Responsabilizar redes sociais por conteúdo é avanço
O Globo
STF formou maioria para acabar com imunidade.
Resta definir regra que valerá daqui para a frente
Representa um avanço indiscutível a maioria
formada no Supremo Tribunal Federal (STF)
para responsabilizar as redes sociais por conteúdo que veiculem. Até o momento,
sete dos 11 ministros se manifestaram pela inconstitucionalidade, no todo ou em
parte, do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Tal artigo estabelece que
plataformas digitais só são obrigadas a remover conteúdo mediante ordem
judicial, garantindo-lhes imunidade por crimes cometidos por meio delas até que
haja sentença. Só que danos no meio digital costumam ser instantâneos, e,
quando o juiz ordena a retirada do conteúdo ilegal, o estrago já está feito. Na
prática, a imunidade assegurada pelo artigo 19 transforma as redes sociais em
terra sem lei.
A experiência comprova que as plataformas digitais têm sido omissas — quando não coniventes — ante vários crimes. Redes sociais continuam inundadas de agressões, estímulo a mutilação ou suicídio, venda de produtos ilegais, propaganda extremista, discurso de ódio contra minorias, além de serem veículo para difusão de toda sorte de conspiração contra a democracia.
Infelizmente, o Congresso também se mostra
omisso ao deixar em segundo plano o Projeto de Lei das Redes Sociais, que lhes
conferiria o “dever de cuidado” com o conteúdo. Por meio da proposta, elas se
tornariam corresponsáveis por crimes não ao receber ordem judicial, mas a
partir do momento em que fossem notificadas pela parte ofendida (mecanismo
conhecido como notice and take down).
Diante da omissão, o STF fez bem em agir. Ao
final do julgamento, deveria adotar regra similar ao notice and take down. Não
se espera que, de uma hora para outra, as plataformas passem a retirar conteúdo
do ar sem justificativa. Muito menos censura ou vigilância, como propalam
defensores da imunidade. Elas terão a liberdade — e o dever — de manter no ar o
que julgarem estar dentro da lei. Não faltam tecnologia e recursos para avaliar
os pedidos.
Os ministros que votaram até agora pela
inconstitucionalidade do artigo 19 concordam no essencial: a extensão da
aplicação do artigo 21 do Marco Civil, que prevê responsabilidade das
plataformas mediante notificação (hoje restrita a violação de intimidade). Mas
discordam sobre as regras que passarão a valer. Dias Toffoli, relator de um dos
recursos em julgamento, incluiu na regra geral os crimes contra a honra. Luiz
Fux, relator do outro recurso, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes
concordaram. Luís Roberto Barroso, em contraste, se pronunciou a favor da
inconstitucionalidade parcial. Sob o argumento de haver risco à liberdade de
expressão, ele excluiu os crimes contra a honra da regra e os manteve sujeitos
ao artigo 19. Com ele concordaram Flávio Dino e Gilmar Mendes. Apenas André
Mendonça votou para preservar as regras atuais.
As arestas terão de ser aparadas, mas parece
evidente que as plataformas dispõem de tecnologia e recursos suficientes para
avaliar as notificações e de corpo jurídico competente para defender seus
direitos quando decidirem manter conteúdos. Depois da vida, a honra é o valor
maior da dignidade humana. Por que deveria receber proteção inferior? O STF
ainda precisará refletir sobre a regra a adotar. Esse desafio, porém, não tira
o brilho da conquista que a decisão desta semana representa para a sociedade brasileira.
Dados detalhados são essenciais para entender
mutação religiosa do Brasil
O Globo
Pesquisadores cobram do IBGE informações
desagregadas, divulgadas em edições anteriores do Censo
O IBGE divulgou
na semana passada números que, com base no Censo 2022, traçam o novo perfil
religioso dos brasileiros. Eles mostram que, apesar do crescimento
significativo de outras denominações cristãs, os católicos ainda são
predominantes: representam mais que o dobro dos evangélicos (56,7% ante 26,9%).
São informações essenciais para entender as transformações por que passa a
sociedade. Faltou, porém, divulgar dados detalhados, como em edições anteriores
do Censo. De acordo com pesquisadores, eles permitiriam compreender melhor as
mudanças.
Os dados divulgados se referem a grandes
grupos, como católicos, evangélicos, espíritas, umbandistas e candomblecistas,
adeptos de tradições africanas ou sem religião. Mas
não estão disponíveis o número de fiéis por denominação evangélica ou a
quantidade de brasileiros nos diferentes grupos sob a classificação “sem
religião”.
