briga ideológica
A
saída do magnata Elon Musk do governo de Donald Trump, após apenas quatro
meses, está longe de apagar a barafunda na administração federal americana e as
evidências de conflitos de interesse criados em sua passagem pelo Departamento
de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês).
Se há lições a tirar desse período de
turbulência no setor público dos EUA, a mais óbvia é que reformar o Estado
constitui tarefa complexa, que requer estudo, planejamento e persistência.
Musk se propôs a combater "desperdícios,
fraudes e abusos", o que obviamente é necessário em qualquer administração
—e urgente numa que acumula elevados déficits orçamentários e endividamento. No
entanto sua ênfase foi em medidas
ruidosas e de motivação ideológica.
O Doge mirou áreas, como a educação, que,
para o trumpismo, promovem valores esquerdistas e militância identitária. Na
base da canetada, os EUA desmantelaram um de seus principais instrumentos de
soft power, a Usaid, que prestava auxílio a populações vulneráveis no mundo.
Não foram poucas as medidas levadas à barra
da Justiça que, entre outras decisões, impediu o compartilhamento de
informações confidenciais do Tesouro americano com o Doge.
Mais do que cuidar da reforma do Estado, Musk
exerceu influência sobre o presidente republicano em decisões domésticas e na
esfera da política externa —até abril, pelo menos, quando entrou em choque com
Trump ao criticar o tarifaço sobre as importações e altas de gastos embutidas
na proposta de lei orçamentária.
Notadamente, deixou um rastro de potenciais
benefícios a seus negócios privados, que vão muito além dos dados sensíveis do
Estado e de milhões de americanos que já chegaram a suas mãos ou da rede de
autoridades governamentais por ele indicadas ou apoiadas, que estarão,
teoricamente, à sua disposição.
Um exemplo inquietante foi sua orientação de
expandir o uso do Grok, o chatbot de sua empresa xAI, em análises e relatórios
do governo americano —regados com informações confidenciais que podem alimentar
a evolução dessa inteligência artificial.
A Casa Branca declarou que Musk continuará colaborando com os programas reformistas, que terão continuidade. Fato é que as perspectivas de déficit fiscal elevado e em expansão nos Estados Unidos permanecem basicamente intocadas. Até aqui, ações midiáticas e propaganda ideológica não serviram para tornar a máquina pública menos custosa e mais eficiente.
Fim de um delírio
O Estado de S. Paulo
A agência de classificação de risco Moody’s,
que havia melhorado a nota de crédito do Brasil, corrige a rota e sepulta a
chance do País de recuperar o grau de investimento ainda neste governo
A manutenção da nota de crédito do Brasil
pela Moody’s, na sexta-feira passada, teve gosto amargo para o governo. Ao
alterar a perspectiva do rating de positivo para estável, a agência de
classificação de risco sepultou a chance de o País recuperar o grau de
investimento no curto prazo, conquista com a qual o presidente Lula da Silva
contava até o fim de seu terceiro mandato, em 2026.
A mudança na perspectiva, na prática,
significa que a Moody’s não pretende alterar a nota do Brasil no horizonte dos
próximos 18 meses, nem para cima nem para baixo. De certa forma, é algo até
positivo, pois, para alguns economistas, já existem motivos suficientes para a
agência rebaixar a nota de crédito brasileira. Não se trata de torcida
contrária. Em maio de 2024, a decisão da Moody’s de melhorar a perspectiva da
nota de crédito do País surpreendeu o mercado, e a posterior elevação do
rating, em outubro, gerou muita controvérsia.
Na ânsia por recuperar o selo de bom pagador,
conquistado em 2008, no segundo mandato de Lula da Silva, e perdido em 2015,
durante a administração Dilma Rousseff, o governo trocou os pés pelas mãos. Em
vez de trabalhar pelo reequilíbrio estrutural das contas públicas – que seria
muito mais efetivo, tendo em vista o objetivo –, Lula, acompanhado do ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, foi pessoalmente a Nova York para se reunir com
representantes das agências e convencê-los de que o País merecia um voto de confiança.
Se a estratégia funcionou ou não, o fato é
que a Moody’s melhorou a nota brasileira no mês seguinte ao referido encontro.
