terça-feira, 3 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Déficit das estatais reflete incúria fiscal do governo Lula

O Globo

Rombo no primeiro quadrimestre atinge maior valor da série histórica. É urgente retomar privatizações

O déficit acumulado pelas estatais federais nos quatro primeiros meses deste ano bateu recorde: escalou a R$ 2,73 bilhões, maior nível da série histórica, de acordo com o Banco Central. No mesmo período de 2024, elas registraram perdas de R$ 1,6 bilhão — e o rombo cresceu até fechar o ano em R$ 6,73 bilhões. Reverteu-se, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, a tendência a maior controle nessas contas que vinha se consolidando desde a gestão Michel Temer.

Os governos Temer e Jair Bolsonaro promoveram saneamento nas estatais federais dependentes do Tesouro (as que entram no Orçamento da União, e não as submetidas a regras de mercado, como Petrobras). Mas a situação voltou a se deteriorar no governo Lula. Talvez o maior símbolo da incúria sejam os Correios, cujos prejuízos somaram R$ 1,72 bilhão no primeiro trimestre do ano, mais que o dobro das perdas entre janeiro e março de 2024 — pior resultado para o primeiro trimestre desde 2017. As contas têm fechado no vermelho desde 2022. E o quadro contábil pode ser ainda mais crítico. A área técnica do Tribunal de Contas da União diz que a estatal burlou normas técnicas para declarar perdas menores em 2023 (o relatório, preliminar, precisará passar pelo plenário da Corte).

Diante de receitas em queda, prejuízos sucessivos e concorrência acirrada, funcionários relatam atrasos no pagamento de fornecedores, deficiências de manutenção nas agências e até falta de material de trabalho, como papelão, fitas adesivas ou envelopes. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) suspendeu voos dos Correios por preocupação com o transporte de produtos perigosos. Apesar da penúria e dos prejuízos, a estatal — com 83 mil funcionários e 10 mil agências — tem mimado seus dirigentes. Como mostrou reportagem do GLOBO, entre 2022 e 2023, os gastos com eles subiram 40%.

No governo Bolsonaro, os Correios haviam sido incluídos no Plano Nacional de Desestatização, com base num estudo robusto desenvolvido pelo BDNES para o setor. Em razão de pressões políticas e sindicais, a proposta não foi adiante no Congresso. Ao assumir, movido por resistência ideológica, Lula suspendeu a venda. Como a União ainda é a maior acionista da empresa, é inevitável que, cedo ou tarde, seus prejuízos caiam na conta do Tesouro.

Não surpreende o sufoco das estatais, desconectadas do mercado e sempre de portas abertas para apaniguados do governo. Quando não são desnecessárias, são mal geridas. O dispendioso Centro Nacional de Tecnologia Avançada (Ceitec), ressuscitado da liquidação pelo governo Lula para produzir semicondutores, nunca fez sentido numa área em que o Brasil é irrelevante. A obsoleta Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) vive no passado. Os próprios Correios não são nem sombra do que já foram — mesmo em bairros nobres do Rio, não há sequer entrega diária de correspondência.

A viabilidade das estatais deve ser analisada sob critérios técnicos. Não é razoável o governo dar sobrevida às que não param de pé. Excetuando as poucas estratégicas, a maioria deveria ser liquidada ou privatizada. Poupadas da competição por influxos de recursos do Tesouro, se tornam ineficientes, improdutivas e deficitárias. Só fazem agravar a situação de um governo que, em meio ao descalabro fiscal, tem recorrido a malabarismos, empenhado em avançar sobre o bolso do contribuinte para tapar buracos no Orçamento.

Escolha de juízes pelo voto popular no México é péssimo exemplo ao mundo

O Globo

A pretexto de democratizar Judiciário, eleição corrói sua independência e abre as portas ao crime organizado

O aparelhamento do Judiciário pelo Executivo tem sido uma das principais ameaças à democracia no mundo. Substituir magistrados incômodos é medida tomada não apenas por ditadores, mas também por autocratas que chegam ao poder pelo voto e, para minar os freios institucionais a seus poderes, tentam intervir nos tribunais e sabotar a independência da Justiça. Com a eleição para juízes realizada no último fim de semana, o México dá péssimo exemplo ao resto do mundo. A pretexto de tornar o Judiciário mais democrático, abriu as portas a candidaturas sem competência jurídica e até, nos casos mais preocupantes, vinculadas aos cartéis do narcotráfico. Trata-se do remédio errado para a corrupção endêmica entre os juízes mexicanos.