Um dos dados que chamaram a atenção foi o
arrefecimento no ritmo de crescimento dos evangélicos. Com base no histórico
das últimas décadas (entre 1991 e 2022 eles triplicaram, de 9% para 26,9%),
pesquisadores previam um percentual em torno de 30%. Estudiosos afirmam ser
importante conhecer as dinâmicas dentro das diversas denominações para entender
esse resultado. Quem cresce, quem está parado, quem perde fiéis.
“O problema de não ter os dados desagregados
é não poder dizer o que está acontecendo”, afirma o antropólogo Juliano Spyer,
autor dos livros “Crentes” e “Povo de Deus”. “Cada um fala uma coisa. Sabe-se
que os evangélicos cresceram de modo robusto. Mas não se sabe o tamanho das
denominações, a força de cada uma, nem das centenas de igrejas de garagem que
não estão submetidas aos caciques das grandes.”
De acordo com o IBGE, o Censo 2022
identificou “uma proporção significativamente maior de registros incompletos ou
genéricos no quesito religião” em comparação com 2010. Isso, segundo o
instituto, “afetou a qualidade da desagregação das informações por denominação
religiosa e motivou a decisão técnica de divulgar, num primeiro momento, apenas
os dados agregados por grandes grupos”. O IBGE agora analisa os fatores que
contribuíram para esse padrão de resposta.
O último Censo enfrentou vários contratempos,
entre eles a pandemia, restrições orçamentárias e problemas com recenseadores.
Houve atraso tanto na pesquisa quanto na divulgação dos dados. O IBGE nega que
isso tenha causado impacto nos resultados e afirma ter adotado “medidas
rigorosas” para “preservar a robustez da coleta” e garantir a precisão dos
dados.
A qualidade do trabalho do IBGE é inquestionável. Mas os pesquisadores têm razão em cobrar dados desagregados, fundamentais para a compreensão do mosaico religioso de um país com enorme diversidade de crenças e em constante mutação. O instituto faz bem em analisar as causas. Em qualquer situação, deve agir com transparência, tanto na divulgação dos dados completos quanto na comunicação das dificuldades para apresentá-los.
Embate pode trazer mais uma derrota política
para o governo
Valor Econômico
O pacote alternativo apresentado pelo governo
não contemplou nem reformas nem corte de gastos
As chances de aprovação de um remendo fiscal,
o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras, para compor receitas que
permitissem ao governo cumprir o piso da meta (déficit de R$ 31 bilhões) já
eram ruins antes e ficaram ainda piores com a extensão de aumento de impostos
para títulos privados antes isentos. Opções ao aumento do IOF foram debatidas
com os partidos da base governista em reunião no domingo, classificada de
“histórica” pelos participantes, entre eles Hugo Motta (Republicanos-PI),
presidente da Câmara dos Deputados, e Davi Alcolumbre (UB-AP), presidente do
Senado. Na segunda-feira, Motta afirmou que o Congresso não se comprometeria
com a aprovação das alternativas. Ontem, em reunião com os líderes de bancada,
Motta anunciou que colocará em votação projetos de decreto legislativo que
derrubam a versão amortecida do aumento original do imposto. É possível que ela
seja rejeitada.
Desde a presidência de Arthur Lira (PP-AL) na
Câmara, os partidos do Centrão têm mostrado rejeição a novos aumentos da carga
tributária para sancionar gastos de um governo composto por um partido
minoritário no Legislativo, cujo presidente tentará se eleger pela quarta vez
para comandar o país. Por oportunidade ou convicção, essas legendas se alinham
com um sentimento difuso e amplo de que a carga de impostos do país é excessiva
e não deveria aumentar mais. Vários números dão base a esta percepção. Até agora,
em seu terceiro mandato, o governo Lula conseguiu receitas extras de R$ 170
bilhões (O Globo, 9-6), enquanto exibe seguidamente déficits e sempre busca o
resultado mais flexível da meta fiscal, seu piso, no controle orçamentário.
O governo mudou o regime fiscal por ele
próprio criado antes de seu primeiro ano, para não ter de obter qualquer
superávit nas contas públicas durante quatro anos. Como terá de zerar o déficit
em 2026, ano de eleições, saiu em busca de mais arrecadação, com planos de
coletar R$ 20 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões no ano que vem com a alta do IOF,
para não ter de cortar despesas, que seguem crescendo.