À época, a Moody’s deu ênfase ao crescimento econômico vigoroso e à posição
favorável do País no setor externo. A questão é que a vulnerabilidade da
economia brasileira não estava na dívida externa, mas na área fiscal, e o
endividamento na proporção do Produto Interno Bruto (PIB) não dava sinais de
recuo ou mesmo de estabilização, razão pela qual a atitude da agência foi
encarada como excessivamente benevolente.
Com a decisão de outubro, a Moody’s foi a
única, entre as grandes agências de classificação de risco, a posicionar o
Brasil a um passo do grau de investimento, destoando de suas principais
concorrentes, Standard & Poor’s e Fitch Ratings, que mantinham o País a
dois degraus da desejada marca. Para a equipe econômica, no entanto, era
questão de tempo até que as outras agências reconhecessem o cenário que só a
Moody’s havia enxergado.
Pois o governo, logo depois, provou não ser
digno do voto de confiança que recebeu. Quem prometia um plano de corte de
gastos vigoroso após as disputas municipais entregou uma promessa eleitoreira
de isentar de Imposto de Renda da Pessoa Física a trabalhadores que ganhassem
até R$ 5 mil mensais, anunciada por ninguém menos que Haddad em rede nacional
de rádio e TV. As poucas medidas do pacote que pretendiam conter o nível
explosivo do crescimento das despesas, tais como a revisão de critérios para a
concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), foram esvaziadas ou
rejeitadas pelo Congresso Nacional após um movimento de boicote liderado por
parlamentares petistas.
Foi como um divisor de águas, em que ficou
claro que a prioridade do governo, a partir de então, seria a reeleição de
Lula. Mais recentemente, muitas outras medidas corroboraram essa avaliação,
como o anúncio da expansão do Auxílio Gás e da Tarifa Social de Energia
Elétrica e a criação de mais uma faixa no Minha Casa Minha Vida, entre muitas
outras. A elas somou-se a malfadada iniciativa de elevar o Imposto sobre
Operações Financeiras (IOF) sobre operações de crédito, câmbio e previdência
privada, evidência da disposição do governo de gastar e arrecadar mais sem
resvalar em reformas estruturais que desvinculem receitas e o piso de
benefícios previdenciários e assistenciais.
Enquanto a Moody’s ajusta sua rota, o País
mantém a marcha rumo à inviabilização das despesas discricionárias e do
arcabouço fiscal já em 2027, cenário atestado pelo Projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias enviado ao Congresso e reconhecido pela ministra do Planejamento,
Simone Tebet. Mas nada disso importa para quem se diz enviado de Deus para
levar água ao sertão.
A audácia da Ucrânia
O Estado de S. Paulo
Ao destruir aviões russos em solo, ucranianos
desmoralizam Putin e, ao contrário do que disse Trump, mostram que têm cartas e
sabem jogar – só precisam ser bancados pelos aliados ocidentais
A segunda rodada de negociações entre Rússia
e Ucrânia em Istambul não produziu avanços. Durou menos de duas horas e foi
marcada mais por silêncio do que por sinais de convergência. Os dois lados
entregaram memorandos: a Ucrânia, propondo cessar-fogo e garantias de
integridade territorial; a Rússia, exigindo que Kiev abandone a Otan, deixe
regiões ocupadas e aceite um estatuto de subordinação – em outras palavras:
rendição. Nada disso surpreende.
O que surpreendeu foi a ofensiva clandestina
lançada por Kiev poucas horas antes. A operação Teia de Aranha atingiu quatro
bases aéreas em território russo, danificando ou destruindo mais de 40
aeronaves, incluindo aviões A-50 e bombardeiros Tupolev, essenciais à doutrina
russa de dissuasão e à sua campanha de mísseis contra cidades ucranianas. O
impacto foi tanto simbólico quanto militar.
Foi a mais devastadora ofensiva ucraniana
contra ativos estratégicos russos desde o início da guerra. Algumas das
aeronaves atingidas são raras, caras e, em muitos casos, insubstituíveis, em
razão da obsolescência da cadeia de produção militar russa. A Ucrânia, com
recursos limitados, aplicou um golpe assimétrico: usou drones comerciais
adaptados, ocultos em caminhões dentro do território russo, com comando remoto.
O planejamento levou 18 meses.