O resultado só ficará claro quando acabar a apuração, mas já é possível afirmar que, com comparecimento de 13% do eleitorado, a adesão foi decepcionante. Estava em disputa o cargo de 850 juízes federais, dos nove ministros da Suprema Corte e de 1.647 magistrados de instâncias inferiores e regionais — ou metade da Justiça mexicana. A outra metade será escolhida em 2027.

O partido esquerdista Movimento de Regeneração Nacional (Morena), da presidente Claudia Sheinbaum, foi autor da mudança constitucional que instaurou as eleições. Dono de dois terços do Congresso, lançou 3.400 candidatos, com objetivo de controlar a maior quantidade possível de postos no Judiciário, incluindo o novo Tribunal de Disciplina Judicial, com poderes de afastar qualquer magistrado, e o Instituto Nacional Eleitoral (INE), responsável por organizar os pleitos. Não é preciso muita sofisticação para entender os riscos envolvidos no controle partidário dessas instituições.

Com as eleições, o México passa a ser o único país do mundo a escolher pelo voto popular todos os magistrados. Em toda democracia, o Judiciário tem de ser independente, imune a pressões políticas e partidárias. Decisões devem ser tomadas com base nas leis, não nos interesses de quem está no poder. Juiz não pode ter vínculo com partidos, fazer campanha ou assumir compromissos para angariar votos. Para exercer o cargo com independência, deve ter sólido conhecimento jurídico e ficar longe da militância ideológica.

Nos Estados Unidos, 39 dos 50 estados escolhem juízes pelo voto, bem como promotores. Não faltam alertas sobre a influência de grupos com poder financeiro nessas escolhas. Mas juízes federais são indicados pelo presidente e referendados pelo Congresso. A experiência da Bolívia, que desde 2011 escolhe ministros da Suprema Corte pelo voto popular, tem sido desastrosa. De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a atuação do Judiciário boliviano tem sido influenciada por “interesses do poder político”. A autoridade da Corte foi fragilizada pela disputa para controlá-la, e 40% dos bolivianos anularam seus votos na última eleição para juízes. Em pleitos do tipo, abre-se espaço à atuação de toda sorte de grupo de interesse, em especial o crime organizado. É o que deverá acontecer também no México.

Trump interrompe trégua de tarifas e dólar cai mais ainda

Valor Econômico

Os padrões financeiros usuais estão sendo subvertidos pelo caos criado por Trump

As tréguas de tarifas de Donald Trump duram pouco; o presidente americano voltou a acusar a China de não cumprir o acordo feito com os EUA e anunciou que vai dobrar as tarifas sobre aço e alumínio, de 25% para 50%, a partir de quarta-feira. Ainda que volte atrás, como costuma fazer, novas ameaças desmontam negociações em curso, como as com a União Europeia. A “grande e bela lei” orçamentária do presidente mostrou sua cara horrível aos investidores, que perceberam que na seção 899 o governo americano poderá taxar investimentos de companhias estrangeiras nos EUA, sócios estrangeiros de companhias americanas e fundos soberanos, com base em indefinidas “políticas fiscais punitivas”. A dúvida se isso poderá incluir os títulos do Tesouro se tornou geral. Pelo conjunto da obra, os Treasuries de 30 anos encostaram novamente em 5% e o dólar aproximou-se da pior marca em três anos.

Os efeitos da guerra tarifária contra o mundo estão aparecendo na economia como era previsto: diminuindo as atividades. As importações em abril caíram 19,8%, mas as de bens de consumo e os insumos industriais foram menores ainda, recuando 32% e 31%, respectivamente. As compras no exterior no primeiro trimestre foram preventivas e enormes, a ponto de colocar o PIB do período em queda de 0,2%. Os números de agora indicam que boa parte dos estoques foi consumida.

O índice dos gerentes de compras (ISM) de maio reforça essa impressão, ao apontar que os estoques estão entrando em terreno contracionista. O ISM industrial mostra retração pelo quarto mês consecutivo. Igualmente ruim é o fato de que as entregas das encomendas industriais estão mais lentas, o que sugere dificuldade para as empresas se abastecerem localmente e falta de suprimentos (FT, ontem).