O regime fiscal não foi feito para reduzir
despesas, mas, sim, para disciplinar e garantir seu crescimento. Isso não
aconteceu, como mostra agora a perspectiva de um apagão na máquina pública em
2027, constante das projeções dos orçamentos futuros de 2026. A intenção do
regime era que gastos produzissem crescimento maior da economia, como ocorreu,
que traria maior arrecadação - ela foi recorde nos últimos dois anos - e, pela
regra fiscal, tudo isso se traduzisse em aumento de despesas acima da inflação de
até 2,5%, com um mínimo de 0,5%, houvesse ou não bom desempenho das receitas
federais.
Os desejos do presidente Lula ajudaram a
arruinar o frágil esquema do regime fiscal. Os aumentos reais do salário mínimo
atingiram em cheio a metade dos gastos do Estado (Previdência, BPC, auxílio
desemprego, abono salarial) e a correção pela receita dos gastos com educação e
saúde contribuiu para que as despesas obrigatórias comprimissem as demais. Essa
contradição chegou ao paroxismo agora: o orçamento não fecha, e conseguir mais
receitas bateu em uma dura muralha de rejeição no Legislativo.
A tentativa de aumentar o IOF foi um erro
grave. Até a ascensão de Gabriel Galípolo ao comando do Banco Central, o
Planalto criticou os juros altos e praticou uma política fiscal expansionista
que antagonizava a autoridade monetária. Pois diante de taxas muito
contracionistas o governo propôs uma medida que encarecia ainda mais o crédito.
Incredulidade e rejeição em vários setores da economia levaram ao recuo, quando
o presidente da Câmara lançou ao governo uma via de salvação: reformas
“estruturantes” e corte de gastos. É verdade que o próprio Congresso não age
para cortar gastos. Anteontem, por exemplo, a Mesa Diretora da Câmara propôs um
projeto de lei que permitiria aos parlamentares acumular salários e
aposentadorias.
O pacote alternativo apresentado pelo governo
não contemplou nem reformas nem corte de gastos. O corte de gastos tributários
tem especificidades que exigem mais elaboração nos projetos de redução, o que
justifica sua protelação. Mas não há sinal de redução de despesas, apenas mais
tributação. Os partidos da “base” que se reuniram com o governo no domingo se
recusam agora a apoiar as medidas, a começar pelo União Brasil, acompanhado de
PP, PSD, todos com cargos ministeriais, e PL, da oposição. Novas investidas do
ministro Flavio Dino, do STF, contra as emendas estimularam em alguma medida a
recusa do Legislativo.
Há um risco de o governo conseguir aprovar
muito pouco do que apresentou. O presidente Lula, que patrocinou o encontro com
o Legislativo para discutir a questão, está calado. Como nunca pretendeu
reduzir os gastos públicos e rejeitou propostas nesse sentido do ministro
Fernando Haddad, Lula apenas assiste a um embate que pode resultar em mais uma
derrota política para seu governo. A economia, que cresce acima de seu
potencial, não precisa de mais estímulos. É possível impedir a expansão das
despesas obrigatórias acima das receitas e construir superávits fiscais, ainda
que no início modestos. Desde que voltou ao poder, o presidente se recusa a
isso.
Supremo promove retrocesso da livre expressão
na internet
Folha de S. Paulo
Ao enfraquecer o Marco Civil e invadir área
do Legislativo, maioria do tribunal cria caldeirão de insegurança jurídica
O Supremo Tribunal Federal acaba de promover
a confusão sobre as regras da internet e
estimular a censura. A
maioria dos ministros já decidiu que o artigo 19 do Marco Civil é no
mínimo insuficiente para dar conta do nível que julga necessário de repressão
às manifestações nas plataformas digitais.
Há no entanto uma dúvida —e razões para temer
pelo pior— sobre o que os supremos magistrados vão colocar no lugar do vácuo
legislativo que terão produzido quando o julgamento terminar.
O código promulgado em 2014, após extenso
debate na sociedade e no Congresso
Nacional, logrou temperar o princípio iluminista e constitucional da ampla
liberdade de expressão com formas de responsabilização individual de quem abuse
desse direito.
O artigo 19 cristaliza tal equilíbrio ao
determinar que as plataformas poderão ser punidas apenas caso desobedeçam ordem
judicial de tornar indisponível um conteúdo produzido por usuários. O
dispositivo toma o cuidado adicional de explicitar o seu intuito de
"assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura".