Mais que um feito técnico, trata-se de um
marco psicológico, que desmente a propaganda do Kremlin segundo a qual a
vitória russa é inexorável, expõe falhas gritantes na segurança interna russa e
revela que Moscou não consegue proteger sequer seus vetores nucleares.
Internamente, o episódio provocou fúria entre os ultranacionalistas russos e
mais uma rodada de recriminações entre chefes militares. Externamente, força
aliados e analistas a revisarem suas premissas.
A Ucrânia não é uma peça passiva no xadrez da
guerra. Mostrou engenhosidade, capacidade de penetração e inteligência
operacional dignas das principais potências. Mostrou, sobretudo, que ainda sabe
jogar – e com audácia. O contraste com a retórica teatral da Casa Branca é
gritante. O presidente dos EUA, Donald Trump, que alterna ameaças e afagos a
Putin, prometeu acabar com a guerra em “24 horas”, mas sua diplomacia oscila
entre a condescendência e a ilusão, funcionando na prática como uma cortina de
fumaça que abre espaço para manobras dilatórias do Kremlin e encoraja a aposta
de Putin na fadiga do Ocidente para impor sua versão de paz sob ocupação.
A resposta americana à ofensiva ucraniana
ainda é incerta. O Congresso, por iniciativa bipartidária, prepara sanções
secundárias contra países que financiam o esforço de guerra russo via compra de
petróleo. Iniciativa meritória, que precisa avançar – com ou sem a bênção
presidencial. Mas não basta. As defesas aéreas da Ucrânia enfrentam esgotamento
crítico, como ficou claro no ataque russo com 472 drones na véspera da operação
Teia de Aranha. A reconstrução de sua capacidade antiaérea e a manutenção do fluxo
de armamentos devem ser prioridades para qualquer potência que leve a sério a
estabilidade europeia.
É compreensível que a Ucrânia aceite
participar de rodadas de negociação – mesmo com a má-fé de seus interlocutores
e sem expectativas de êxito. Isso a posiciona como parte da solução e ajuda a
isolar o agressor. Mas não se deve confundir disposição ao diálogo com
resignação. A diplomacia, para ser eficaz, precisa caminhar ao lado da
dissuasão e ser sustentada por uma posição de força. A operação ucraniana
mostrou que há fôlego para resistência e criatividade – e que Putin não detém o
monopólio da iniciativa.
Se o Ocidente quiser preservar a ordem
internacional baseada em regras e evitar que a chantagem militar se normalize
como instrumento de política externa, precisa bancar a Ucrânia. Isso significa
apoio militar sustentado, financiamento da reconstrução e coerência
estratégica. O erro seria recair na armadilha da moderação ilusória,
confundindo realismo com apaziguamento.
A Ucrânia provou que não está derrotada. A
pergunta que se impõe é se o Ocidente está disposto a provar que não está
rendido.
A incrível eleição para juízes
O Estado de S. Paulo
Baixíssimo comparecimento no México coroa um
processo errado do início ao fim
Aprovada no ano passado por um Congresso
dominado pelo governo, a controversa reforma do Judiciário no México teve,
anteontem, seu capítulo mais relevante até agora.
Em todo o país, mexicanos foram às urnas
para, num evento sem precedentes no mundo, eleger centenas de juízes e
magistrados de tribunais regionais e federais, bem como os nove membros da
Suprema Corte. Mais de 2,6 mil cargos estavam em jogo.
O resultado desse experimento insólito só
deverá ser conhecido em 15 de junho, quando a complexa contagem de votos do
processo for concluída.
Por ora, a presidente do México, Claudia
Sheinbaum, afilhada política do ex-presidente Andrés Manuel López Obrador
(Amlo), o líder populista por trás da reforma do Judiciário, classificou a
eleição de “êxito”, “impressionante” e “democrática” e festejou os 13 milhões
de mexicanos que participaram do processo.
Ocorre que esses 13 milhões equivalem a
apenas 13% dos 99 milhões aptos a votar para juiz. Ou seja, o experimento não
tem respaldo popular.
Motivos para o desinteresse não faltam. A
maioria dos milhares de candidatos era totalmente desconhecida para a
população. A qualidade dos postulantes também era bastante duvidosa – em vídeos
que viralizaram nas redes sociais, vê-se que os candidatos a juízes
protagonizaram momentos constrangedores dignos da tradição política
latino-americana. Por fim, as cédulas eleitorais abarrotadas de nomes não eram
nada estimulantes aos votantes.
