quinta-feira, 5 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Corte em emendas é fundamental nas medidas fiscais

O Globo

Além de caras, são injustas — 15 dos 20 municípios com pior IDH não receberam um centavo desde 2024

Em democracias, o gasto público é disciplinado por um mecanismo sensato: o Legislativo elabora o Orçamento, e o Executivo controla sua execução. Tal arranjo incentiva a eficiência do gasto. Por tal parâmetro, o Brasil se tornou uma aberração. Aqui, deputados e senadores decidem o destino de 21% — ou R$ 50,4 bilhões — das despesas livres do governo. Como a lógica das emendas parlamentares é paroquial e de curto prazo, as cidades onde se concentram as bases de eleitores recebem mais. Outras ficam sem nada. No momento em que Congresso e governo discutem medidas para equilibrar as contas públicas, as hipertrofiadas emendas parlamentares precisam estar no topo da pauta.

Reportagem do GLOBO revelou a faceta perversa delas. Quinze dos 20 municípios brasileiros classificados nas piores posições do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da ONU, não recebem emendas há pelo menos um ano. Nas mãos de adversários políticos ou com colégios eleitorais diminutos, eles estão simplesmente fora do radar do Congresso.

Motivos para receber ajuda não faltam. Quem vive em Melgaço (PA) está em situação idêntica aos habitantes de Mali, país africano entre os seis piores IDHs do mundo. Situadas na Região Norte, as cidades de Atalaia do Norte (AM), Chaves (PA) e Uiramutã (RR) têm IDH equivalente ao de Burkina Faso, um dos oito lugares mais pobres da África. Nenhuma recebeu um centavo de emendas desde junho de 2024.

Há disparidades dentro de um mesmo estado. Em Inhapi (AL), apenas 40% dos 15 mil habitantes têm acesso à água encanada, e não mais de 2% à rede de esgoto. Com IDH igual ao de Madagascar, o município é classificado na categoria de desenvolvimento humano muito baixo. Ainda assim, a última verba de emenda parlamentar chegou lá em maio de 2024, na proporção de R$ 60 mil por habitante. A 40 quilômetros de distância, o município de Delmiro Gouveia (IDH médio) recebeu R$ 171 mil per capita. Entre os critérios adotados pelos parlamentares para definir o destino das verbas está o interesse dos governadores. A prefeita de Delmiro Gouveia, Ziane Costa (MDB), é filha do ex-prefeito Luiz Carlos Costa, aliado do grupo político do governador Paulo Dantas (MDB).

Embora necessário, um corte significativo nas emendas, com retorno das verbas ao Executivo, não significará a solução imediata dos problemas. Em toda democracia, o paroquialismo parlamentar exerce alguma influência na destinação de recursos. Mas é inegável que a concentração de decisões no Executivo aumenta a chance de haver políticas públicas de alcance mais amplo, baseadas em critérios técnicos. As emendas parlamentares ainda apresentam outros problemas, como a falta de transparência e o longo histórico de corrupção e irregularidades.

O impasse provocado pelo aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é uma oportunidade para o governo promover um ajuste estrutural nas contas públicas. Os recursos são limitados, a opção pelo endividamento é insustentável, e a experiência com as emendas no Brasil demonstra por que nada de parecido existe em nenhum outro país. O dinheiro do contribuinte deve ser alocado com base em critérios justos, atendendo sobretudo à necessidade dos moradores das cidades brasileiras com desenvolvimento humano comparável ao dos lugares mais pobres do planeta.

Condenação de comediante à prisão atenta contra liberdade de expressão

O Globo

Por mais que as piadas de Léo Lins sejam deploráveis e ofensivas, elas não põem ninguém em risco

É absurda a condenação do comediante Léo Lins a oito anos e três meses de prisão por piadas num show de humor. A sentença, da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, determina multa de R$ 1,8 milhão e indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos. Afirma que a apresentação de Lins estimula a violência verbal e fomenta a intolerância. Não se trata disso. É absolutamente justificável repudiar as piadas dele, de péssimo gosto. Mas elas não põem ninguém em risco. São piadas — não crimes.