As contradições das políticas de Trump impedem qualquer previsibilidade e, no que parecem ser suas obsessões fixas, tendem a ser desastrosas. A desaceleração da economia americana reduzirá a arrecadação tributária, mas o time de Trump acha que as receitas com as tarifas preencherão esse buraco fiscal e mais outro, o do corte de impostos. Aprovada na Câmara e em discussão no Senado, a lei causará um aumento do déficit de pelo menos US$ 3 trilhões, segundo o Comitê por um Orçamento Responsável, cifra um pouco menor que a estimativa feita pelo comitê orçamentário do Congresso.

Além disso, o governo aposta que o corte de impostos dará um sopro de vida na economia que a relançará no crescimento. Para isso, serão feitos cortes drásticos em programas sociais e de assistência médica, cujos efeitos só serão sentidos depois dos cortes imediatos de impostos. Os republicanos do Senado estão se opondo ao pacote não porque não queiram menos impostos, mas porque desejam menos despesas. Ontem Trump disse que apelaria à Suprema Corte para liberar o corte de milhares de empregos na administração pública, barrada por instâncias inferiores da Justiça.

Os padrões financeiros usuais estão sendo subvertidos pelo caos criado por Trump. O aumento da remuneração dos títulos do Tesouro em geral era acompanhado pela valorização do dólar, mas a correlação foi rompida nos últimos meses. O dólar perdeu 6% de seu valor desde o pico de janeiro e a remuneração dos Treasuries subiu. Governos sensatos com déficits em alta não buscariam criar incertezas para investidores que permitem ao Estado rolar suas dívidas. Trump fez o contrário, ameaçando taxar investimentos estrangeiros se suas políticas não forem de seu agrado.

Isso ocorre em um momento em que cresce a desconfiança de que os EUA não são mais um porto absolutamente seguro onde colocar seu dinheiro, e o Treasury, garantia de risco zero. O prêmio de risco do título de dez anos, o quanto a mais se cobra para carregar títulos de longo prazo, subiu 0,7 ponto percentual de meados de março a fim de maio, segundo a consultoria Oxford Economics. Ela nota que os juros dos títulos soberanos de Japão, Alemanha e Reino Unido seguem a tendência, dados os altos déficits e, no caso alemão, programas expansionistas para defesa.

As políticas de Trump podem ainda causar mais instabilidade a qualquer momento. Aumentos dos juros do Tesouro têm pequeno poder para reduzir as atividades econômicas, mas se forem acompanhados por uma reprecificação das ações e outros ativos, os impactos são significativos - queda do PIB de 0,9%, pelos cálculos da Oxford. Há cada vez mais possibilidades de isso ocorrer porque o desempenho das empresas americanas é uma incógnita diante do que ocorrerá com seus custos, fortemente impactados por tarifas.

O Brasil será de novo atingido pela majoração das tarifas de aço e alumínio, se efetivada. Os maiores riscos, porém, advêm de turbulências financeiras, em geral acompanhadas de saída de capitais e desvalorização do real, dando mais fôlego a uma inflação renitente. Os prêmios de risco dos títulos americanos também tornam os empréstimos para governo e empresas brasileiras mais caros, um problema contornável, se temporário - o que, com Trump, é impossível ter certeza.

Saneamento cosmético para a COP30 em Belém

Folha de S. Paulo

Obras de coleta de esgoto alcançam só 40 mil pessoas; universalização até 2033 dependerá da concessão ao setor privado

Lideranças regionais são useiras e vezeiras em justificar candidaturas de cidades para megaeventos, como a COP30 em Belém, com supostos ganhos urbanísticos e sociais para a população —trata-se do benfazejo "legado", que no caso da capital paraense se materializaria, por exemplo, na melhora do saneamento básico.

A cinco meses da conferência do clima, torna-se claro que o saldo será pouco significativo. Verdade que a metrópole amazônica parte de base muito deficiente, com mais de 80% de moradores sem acesso à coleta de esgotos, melhor indicador do descalabro brasileiro em requisito óbvio da dignidade humana.

O governo de Helder Barbalho (MDB) alardeia que obras em andamento favorecerão 500 mil pessoas numa população de 1,3 milhão. Não será bem assim, como mostrou reportagem da Folha em visita aos bairros da sede da reunião internacional contemplados nos planos.

De partida, há que assinalar o fato de a expansão prevista do esgotamento sanitário na COP30 alcançar 40 mil habitantes, com 10 mil novas ligações às redes de coleta. Seria preciso incorporar uma legião de 1 milhão de belenenses ao serviço, até 2033, para cumprir a meta de universalização do saneamento, com 90% da população atendida.