Pois foi exatamente essa a cautela alvejada
por sete ministros do STF —com
a honrosa oposição do colega André Mendonça—
no julgamento desta semana. A depender da interpretação que prevaleça quando
for redigido o acórdão, o artigo 19 terá sido bastante atenuado ou fulminado.
Na
sua versão mais radical, exposta no voto do relator Dias Toffoli,
o tribunal sujeitaria as plataformas a responsabilização por deixarem de
remover determinados conteúdos "notoriamente inverídicos" ou
"gravemente descontextualizados", mesmo que não tenham sido
notificadas antecipadamente por usuários.
Não é difícil antever a aberração censora que
pode estar prestes a ser introduzida no ordenamento jurídico nacional. Se
quiserem continuar a operar no Brasil sob a premissa defendida por Toffoli, as
plataformas terão de submeter tudo o que circula em suas páginas a um grau de
vigilância e de repressão de fazer inveja à ditadura chinesa.
As opções punitivas por assim dizer mais
leves contidas nas manifestações de outros ministros tampouco permitem
vislumbrar um futuro promissor para a liberdade de expressão na internet
brasileira. Todas elas estimulam as redes a censurar por conta própria
manifestações que lhes possam render sanção judicial.
O caso é ainda mais grave porque a maioria
dos juízes do Supremo aventurou-se mais uma vez no terreno do Poder
Legislativo. Magistrados da corte constitucional passarão agora a legislar
sobre a regulação das redes sem a menor capacidade técnica nem legitimidade
política para isso.
Aprendizes de feiticeiro caminham para
transformar uma regulação que era estável e cristalina para todos os agentes
num caldeirão de incertezas e insegurança jurídica, afrontar o Congresso
Nacional e demarcar um lamentável retrocesso do direito à livre expressão no
Brasil.
Ataques nas escolas em queda
Folha de S. Paulo
Casos caem de 15 em 2023 para 5 em 2024,
apesar de alta do cyberbullying; problema exige prevenção e educação midiática
Nos últimos anos, ataques violentos em
escolas passaram a ocorrer com maior frequência no Brasil, mas ao menos dados
mais recentes mostram uma interrupção da tendência no ano passado.
Segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública em parceria com a Timelens, empresa especializada em análise
de dados, de 2001 a 2018 aconteceram 10 ataques em escolas do país. Após a
pandemia, os números saltaram de ao menos 2 em 2021 para 10 em 2022 e 15 em
2023. Já
em 2024, caíram para 5.
Tal queda se deu mesmo com o aumento de
discursos agressivos e bullying no
ambiente online. Em 2021, o estudo aponta 43,8 mil postagens com conteúdo de
ódio e ameaças contra alunos, professores, diretores e escolas. Chegou-se a
mais que o dobro disso em 2023, com 105,1 mil, e, somente até maio deste ano,
já se contaram 88,3 mil.
A sequência de nove ataques entre agosto de
2022 e março de 2023, resultando em sete mortes, gerou compreensíveis temor e
indignação na sociedade.
O mundo político, como não é raro acontecer,
reagiu à comoção com providências simplistas e de baixa eficácia. Em janeiro de
2024, Congresso
Nacional e Executivo se uniram em proposta que tipificou
os crimes de bullying e o cyberbullying —com pena de multa para o
primeiro e de 2 a 4 anos de prisão para o segundo.
A punição para homicídio de
menores de 14 anos (12 a 30 anos de reclusão) foi elevada em dois terços quando
o crime for cometido em instituições de ensino.
A lei pode até contribuir para estimular a
conscientização, mas não deve ser a única resposta do poder público para o
problema.
É preciso capacitar professores e
funcionários de escolas para identificar a prática de bullying e alterações de
comportamento.
Pesquisa da Unesp e da Unicamp mostra
que jovens agressores são no geral homens que têm atitudes machistas e
violentas, cultuam armas, são isolados, têm histórico de distúrbio psiquiátrico
e convivem com desemprego e violência no
ambiente familiar.
A educação midiática
deve ser implementada em larga escala, por capacitar crianças e jovens a
reconhecer discursos de ódio, assédio e desinformação e a influência dos
algoritmos, além de estimular a busca de ajuda por meio de canais competentes.
Ações de inteligência investigativa na deep
web, onde jovens radicalizados se encontram, também têm papel importante.
Os atentados vis ao menos parecem ter
despertado a atenção de gestores e educadores. Que os números continuem em
queda.