No vídeo “Perturbador”, Lins tenta fazer humor mirando em negros, obesos, idosos, soropositivos, homossexuais, indígenas, nordestinos, evangélicos, judeus e deficientes. Não há dúvida de que seu humor fere as regras de civilidade, é anacrônico, descolado da sociedade. Mas condenar Lins por uma forma de humor canhestra — e repugnante — equivale a censura. É incompatível com a liberdade de expressão garantida pela Constituição.

Não é a primeira vez que o trabalho de humoristas é cerceado pela Justiça. Em 2021, o apresentador Danilo Gentili foi condenado a pagar indenização de R$ 41,8 mil ao Sindicato dos Enfermeiros, além de pedir desculpas, depois de fazer piada sobre a categoria. O youtuber Julio Cocielo foi investigado por postagens consideradas racistas entre 2010 e 2018, mas acabou absolvido. Em 2021, tentou-se censurar a 48ª edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba porque charges criticavam a política de saúde do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia.

Amordaçar o humor é prática de regimes autoritários. Não combina com a democracia. Durante a ditadura militar, parte da equipe do jornal O Pasquim, que driblava a censura com irreverência, criatividade e talento, foi presa pelos órgãos de repressão. Felizmente, os tempos são outros. Há quatro décadas o Brasil vive o mais longevo período democrático de sua História.

Apesar disso, nos últimos tempos têm se tornado comuns episódios de censura e cancelamentos. Livros de histórias infantis lidos por gerações passaram a ser demonizados, sob alegação de conter trechos racistas. Obras consagradas da literatura nacional foram recolhidas de escolas sob pretexto de ser inadequadas a menores. O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, chegou a mandar destruir um livro de Direito com trechos considerados por ele homofóbicos e discriminatórios.

A condenação de Lins é grave por criminalizar a piada. É verdade que suas anedotas são preconceituosas e abjetas. Mas a liberdade de expressão só está plenamente protegida quando se garante o direito ao discurso mais abjeto, desde que não ofereça risco. Sentenças como a proferida contra Lins incentivam artistas à autocensura, por receio de acabar na prisão ou pagar multas. Nada pode ser pior para a criatividade. Por fim, ninguém é obrigado a consumir o humor de mau gosto produzido por Lins. Vê e ouve quem quer. As instâncias superiores da Justiça têm o dever de reformar a sentença para preservar um regime em que os brasileiros possam se expressar livremente.

Tarifas atingem siderúrgicas do Brasil em momento delicado

Valor Econômico

As tarifas de 50% paralisarão os principais fornecedores, como o Brasil, e só não inviabilizarão completamente as vendas porque todos os exportadores que disputam o mercado americano estarão sob o peso da mesma taxação

O presidente Donald Trump cismou que as tarifas de 25% sobre as importações de aço e alumínio não eram suficientes para defender a indústria americana e resolveu de repente dobrá-las para 50%. Os EUA compraram de seus três maiores fornecedores, Canadá, Brasil e México, pela ordem, pelo menos 15,5 milhões de toneladas, de um total de 26,2 milhões de toneladas importadas, o equivalente a quase um terço de sua produção doméstica. Com o aço como insumo básico na produção industrial, é provável que as usinas siderúrgicas americanas não tenham capacidade para aumentar sua oferta neste volume em um par de meses, e talvez nem em período bem mais longo. Sem ser autossuficiente, os EUA verão os preços subirem com a formação de um oligopólio protegido na marra da concorrência externa.

Há anos a indústria americana é pouco competitiva, e só por intervenção do presidente Joe Biden uma de suas mais tradicionais empresas, a US Steel, não foi comprada pela Nippon Steel. Outra intervenção, dessa vez de Trump, em maio, permitiu uma parceria que manteve sob controle nacional a siderúrgica, com grande dose de injeção de capital dos japoneses. Foi diante dos trabalhadores da US Steel que o presidente americano anunciou, em 30 de maio, que aumentaria para 50% as tarifas de aço e alumínio. Em seu primeiro governo, como agora, Trump se baseou em legislação que lhe deu poderes para isso - garantir o fornecimento de aço em mãos americanas era uma questão de “segurança nacional”.