O estado do Pará investe meros R$ 22 per capita por ano em saneamento. Segundo estimativa do Instituto Trata Brasil, seriam necessários R$ 231 anuais por habitante para cumprir a meta do Marco Legal do Saneamento. A média nacional claudica em R$ 111 por brasileiro.

A COP30 agregou R$ 1 bilhão para investimentos em Belém, divididos entre BNDES (reforma de 12 canais de esgotos a céu aberto) e Itaipu Binacional (um canal). A escolha recaiu sobre veios centrais degradados por falta de manutenção. Para o urbanista Juliano Pamplona Ximenes Ponte, da Universidade Federal do Pará, tais intervenções beneficiam principalmente áreas que já têm boa infraestrutura.

As obras incluem ainda recuperação e ampliação do setor viário, com vistas a melhorar o trânsito usualmente caótico da capital e prevenir enchentes. Os R$ 170 milhões de Itaipu se destinam ao Parque Urbano São Joaquim, trecho de 720 m do canal de mesmo nome, que tem outros 8 km por sanear.

A empresa Aegea obteve em abril a concessão parcial dos serviços da Companhia de Saneamento do Pará em 99 municípios, entre eles 25 da região metropolitana de Belém. Pagou R$ 1,4 bilhão e promete investir R$ 15,2 bilhões para a universalização.

A iniciativa privada, porém, só assume o serviço no fim do ano, depois da COP30. Terá muito trabalho pela frente. O resgate colossal dívida sanitária do Brasil —neste caso, do Pará— só se realizará assim, com planejamento do poder público e concessão do saneamento a setores com capacidade de bancar o aporte que o Estado negligenciou.

Musk, o breve

Folha de S. Paulo

Magnata deixa governo Trump após medidas ruidosas e conflitos de interesses; reforma não será feita com briga ideológica

A saída do magnata Elon Musk do governo de Donald Trump, após apenas quatro meses, está longe de apagar a barafunda na administração federal americana e as evidências de conflitos de interesse criados em sua passagem pelo Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês).

Se há lições a tirar desse período de turbulência no setor público dos EUA, a mais óbvia é que reformar o Estado constitui tarefa complexa, que requer estudo, planejamento e persistência.

Musk se propôs a combater "desperdícios, fraudes e abusos", o que obviamente é necessário em qualquer administração —e urgente numa que acumula elevados déficits orçamentários e endividamento. No entanto sua ênfase foi em medidas ruidosas e de motivação ideológica.

O Doge mirou áreas, como a educação, que, para o trumpismo, promovem valores esquerdistas e militância identitária. Na base da canetada, os EUA desmantelaram um de seus principais instrumentos de soft power, a Usaid, que prestava auxílio a populações vulneráveis no mundo.

Não foram poucas as medidas levadas à barra da Justiça que, entre outras decisões, impediu o compartilhamento de informações confidenciais do Tesouro americano com o Doge.

Mais do que cuidar da reforma do Estado, Musk exerceu influência sobre o presidente republicano em decisões domésticas e na esfera da política externa —até abril, pelo menos, quando entrou em choque com Trump ao criticar o tarifaço sobre as importações e altas de gastos embutidas na proposta de lei orçamentária.

Notadamente, deixou um rastro de potenciais benefícios a seus negócios privados, que vão muito além dos dados sensíveis do Estado e de milhões de americanos que já chegaram a suas mãos ou da rede de autoridades governamentais por ele indicadas ou apoiadas, que estarão, teoricamente, à sua disposição.

Um exemplo inquietante foi sua orientação de expandir o uso do Grok, o chatbot de sua empresa xAI, em análises e relatórios do governo americano —regados com informações confidenciais que podem alimentar a evolução dessa inteligência artificial.

A Casa Branca declarou que Musk continuará colaborando com os programas reformistas, que terão continuidade. Fato é que as perspectivas de déficit fiscal elevado e em expansão nos Estados Unidos permanecem basicamente intocadas. Até aqui, ações midiáticas e propaganda ideológica não serviram para tornar a máquina pública menos custosa e mais eficiente.

Fim de um delírio

O Estado de S. Paulo

A agência de classificação de risco Moody’s, que havia melhorado a nota de crédito do Brasil, corrige a rota e sepulta a chance do País de recuperar o grau de investimento ainda neste governo

A manutenção da nota de crédito do Brasil pela Moody’s, na sexta-feira passada, teve gosto amargo para o governo. Ao alterar a perspectiva do rating de positivo para estável, a agência de classificação de risco sepultou a chance de o País recuperar o grau de investimento no curto prazo, conquista com a qual o presidente Lula da Silva contava até o fim de seu terceiro mandato, em 2026.