Jogo de empurra à beira do abismo
O Estado de S. Paulo
Congresso bate o pé contra o aumento de
impostos proposto pelo governo, mas não oferece alternativa para evitar colapso
das contas, enquanto o perdulário Lula finge que não é com ele
Evidentemente pressionado por seus pares, o
presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), decidiu
confrontar o governo Lula da Silva. Por meio de suas redes sociais, ele
anunciou que vai pautar a urgência de um projeto para derrubar o decreto
presidencial que reduziu os efeitos da elevação do Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) sobre crédito, câmbio e seguros.
O curioso é que a publicação do novo decreto
havia sido pactuada numa reunião entre a cúpula do Congresso e o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, no fim de semana passado. O encontro, por sinal,
tinha como objetivo discutir alternativas ao primeiro decreto, que gerou muita
insatisfação no Legislativo e levou Motta a considerar a possibilidade de
pautar um projeto de decreto legislativo para sustá-lo.
Se na noite de domingo Hugo Motta chegou a
classificar a reunião como “histórica”, já na manhã de segunda-feira ele havia
mudado radicalmente de tom. Primeiro, disse não haver compromisso da Câmara na
aprovação das medidas propostas; ao longo da semana, passou a cobrar do governo
que fizesse o “dever de casa” e propusesse medidas para cortar gastos; ontem,
retomou a estratégia do decreto legislativo.
A Medida Provisória (MP) que o governo acaba
de editar, também resultado da reunião de domingo passado, tampouco foi bem
recebida pelo Legislativo. As novas propostas atingiram o agronegócio, a
construção civil e o setor de infraestrutura, que têm acesso fácil a lideranças
da Câmara e do Senado.
A MP estabelece uma alíquota de Imposto de
Renda de 5% para títulos que hoje gozam de isenção, como as Letras de Crédito
Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA) e as debêntures incentivadas. Mesmo
com a mudança, esses papéis permanecerão mais atraentes que outros produtos
financeiros semelhantes. Mas, segundo os setores afetados, o custo do
financiamento imobiliário, do Plano Safra e dos investimentos em infraestrutura
vai aumentar.
Fintechs tampouco gostaram de saber que não
estarão mais sujeitas a uma alíquota de 9% no recolhimento da Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), mas a 15% ou 20%, a mesma aplicada aos
bancos tradicionais, com os quais elas concorrem. Alegam que a medida vai
comprometer a inclusão financeira e dificultar a oferta de serviços gratuitos
aos mais pobres.
As bets, por sua vez,
afirmam que o aumento de tributos sobre o faturamento, que passará de 12% para
18%, pode comprometer a competitividade de um segmento e ampliar a
clandestinidade, abrindo espaço para a atuação de plataformas não licenciadas.
Sensível a essas demandas, o Congresso
assumiu um discurso segundo o qual a sociedade não aceita mais medidas que
aumentem impostos, contrapondo-se à saga do ministro da Fazenda em defesa da
equalização das taxas, da correção das distorções e da promoção da justiça
fiscal.
Ora, é muito fácil para o Legislativo bater o
pé contra a alta de impostos sem oferecer nenhuma alternativa para mitigar o
desequilíbrio estrutural entre receitas e despesas, que dura ao menos dez anos.
Pelo contrário, o Congresso tem sido o porto seguro de lobistas dos setores que
seriam afetados caso houvesse medidas para estancar a sangria de recursos
públicos.
Por outro lado, caberia ao presidente da
República, principal liderança política do País, estimular o debate sobre
questões cruciais, como o tamanho do Estado e a qualidade do gasto público.
Sendo Lula da Silva o presidente, contudo, esse debate jamais ocorrerá – e o
ministro Fernando Haddad terá cada vez menos credibilidade, porque representa
um governo sem nenhuma vontade de cortar gastos.
Para resumir, tanto o presidente Lula quanto os líderes do Congresso parecem fingir que o problema não existe. Em nenhum momento do entrevero entre o governo e os parlamentares as partes deram a entender que sabem da gravidade da questão. O meteoro fiscal está prestes a cair no Brasil, mas nossas lideranças escolheram não olhar para cima.
O fim de uma impostura
O Estado de S. Paulo
Resultado da maior fraude da história
argentina, condenação de Cristina expõe a falência do kirchnerismo e aprofunda
a crise do peronismo, hoje sem rumo, sem ideias e sem liderança
A condenação unânime da ex-presidente
Cristina Kirchner pela Suprema Corte da Argentina é um marco histórico, e não
só por sua raridade. Trata-se da primeira vez que um ex-presidente argentino
recebe sentença definitiva por corrupção, e com ela cai uma das figuras mais
poderosas da política do país. Junto com Néstor Kirchner, seu marido falecido,
Cristina arquitetou não só a captura do aparato estatal por um projeto
personalista e populista, como orquestrou a maior fraude da história nacional:
um esquema de obras públicas superfaturadas e direcionadas ao empresário Lázaro
Báez, testa de ferro da família Kirchner, envolvendo 51 contratos, com prejuízo
ao Estado estimado em US$ 1 bilhão.