Em 50%, as tarifas paralisarão os principais fornecedores, como o Brasil, e só não inviabilizarão completamente as vendas porque todos os exportadores que disputam o mercado americano estarão sob o peso da mesma taxação. A exceção é o Reino Unido, que pagará “apenas” 25% porque fez um acordo com os EUA, o único feito até agora, apesar do suposto frenesi de negociações do governo Trump.

A barreira protecionista é um golpe muito profundo em especial no Canadá. Além de maior fornecedor, ele vende 90% de sua produção de 6,55 milhões de toneladas para empresas americanas. Também tem um tratado de livre comércio com os EUA que completaria 30 anos em 2024 (Nafta), e que foi renegociado, por exigência dos EUA, no primeiro mandato de Trump. O acordo permitiu ao Canadá expandir sua produção muito acima de seu consumo para atender ao maior mercado do mundo em condições muito competitivas. De uma hora para outra, esse mercado sumiu.

O Brasil já tinha sido alvejado por Trump em seu mandato anterior, mas as tarifas não eram tão altas, e depois se estabeleceu um sistema de cotas de exportação para o aço e o alumínio brasileiros. O governo Lula negociou a mesma solução agora, mas não teve sucesso, mesmo sendo um dos poucos países com os quais os EUA têm superávit comercial.

Mesmo com 25% de taxação, em abril, um mês após o início de sua vigência, as exportações de produtos semiacabados de ferro e aço brasileiros caíram 30,7% em relação ao mesmo mês do ano passado. Estatísticas da AçoBrasil, entidade que representa a indústria do aço, mostram que no primeiro quadrimestre em relação ao primeiro de 2024 as exportações de semiacabados caíram 14,2%, as de aços longos, 10,4% e as de aços especiais, 19,1%. A queda é basicamente obra da barreira dos EUA, para onde foram destinadas 73,7% das vendas externas de aço. Os países da América Latina, com 19,3% do total, são o segundo maior destino, e nela o Mercosul tem fatia de 7,9%.

O Brasil é muito competitivo em aço no mercado americano, embora perca na disputa global para as vendas a baixo custo do maior produtor mundial, a China. Mas o fechamento das fronteiras americanas põe as usinas brasileiras em delicada posição. Geograficamente, há enorme concentração de suas vendas nos EUA, e não é rápida nem simples a diversificação de mercados, em especial com as usinas chinesas despejando seu crescente excesso de produção nos mercados mundiais e derrubando preços.

O acesso ao cliente principal está se fechando em um momento em que as importações estão aumentando: subiram 21% em volume e 7,1% em valor no primeiro quadrimestre. Mais da metade das compras externas de aço são provenientes da China, em um movimento que, com o cerco comercial americano a Pequim, tende a acelerar as vendas chinesas não só para o Brasil, mas para todos os países. Além disso, a utilização da capacidade de produção interna das empresas brasileiras em abril era de 61,9%, abaixo da média de 66% dos últimos 5 anos e muito abaixo dos 83% da média de 2011-2009. As perspectivas para a produção local são de um enfraquecimento do mercado doméstico, com a desaceleração da economia.

A barreira ao aço poderá ser atenuada, dependendo de qual fator prevalecer: a pressão dos preços internos nos EUA e das empresas consumidoras, que deverá ser intensa, ou eventuais condições especiais a serem oferecidas por um dos maiores fornecedores, não muito provável, mas possível. No início, Trump dá a impressão de que poderá ditar quem terá acesso privilegiado ao mercado americano e a que preço. Esse poder se revelará passageiro e ilusório.

Trump reaviva o receio de que o pior não tenha passado

Folha de S. Paulo

Após suspensão de tarifas recíprocas e trégua com a China, republicano dobra impostos sobre o aço, o que afeta o Brasil

guerra comercial de Donald Trump passa por um momento de batalhas de menor intensidade. O presidente americano, entretanto, aos poucos reaviva o receio de que o pior não tenha passado.