A mudança na perspectiva, na prática, significa que a Moody’s não pretende alterar a nota do Brasil no horizonte dos próximos 18 meses, nem para cima nem para baixo. De certa forma, é algo até positivo, pois, para alguns economistas, já existem motivos suficientes para a agência rebaixar a nota de crédito brasileira. Não se trata de torcida contrária. Em maio de 2024, a decisão da Moody’s de melhorar a perspectiva da nota de crédito do País surpreendeu o mercado, e a posterior elevação do rating, em outubro, gerou muita controvérsia.

Na ânsia por recuperar o selo de bom pagador, conquistado em 2008, no segundo mandato de Lula da Silva, e perdido em 2015, durante a administração Dilma Rousseff, o governo trocou os pés pelas mãos. Em vez de trabalhar pelo reequilíbrio estrutural das contas públicas – que seria muito mais efetivo, tendo em vista o objetivo –, Lula, acompanhado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi pessoalmente a Nova York para se reunir com representantes das agências e convencê-los de que o País merecia um voto de confiança.

Se a estratégia funcionou ou não, o fato é que a Moody’s melhorou a nota brasileira no mês seguinte ao referido encontro. À época, a Moody’s deu ênfase ao crescimento econômico vigoroso e à posição favorável do País no setor externo. A questão é que a vulnerabilidade da economia brasileira não estava na dívida externa, mas na área fiscal, e o endividamento na proporção do Produto Interno Bruto (PIB) não dava sinais de recuo ou mesmo de estabilização, razão pela qual a atitude da agência foi encarada como excessivamente benevolente.

Com a decisão de outubro, a Moody’s foi a única, entre as grandes agências de classificação de risco, a posicionar o Brasil a um passo do grau de investimento, destoando de suas principais concorrentes, Standard & Poor’s e Fitch Ratings, que mantinham o País a dois degraus da desejada marca. Para a equipe econômica, no entanto, era questão de tempo até que as outras agências reconhecessem o cenário que só a Moody’s havia enxergado.

Pois o governo, logo depois, provou não ser digno do voto de confiança que recebeu. Quem prometia um plano de corte de gastos vigoroso após as disputas municipais entregou uma promessa eleitoreira de isentar de Imposto de Renda da Pessoa Física a trabalhadores que ganhassem até R$ 5 mil mensais, anunciada por ninguém menos que Haddad em rede nacional de rádio e TV. As poucas medidas do pacote que pretendiam conter o nível explosivo do crescimento das despesas, tais como a revisão de critérios para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), foram esvaziadas ou rejeitadas pelo Congresso Nacional após um movimento de boicote liderado por parlamentares petistas.

Foi como um divisor de águas, em que ficou claro que a prioridade do governo, a partir de então, seria a reeleição de Lula. Mais recentemente, muitas outras medidas corroboraram essa avaliação, como o anúncio da expansão do Auxílio Gás e da Tarifa Social de Energia Elétrica e a criação de mais uma faixa no Minha Casa Minha Vida, entre muitas outras. A elas somou-se a malfadada iniciativa de elevar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre operações de crédito, câmbio e previdência privada, evidência da disposição do governo de gastar e arrecadar mais sem resvalar em reformas estruturais que desvinculem receitas e o piso de benefícios previdenciários e assistenciais.

Enquanto a Moody’s ajusta sua rota, o País mantém a marcha rumo à inviabilização das despesas discricionárias e do arcabouço fiscal já em 2027, cenário atestado pelo Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias enviado ao Congresso e reconhecido pela ministra do Planejamento, Simone Tebet. Mas nada disso importa para quem se diz enviado de Deus para levar água ao sertão.

A audácia da Ucrânia

O Estado de S. Paulo

Ao destruir aviões russos em solo, ucranianos desmoralizam Putin e, ao contrário do que disse Trump, mostram que têm cartas e sabem jogar – só precisam ser bancados pelos aliados ocidentais

A segunda rodada de negociações entre Rússia e Ucrânia em Istambul não produziu avanços. Durou menos de duas horas e foi marcada mais por silêncio do que por sinais de convergência. Os dois lados entregaram memorandos: a Ucrânia, propondo cessar-fogo e garantias de integridade territorial; a Rússia, exigindo que Kiev abandone a Otan, deixe regiões ocupadas e aceite um estatuto de subordinação – em outras palavras: rendição. Nada disso surpreende.