Durante décadas, o peronismo – e, nos últimos
20 anos, sua versão kirchnerista – transformou a Argentina em laboratório de
todos os vícios do populismo latino-americano: estatismo disfuncional,
intervencionismo arbitrário, proteção de castas improdutivas, culto à
personalidade, demonização da imprensa livre, aparelhamento estatal, cooptação
sindical, degradação fiscal e inflação descontrolada. Se a Argentina, que no
início do século 20 era uma das economias mais prósperas do planeta, caiu
ao status de país médio em crise crônica, isso se deve, em
grande parte, à hegemonia peronista e à sua incapacidade de reconciliar justiça
social e estabilidade econômica, redistribuição e produtividade, representação
popular e o império da lei.
Cristina personifica essa tragédia. Senadora,
primeira-dama, presidente e vice-presidente, ela soube manipular os símbolos de
Evita Perón – mulher do caudilho Domingo Perón, que simboliza ainda hoje a
preocupação peronista com os “descamisados”. Ademais, Cristina apropriou-se da
memória dos desaparecidos da ditadura militar e seduziu parcelas vulneráveis da
população com políticas assistencialistas financiadas por ciclos de bonança
exportadora. Mas, por trás da retórica de justiça social, sua gestão aprofundou
os vícios do peronismo: intervencionismo predatório, manipulação de
estatísticas oficiais, perseguição a críticos e uma relação incestuosa entre
governo e empresas “amigas”. Com o escândalo que acabou por condená-la, veio a
evidência: não foi só incompetência ou desvario ideológico, mas corrupção pura,
sistemática e institucionalizada.
A narrativa de “perseguição” desmorona sob a
robustez do processo judicial. Entre juízes, desembargadores e promotores,
estiveram envolvidos mais de 15 servidores judiciais, a maioria indicada pelos
Kirchners, referendando provas reunidas numa ação que respeitou integralmente o
devido processo legal. A condenação, além de justa, é pedagógica: ela reafirma
que ninguém está acima da lei.
O impacto político é profundo. Cristina ainda
é, mesmo em declínio, a figura mais potente da oposição peronista. Sua
condenação desorganiza um movimento já combalido, esclerosado, dividido entre
governadores pragmáticos, caudilhos locais e o núcleo duro do kirchnerismo
ideológico. Com sua inelegibilidade vitalícia, abre-se uma disputa feroz pelo
espólio de uma liderança que, ao fim, sufocou toda renovação interna. A
ausência de um sucessor claro revela a principal herança do kirchnerismo: o
vazio.
A crise é maior que Cristina. O próprio
peronismo, cinco décadas após a morte de seu fundador, é prisioneiro de seus
mitos e contradições. No passado, teve força para se reinventar – como após a
derrota de 1983. Hoje, parece incapaz de romper seu círculo vicioso de
populismo fiscal, clientelismo político e nacionalismo improdutivo.
Em tese, a derrocada de Cristina poderia
abrir caminho para uma esquerda democrática, moderna e institucionalista. Mas
as reações peronistas indicam o contrário: falam em proscrição, complô
judicial, “golpe”. Não houve um só gesto de autocrítica. Em vez de renovar-se,
o peronismo refugia-se em seus cacoetes, recusando-se a reconhecer seus erros
históricos. A chance de renovação existe – mas a lucidez para aproveitá-la, ao
que tudo indica, não.
A condenação de Kirchner é um divisor de
águas. Simboliza a vitória do Estado de Direito sobre a impunidade, um passo
firme de um país que, cansado de andar em círculos, talvez esteja pronto para
retomar o caminho da legalidade, da responsabilidade fiscal e da reconstrução
institucional. Resta saber se a política argentina – peronista ou não – estará
à altura desse desafio.
Putin no Brasil
O Estado de S. Paulo
É decisão do russo vir ou não à cúpula do
Brics. Se vier, só resta ao Brasil prendê-lo
Convidado a participar da cúpula do Brics,
que ocorre nos dias 6 e 7 de julho no Rio de Janeiro, o ditador russo Vladimir
Putin ainda não respondeu se virá ao evento.