Por mais que Sheinbaum afirme que tudo foi
“maravilhoso” e será aperfeiçoado para a nova rodada de eleições judiciais,
agendadas para 2027, esse processo é um desatino do início ao fim.
Para além da baixa participação popular e do
caráter anedótico da campanha, a eleição direta para magistrados, como
corretamente apontaram a oposição e especialistas, põe em risco o Estado
Democrático de Direito, já que os freios para que o Morena (partido de Amlo e
Sheinbaum) influa na escolha dos magistrados tornam-se inexistentes.
Também é grande a preocupação com a
possibilidade de que o crime organizado mexicano, conhecido pelo enorme poderio
financeiro, eleja juízes simpáticos à sua causa, o que, em vez de
promover “justiça para o povo” e o fim da corrupção no Judiciário, como
prometeu Amlo marotamente, apenas facilitará a vida de bandidos sanguinários.
Não se desconhece o fato de que mundo afora
há um movimento de insatisfação popular com o Poder Judiciário, não só porque é
papel da Justiça fazer valer a lei, o que muitas vezes contraria interesses
poderosos, como porque em países como o Brasil não são raras as situações em
que os juízes extrapolam suas competências. Mas o experimento mexicano,
amplamente ignorado pela população, em nada melhorará a sensação de que a lei é
seguida e de que a Justiça, como se espera, é cega.
A eleição direta de magistrados apenas exacerba o poderio econômico daqueles que, por terem recursos, podem comprar a lei. Pior, abre as portas para que barões do crime não sejam incomodados por absolutamente ninguém.
Pacto contra pandemias precisa avançar
Correio Braziliense
Pacto histórico é firmado em momento de
alerta para o risco de disseminação do H5N1, que tem potencial pandêmico. Há
muito a se avançar até que a iniciativa saia do campo das proposições
Sob a ameaça de uma variante do coronavírus
que poderia comprometer os avanços conquistados nos dois primeiros anos da
pandemia de covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) insistia na criação
de um acordo formal entre os países para o melhor enfrentamento de crises do
tipo. "A ômicron demonstra exatamente por que o mundo precisa de um novo
acordo sobre pandemias: nosso sistema atual desincentiva os países a alertarem
outros sobre ameaças que inevitavelmente pousarão em suas costas", exemplificou
o diretor-geral da agência, Tedros Adhanom, em novembro de 2021. À época,
países da África notificavam o surgimento da "cepa mais letal do
Sars-Cov-2" e, de certa forma, eram responsabilizados por isso.
Três anos e meio depois do alerta e de
negociações ferrenhas, foi dado o primeiro passo efetivo rumo ao pacto
sanitário. Representantes de países-membros reunidos em Genebra aprovaram, no
último dia 20, a resolução de um acordo que visa "prevenir, se preparar e
responder a pandemias". Trata-se de um pacto histórico, firmado em um
momento de alerta para o risco de disseminação de um vírus que também tem
potencial pandêmico: o H5N1, causador da gripe aviária. Mas há muito a se
avançar até que a iniciativa saia do campo das proposições — a
ratificação está prevista para 2027.
É preciso estabelecer, por exemplo, os
mecanismos que garantirão a criação de "uma rede global de logística e
cadeia de mantimentos". Não há dúvidas de que o esforço histórico de
cientistas culminou na criação de vacinas que mudaram o rumo da pandemia de
covid-19. Mas também é certo que os percursos não foram iguais em todos os
países. A distribuição desigual dos imunizantes é apontada, inclusive, como uma
das razões do surgimento de cepas do coronavírus cada vez mais perigosas.
Um esforço coletivo demanda, acima de tudo,
parcerias e contrapartidas justas. Caso contrário, hão de se repetir episódios
como o do começo de 2023, quando países tinham vacinas da covid vencidas,
inclusive o Brasil, e 70% da população do continente africano sequer havia
recebido a primeira dose, conforme denunciaram os Centros de Controle e
Prevenção de Doenças (CDC) da África.