O que surpreendeu foi a ofensiva clandestina lançada por Kiev poucas horas antes. A operação Teia de Aranha atingiu quatro bases aéreas em território russo, danificando ou destruindo mais de 40 aeronaves, incluindo aviões A-50 e bombardeiros Tupolev, essenciais à doutrina russa de dissuasão e à sua campanha de mísseis contra cidades ucranianas. O impacto foi tanto simbólico quanto militar.

Foi a mais devastadora ofensiva ucraniana contra ativos estratégicos russos desde o início da guerra. Algumas das aeronaves atingidas são raras, caras e, em muitos casos, insubstituíveis, em razão da obsolescência da cadeia de produção militar russa. A Ucrânia, com recursos limitados, aplicou um golpe assimétrico: usou drones comerciais adaptados, ocultos em caminhões dentro do território russo, com comando remoto. O planejamento levou 18 meses.

Mais que um feito técnico, trata-se de um marco psicológico, que desmente a propaganda do Kremlin segundo a qual a vitória russa é inexorável, expõe falhas gritantes na segurança interna russa e revela que Moscou não consegue proteger sequer seus vetores nucleares. Internamente, o episódio provocou fúria entre os ultranacionalistas russos e mais uma rodada de recriminações entre chefes militares. Externamente, força aliados e analistas a revisarem suas premissas.

A Ucrânia não é uma peça passiva no xadrez da guerra. Mostrou engenhosidade, capacidade de penetração e inteligência operacional dignas das principais potências. Mostrou, sobretudo, que ainda sabe jogar – e com audácia. O contraste com a retórica teatral da Casa Branca é gritante. O presidente dos EUA, Donald Trump, que alterna ameaças e afagos a Putin, prometeu acabar com a guerra em “24 horas”, mas sua diplomacia oscila entre a condescendência e a ilusão, funcionando na prática como uma cortina de fumaça que abre espaço para manobras dilatórias do Kremlin e encoraja a aposta de Putin na fadiga do Ocidente para impor sua versão de paz sob ocupação.

A resposta americana à ofensiva ucraniana ainda é incerta. O Congresso, por iniciativa bipartidária, prepara sanções secundárias contra países que financiam o esforço de guerra russo via compra de petróleo. Iniciativa meritória, que precisa avançar – com ou sem a bênção presidencial. Mas não basta. As defesas aéreas da Ucrânia enfrentam esgotamento crítico, como ficou claro no ataque russo com 472 drones na véspera da operação Teia de Aranha. A reconstrução de sua capacidade antiaérea e a manutenção do fluxo de armamentos devem ser prioridades para qualquer potência que leve a sério a estabilidade europeia.

É compreensível que a Ucrânia aceite participar de rodadas de negociação – mesmo com a má-fé de seus interlocutores e sem expectativas de êxito. Isso a posiciona como parte da solução e ajuda a isolar o agressor. Mas não se deve confundir disposição ao diálogo com resignação. A diplomacia, para ser eficaz, precisa caminhar ao lado da dissuasão e ser sustentada por uma posição de força. A operação ucraniana mostrou que há fôlego para resistência e criatividade – e que Putin não detém o monopólio da iniciativa.

Se o Ocidente quiser preservar a ordem internacional baseada em regras e evitar que a chantagem militar se normalize como instrumento de política externa, precisa bancar a Ucrânia. Isso significa apoio militar sustentado, financiamento da reconstrução e coerência estratégica. O erro seria recair na armadilha da moderação ilusória, confundindo realismo com apaziguamento.

A Ucrânia provou que não está derrotada. A pergunta que se impõe é se o Ocidente está disposto a provar que não está rendido.

A incrível eleição para juízes

O Estado de S. Paulo

Baixíssimo comparecimento no México coroa um processo errado do início ao fim

Aprovada no ano passado por um Congresso dominado pelo governo, a controversa reforma do Judiciário no México teve, anteontem, seu capítulo mais relevante até agora.

Em todo o país, mexicanos foram às urnas para, num evento sem precedentes no mundo, eleger centenas de juízes e magistrados de tribunais regionais e federais, bem como os nove membros da Suprema Corte. Mais de 2,6 mil cargos estavam em jogo.

O resultado desse experimento insólito só deverá ser conhecido em 15 de junho, quando a complexa contagem de votos do processo for concluída.

Por ora, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, afilhada política do ex-presidente Andrés Manuel López Obrador (Amlo), o líder populista por trás da reforma do Judiciário, classificou a eleição de “êxito”, “impressionante” e “democrática” e festejou os 13 milhões de mexicanos que participaram do processo.