Em conversa com jornalistas durante a viagem
recém-empreendida a Paris, o presidente Lula da Silva afirmou que Putin é
“membro nato do Brics” e que a decisão de vir ou não à cúpula cabe ao autocrata
russo, contra quem desde 2023 há uma ordem de prisão do Tribunal Penal
Internacional (TPI), relacionada à deportação forçada de crianças ucranianas
para a Rússia em meio à guerra na Ucrânia.
“Ele pode participar ou não, ele está
condenado por um tribunal internacional, ele sabe que ele corre risco, mas a
decisão é dele”, declarou Lula da Silva, cujo desejo de receber Putin no Brasil
é tamanho que, não faz muito tempo, chegou a afirmar que o russo poderia vir
tranquilamente ao nosso país.
Como o Brasil é signatário do Estatuto de
Roma, o tratado internacional que estabeleceu a criação do TPI, o petista foi
forçado a corrigir-se, mas não sem questionar a pertinência de o Brasil ser
membro do tribunal, uma vez que nem EUA nem alguns membros do Brics, como a
própria Rússia, China e Índia, o são.
Por ora, o Brasil ainda é signatário do TPI,
razão pela qual tem a obrigação legal, além da responsabilidade com os demais
países signatários, de deter Putin, caso ele ponha os pés em nosso país, e
entregá-lo ao tribunal internacional.
Ao Estadão, porém, diplomatas
brasileiros afirmaram de forma reservada que o Brasil considera que a Convenção
de Viena dá imunidade a chefes de Estado e que um país não seria obrigado a se
sujeitar às normas de um documento internacional ao qual não tenha aderido –
como é o caso da Rússia em relação ao Estatuto de Roma.
Resta óbvio o desejo da administração petista
de engendrar uma maneira de permitir que o aliado Putin venha ao País sem ser
incomodado.
Além disso, recentemente a Hungria de Viktor
Orbán, um dos líderes honorários da extrema direita mundial, convidou, recebeu
e não deteve o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, contra quem também há
ordem de prisão do TPI. E nada aconteceu. O desafio de Orbán escancarou as
limitações do órgão internacional.
Como não dispõe de força policial própria, o
TPI depende da cooperação dos países-membros para que ordens de prisão como as
de Putin e Netanyahu sejam executadas. Embora tenha aderido ao Estatuto de
Roma, a Hungria optou por fazer troça da ordem do TPI.
Uma coisa, porém, é desonrar um acordo para
receber um dos principais aliados dos EUA, a nação mais poderosa do mundo, como
fez Orbán com Netanyahu. Outra, bem mais problemática, seria ignorar o TPI para
acolher Putin, o que potencialmente envolveria o Brasil no confronto entre
Rússia e Ucrânia.
Se o Brasil de Lula não deseja cumprir a obrigação de prender Putin, é melhor que, em vez de buscar brechas diplomáticas e jurídicas, torça para que o ditador russo alegue compromissos inadiáveis e siga sem aparecer por aqui.
Os obstáculos para a doação de sangue
Correio Braziliense
A estruturação das políticas que envolvem a
doação de sangue no Brasil passou por algumas transformações, mas ainda está
longe da ideal
Não é rara a mobilização dos hemocentros para
estimular a doação de sangue, especialmente em vésperas de feriados prolongados
ou em meses considerados de baixa procura — férias e inverno, por exemplo.
Amanhã, como parte do Junho Vermelho, é o Dia Mundial do Doador de Sangue e,
mais uma vez, especialistas e autoridades estimulam o ato como forma de
aumentar os índices de adesão.
Em 2023, 1,6% da população brasileira doou
sangue, o que resultou em 3,2 milhões de bolsas. Vale lembrar que uma bolsa
pode salvar até quatro vidas. Ainda que a Organização Mundial da Saúde (OMS)
recomende que cada país tenha uma população de doadores entre 1% e 3% do total
— portanto, o Brasil está dentro da meta indicada —, aumentar essa estatística
faria um bem enorme à saúde nacional. Trata-se de um desafio para o Ministério
da Saúde, bem como para as secretarias estaduais e municipais, é bem verdade. Além
da resistência das pessoas em geral, há de se vencer a falta de
estrutura.