Um ano depois, diante do aumento de casos de
MpoK, o continente foi novamente acusado de ineficiência sanitária. Se não
houver, de fato, "transferência de tecnologias, informações,
habilidades e expertise para a produção de produtos relacionados à saúde",
é questão de tempo para que surjam novas acusações. A ciência precisa se
instalar no continente, promovendo a saúde e a economia local. Ao contrário,
quem é boicotado pelos avanços científicos, também fora da África, seguirá
sendo perversamente responsabilizado por retrocessos na saúde global.
O fato de o acordo firmado no mês passado não
prever multas ou penalidades certamente dificultará o estabelecimento de
relações mais equânimes. Agrava o cenário o desinteresse dos Estados Unidos
pelo pacto. O país abandonou as negociações após Donald Trump anunciar a saída
da OMS e é sede de grandes farmacêuticas, convidadas a doarem ao menos 10% da
produção de vacinas e medicamentos à agência das Nações Unidas.
Cabe lembrar que os EUA acabam de enfrentar
um surto de gripe aviária, com contaminação recorde e morte, e também têm se
distanciado da pauta climática, cada vez mais relacionada à de controle de
pandemias. Outros 24 países registraram, neste ano, infecções de humanos por
H5N1. No Brasil, 13 casos em animais são investigados, e a resposta à nova
ameaça viral tem sido assertiva. Que essa postura se mantenha na próxima COP. É
vital, em Belém, lançar luz sobre a urgência de parcerias que viabilizem o
enfrentamento de crises sanitárias sem deixar ninguém para trás.
O tempo da resposta precisa melhorar
O Povo (CE)
A operação conjunta de autoridades da
segurança pública do Rio de Janeiro e do Ceará, que levou à descoberta de um
banker em favela carioca que escondia criminosos originários de nosso Estado,
representa um exemplo de como é importante que se intensifique a integração
entre as forças das diversas unidades para que o poder público cumpra sua
missão de defender a sociedade. Especialmente, como é o caso, tratando-se do
combate a organizações que a cada dia se mostram mais ousadas e desafiadoras.
Deve-se perguntar porque os governos, neste
caso incluída também a instância federal, demoram tanto em suas respostas.
Claro que há um tempo diferente, já que tudo precisa ser feito de acordo com a
lei, mas há espaço para melhorar a agilidade e garantir um tempo de reação mais
rápido.
É injustificável, por exemplo, que uma mansão
seja construída numa área marcada pela pobreza, ocupando uma área imensa, e a
inteligência policial tenha demorado tanto em detectar o absurdo. Há tecnologia
suficiente, hoje, para permitir que o monitoramento se dê à distância, sem a
necessidade de um olheiro físico alimentando as estruturas públicas a partir de
informações de campo.
As polícias fluminense e cearense informam
que o imóvel seria de propriedade de Anastácia Paiva Pereira, chefe do tráfico
de drogas em Santa Quitéria, a 222 km de Fortaleza. Agredia o ambiente local,
cercada de pobreza e carência, aquela mansão com piscina, deck panorâmico e uma
academia moderníssima, repleta de equipamentos de última geração.
Como tudo aquilo se ergueu e se manteve de pé
por tanto tempo sem que os responsáveis da área de segurança se dessem conta?
Seria de imaginar que houvesse, como mínimo, uma atitude de desconfiança.
Protegidos naquele esconderijo tão pouco escondido, segundo nos informam agora
representantes da polícia e Ministério Público dos dois estados envolvidos na
operação, os líderes de facção ordenaram, dali, um número expressivo de
execuções aqui no Ceará.
É um golpe contra as organizações criminosas,
não há dúvida, mesmo que sem uma grande prisão de efeito midiático, até por
considerar o número assustadoramente expressivo de armas apreendidas - quatro
fuzis, duas pistolas, um revólver, um fuzil de airsoft, além de muita munição e
drogas, segundo a divulgação oficial. Nas circunstâncias em que nos encontramos
toda vitória deve ser comemorada, desde que com a devida consciência de que há
ainda muito por fazer em nome de uma vida tranquila para todos os cidadãos,
brasileiros e cearenses.
O episódio, para além do que oferece aos dois
governos estaduais diretamente envolvidos, expõe a necessidade de termos um
sistema integrado de inteligência que permita uma ação de resposta mais rápida.
Pergunta-se, considerado o número de comando de assassinatos que a polícia
informa ter partido dos líderes abrigados na Rocinha, quantas vidas poderiam
ser poupadas caso o desmonte do bunker tivesse acontecido antes?
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