Ocorre que esses 13 milhões equivalem a apenas 13% dos 99 milhões aptos a votar para juiz. Ou seja, o experimento não tem respaldo popular.

Motivos para o desinteresse não faltam. A maioria dos milhares de candidatos era totalmente desconhecida para a população. A qualidade dos postulantes também era bastante duvidosa – em vídeos que viralizaram nas redes sociais, vê-se que os candidatos a juízes protagonizaram momentos constrangedores dignos da tradição política latino-americana. Por fim, as cédulas eleitorais abarrotadas de nomes não eram nada estimulantes aos votantes.

Por mais que Sheinbaum afirme que tudo foi “maravilhoso” e será aperfeiçoado para a nova rodada de eleições judiciais, agendadas para 2027, esse processo é um desatino do início ao fim.

Para além da baixa participação popular e do caráter anedótico da campanha, a eleição direta para magistrados, como corretamente apontaram a oposição e especialistas, põe em risco o Estado Democrático de Direito, já que os freios para que o Morena (partido de Amlo e Sheinbaum) influa na escolha dos magistrados tornam-se inexistentes.

Também é grande a preocupação com a possibilidade de que o crime organizado mexicano, conhecido pelo enorme poderio financeiro, eleja juízes simpáticos à sua causa, o que, em vez de promover “justiça para o povo” e o fim da corrupção no Judiciário, como prometeu Amlo marotamente, apenas facilitará a vida de bandidos sanguinários.

Não se desconhece o fato de que mundo afora há um movimento de insatisfação popular com o Poder Judiciário, não só porque é papel da Justiça fazer valer a lei, o que muitas vezes contraria interesses poderosos, como porque em países como o Brasil não são raras as situações em que os juízes extrapolam suas competências. Mas o experimento mexicano, amplamente ignorado pela população, em nada melhorará a sensação de que a lei é seguida e de que a Justiça, como se espera, é cega.

A eleição direta de magistrados apenas exacerba o poderio econômico daqueles que, por terem recursos, podem comprar a lei. Pior, abre as portas para que barões do crime não sejam incomodados por absolutamente ninguém.

Pacto contra pandemias precisa avançar

Correio Braziliense

Pacto histórico é firmado em momento de alerta para o risco de disseminação do H5N1, que tem potencial pandêmico. Há muito a se avançar até que a iniciativa saia do campo das proposições

Sob a ameaça de uma variante do coronavírus que poderia comprometer os avanços conquistados nos dois primeiros anos da pandemia de covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) insistia na criação de um acordo formal entre os países para o melhor enfrentamento de crises do tipo. "A ômicron demonstra exatamente por que o mundo precisa de um novo acordo sobre pandemias: nosso sistema atual desincentiva os países a alertarem outros sobre ameaças que inevitavelmente pousarão em suas costas", exemplificou o diretor-geral da agência, Tedros Adhanom, em novembro de 2021. À época, países da África notificavam o surgimento da "cepa mais letal do Sars-Cov-2" e, de certa forma, eram responsabilizados por isso.

Três anos e meio depois do alerta e de negociações ferrenhas, foi dado o primeiro passo efetivo rumo ao pacto sanitário. Representantes de países-membros reunidos em Genebra aprovaram, no último dia 20, a resolução de um acordo que visa "prevenir, se preparar e responder a pandemias". Trata-se de um pacto histórico, firmado em um momento de alerta para o risco de disseminação de um vírus que também tem potencial pandêmico: o H5N1, causador da gripe aviária. Mas há muito a se avançar  até que a iniciativa saia do campo das proposições — a ratificação está prevista para 2027. 

É preciso estabelecer, por exemplo, os mecanismos que garantirão a criação de "uma rede global de logística e cadeia de mantimentos". Não há dúvidas de que o esforço histórico de cientistas culminou na criação de vacinas que mudaram o rumo da pandemia de covid-19. Mas também é certo que os percursos não foram iguais em todos os países. A distribuição desigual dos imunizantes é apontada, inclusive, como uma das razões do surgimento de cepas do coronavírus cada vez mais perigosas.

Um esforço coletivo demanda, acima de tudo, parcerias e contrapartidas justas. Caso contrário, hão de se repetir episódios como o do começo de 2023, quando países tinham vacinas da covid vencidas, inclusive o Brasil, e 70% da população do continente africano sequer havia recebido a primeira dose, conforme denunciaram os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) da África. 