Quanto à questão legal, houve avanços. A
estruturação das políticas que envolvem a doação de sangue no Brasil passou por
algumas transformações. A começar pela forma de lidar com o material, já que,
até a década de 1980, o sangue utilizado como terapia transfusional era
"vendido" pelo doador. Felizmente, essa prática foi banida e deu
lugar a um esforço de reforçar atributos como solidariedade e voluntariado,
dando início a uma corrente positiva de doadores. Também fazem parte da virada
os sistemas de coleta do sangue e a criação dos hemocentros coordenadores —
hoje, somam 32 no país, além de 69 hemocentros regionais.
O Decreto nº 3.990, que regulamentou a
legislação federal no que se refere a atividades de hemoterapia e instaurou a
Política Nacional de Sangue, Componentes e Derivados, data de 2001, quando se
reafirmou a proibição de comercialização de sangue. Mas precisa ser atualizado.
Faltam, por exemplo, artigos que incluam um detalhamento maior das boas
práticas no ciclo do sangue, alertam especialistas.
É claro que o monitoramento dos hemocentros,
por parte da Vigilância Sanitária, bem como a fiscalização do processo desde a
chegada do material, o armazenamento dos insumos e reagentes e outras
infraestruturas dos serviços de hemoterapia evoluíram. Mas ainda falta muito
para o país se tornar um exemplo.
Infelizmente, existe uma névoa em torno do tema, a começar pela falta de motivação por parte dos doadores. Não há como negar: o questionário disponibilizado nos serviços de hemoterapia é bem detalhado e há uma série de quesitos que podem ou não aprovar um doador. Além disso, são poucos os hemocentros, assim como é escasso o investimento em equipamentos mais avançados, em equipes mais dinâmicas e em campanhas que façam cair por terra mitos e boatos acerca da coleta e utilização do sangue. Falta atitude, falta suporte e, também, solidariedade.
STF avança na regulamentação das redes
sociais
O Povo (CE)
O que deveria sensibilizar os parlamentares é
que uma big tech não pode impor sua insaciável sede por lucro acima do direito
inalienável do povo brasileiro de frequentar um ambiente livre de crimes
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por
maioria, pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet,
dispositivo que obriga as redes sociais a retirem conteúdos, nelas publicados,
somente quando houver uma ordem judicial autorizando a supressão. Trata-se do
julgamento de dois recursos a respeito da responsabilidade civil das
plataformas da internet por conteúdos publicados por terceiros.
Agora, seguindo a decisão do STF, os
conteúdos considerados criminosos deverão ser suprimidos, necessitando apenas
de uma notificação extrajudicial. Votaram com esse entendimento os ministros
Dias Toffoli, Luiz Fux, Roberto Barroso, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Gilmar
Mendes.
O argumento utilizado pelos ministros é que o
Marco Civil da Internet, editado há mais 10 anos, não consegue oferecer
proteção aos usuários, devido à utilização em larga escala das redes sociais.
Assim, haveria necessidade de atualizar a legislação a respeito do assunto.
Mesmo com um entendimento geral entre os
ministros que formaram maioria, existem algumas divergências entre os votos,
como a extensão dos novos procedimentos, e como serão aplicadas as novas
diretrizes. Questões que ainda serão debatidas na Suprema Corte.
O único a votar pela constitucionalidade
total do artigo 19 foi o ministro André Mendonça. Para ele, alterar a
legislação atual seria um risco para a liberdade de expressão, defendendo que o
Congresso Nacional é a instância adequada para regulamentar o ambiente digital.
Por sua vez, o Congresso reclama da
"invasão de competência" do STF, mas não consegue fazer avançar a
votação do chamado projeto das Fake News, que continua empacado na Câmara dos
Deputados. Quando se chama a atenção para esse fato, ouve-se a explicação de
que o Congresso tem o direito de votar ou não um projeto, de acordo com seu
entendimento.
Mas a regulamentação das redes sociais é uma
urgência, devido à velocidade das transformações provocadas pelas plataformas
digitais — e o estrago advindo de seu uso sem critério algum, abre espaço para
o cometimento de crimes graves, que ficam impunes.
Vive-se uma era em que as fronteiras entre o
mundo digital e o mundo físico estão borradas. Não é mais possível tolerar que
um crime, punido no mundo "real", seja praticamente livremente, sem
consequências, no ambiente digital.
Mesmo com o julgamento no STF nada impede o
Congresso de discutir e votar o projeto, que está empacado na Câmara dos
Deputados, para atualizar a legislação sobre as plataformas digitais.
O que deveria sensibilizar os parlamentares é que uma big tech, por mais poderosas que seja, não pode impor sua insaciável sede por lucro acima do direito inalienável do povo brasileiro de frequentar um ambiente livre de crimes.
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