Um ano depois, diante do aumento de casos de MpoK, o continente foi novamente acusado de ineficiência sanitária. Se não houver, de fato,  "transferência de tecnologias, informações, habilidades e expertise para a produção de produtos relacionados à saúde", é questão de tempo para que surjam novas acusações. A ciência precisa se instalar no continente, promovendo a saúde e a economia local. Ao contrário, quem é boicotado pelos avanços científicos, também fora da África, seguirá sendo perversamente responsabilizado por retrocessos na saúde global.

O fato de o acordo firmado no mês passado não prever multas ou penalidades certamente dificultará o estabelecimento de relações mais equânimes. Agrava o cenário o desinteresse dos Estados Unidos pelo pacto. O país abandonou as negociações após Donald Trump anunciar a saída da OMS e é sede de grandes farmacêuticas, convidadas a doarem ao menos 10% da produção de vacinas e medicamentos à agência das Nações Unidas.

Cabe lembrar que os EUA acabam de enfrentar um surto de gripe aviária, com contaminação recorde e morte, e também têm se distanciado da pauta climática, cada vez mais relacionada à de controle de pandemias. Outros 24 países registraram, neste ano, infecções de humanos por H5N1. No Brasil, 13 casos em animais são investigados, e a resposta à nova ameaça viral tem sido assertiva. Que essa postura se mantenha na próxima COP. É vital, em Belém, lançar luz sobre a urgência de parcerias que viabilizem o enfrentamento de crises sanitárias sem deixar ninguém para trás.

O tempo da resposta precisa melhorar

O Povo (CE)

A operação conjunta de autoridades da segurança pública do Rio de Janeiro e do Ceará, que levou à descoberta de um banker em favela carioca que escondia criminosos originários de nosso Estado, representa um exemplo de como é importante que se intensifique a integração entre as forças das diversas unidades para que o poder público cumpra sua missão de defender a sociedade. Especialmente, como é o caso, tratando-se do combate a organizações que a cada dia se mostram mais ousadas e desafiadoras.

Deve-se perguntar porque os governos, neste caso incluída também a instância federal, demoram tanto em suas respostas. Claro que há um tempo diferente, já que tudo precisa ser feito de acordo com a lei, mas há espaço para melhorar a agilidade e garantir um tempo de reação mais rápido.

É injustificável, por exemplo, que uma mansão seja construída numa área marcada pela pobreza, ocupando uma área imensa, e a inteligência policial tenha demorado tanto em detectar o absurdo. Há tecnologia suficiente, hoje, para permitir que o monitoramento se dê à distância, sem a necessidade de um olheiro físico alimentando as estruturas públicas a partir de informações de campo.

As polícias fluminense e cearense informam que o imóvel seria de propriedade de Anastácia Paiva Pereira, chefe do tráfico de drogas em Santa Quitéria, a 222 km de Fortaleza. Agredia o ambiente local, cercada de pobreza e carência, aquela mansão com piscina, deck panorâmico e uma academia moderníssima, repleta de equipamentos de última geração.

Como tudo aquilo se ergueu e se manteve de pé por tanto tempo sem que os responsáveis da área de segurança se dessem conta? Seria de imaginar que houvesse, como mínimo, uma atitude de desconfiança. Protegidos naquele esconderijo tão pouco escondido, segundo nos informam agora representantes da polícia e Ministério Público dos dois estados envolvidos na operação, os líderes de facção ordenaram, dali, um número expressivo de execuções aqui no Ceará.

É um golpe contra as organizações criminosas, não há dúvida, mesmo que sem uma grande prisão de efeito midiático, até por considerar o número assustadoramente expressivo de armas apreendidas - quatro fuzis, duas pistolas, um revólver, um fuzil de airsoft, além de muita munição e drogas, segundo a divulgação oficial. Nas circunstâncias em que nos encontramos toda vitória deve ser comemorada, desde que com a devida consciência de que há ainda muito por fazer em nome de uma vida tranquila para todos os cidadãos, brasileiros e cearenses.

O episódio, para além do que oferece aos dois governos estaduais diretamente envolvidos, expõe a necessidade de termos um sistema integrado de inteligência que permita uma ação de resposta mais rápida. Pergunta-se, considerado o número de comando de assassinatos que a polícia informa ter partido dos líderes abrigados na Rocinha, quantas vidas poderiam ser poupadas caso o desmonte do bunker tivesse acontecido antes? 

 

 

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