Os principais sinais de recuo do republicano começaram já em abril, quando a Casa Branca suspendeu, por 90 dias, as chamadas tarifas recíprocas —aumentos de impostos de importação que prejudicavam ou impediam o comércio dos Estados Unidos com seus maiores parceiros. Em maio, foi negociada em Genebra uma trégua com a China.

Pressões de executivos de empresas e bancos, além de perdas nos mercados financeiros e surtos de descrédito da dívida americana, contribuíram para o abrandamento das hostilidades.

Isso pode ter amainado os temores de investidores e suscitado a esperança de que o dano que Trump deve causar ao comércio, à inflação, à eficiência e ao crédito dos EUA seria limitado ou, ao menos, incapaz de gerar recessão. Os fatos mostram que é cedo para otimismo, porém.

Na investida mais recente, o mandatário dobrou na terça-feira (3) as tarifas de importação sobre o aço, de 25% para 50%. A alta ainda maior do tributo vai elevar custos para empresas americanas, além, claro, de prejudicar exportadores como o Brasil.

Faz pouco, Trump ameaçou impor tarifa geral de 50% sobre produtos da União Europeia e empresas que comprem chips da chinesa Huawei, o que não chegou a se concretizar.

Acusou os chineses de descumprirem o acordo de Genebra —Pequim também estaria limitando a venda de minerais críticos, necessários para a manufatura de sistemas eletrônicos de veículos e aviões, por exemplo. Já o gigante asiático nega, reclama de proibições à compra de chips avançados e denuncia perseguição a estudantes nos EUA.

Ainda pouco se sabe dos efeitos da guerra sobre a atividade econômica. Também na terça, a OCDE estimou que a economia global crescerá apenas 2,9% neste ano, ante 3,3% em 2024; nos EUA, a queda calculada é bem mais aguda, de 2,8% para 1,6%.

Lá, houve grande recuo da confiança dos consumidores, piora de expectativas inflacionárias e incerteza por parte de empresas, mas o impacto em preços, emprego e investimento levará tempo para aparecer.

Em 8 de julho, termina o prazo de suspensão das tarifas recíprocas, agora também sujeitas a cancelamento judicial. Fora diretrizes de um acordo com o Reino Unido, Trump não tem vitórias a proclamar —em três meses, afinal, não é possível negociar acordos comerciais de fato.

Resta saber se o presidente americano vai se contentar com a propaganda de concessões menores ou se acirrará o conflito. Com a China, ao menos, esse caminho parece quase inevitável. De mais certo, haverá no mundo maior risco, menor crescimento e muito menos cooperação nas relações internacionais.

Populismo avilta o Judiciário no México

Folha de S. Paulo

Eleições para juízes foram instituídas por governo de esquerda para superar resistências; medida enfraquece o Poder

No presente momento, vêm principalmente de governos de direita ofensivas contra as instituições democráticas. Isso não significa, porém, que a esquerda não possa recorrer à mesma estratégia se tiver a oportunidade. No México, teve —e recorreu.

No domingo (1º), mexicanos foram as urnas para uma eleição inédita. Escolheram juízes para mais de 2.600 cargos, desde cortes distritais aos nove membros da Suprema Corte. Os resultados totais só serão conhecidos no próximo dia 15, mas já é certo que o saldo será ruinoso.

A troca de um sistema de nomeações para um de eleição direta é obra de Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, que até o ano passado ocupava a Presidência. Ele não pode ser qualificado como um extremista, mas é um populista de esquerda com tendências autoritárias.

Em 2018, durante seu mandato, acumulou conflitos com o Judiciário, que invalidou inúmeras medidas de sua gestão. A saída que encontrou foi livrar-se de magistrados no atacado. Os votos para a malfadada reforma foram conseguidos em 2024, quando AMLO, gozando de grande popularidade, também elegeu uma sucessora, Claudia Sheinbaum.

Não que o Judiciário mexicano merecesse ficar intocado. Ali sobram casos de corrupção, nepotismo e supersalários. Entretanto as mudanças a título de submeter juízes ao veredito popular criam outros problemas ainda maiores.

De pior, esvazia-se o Poder que deveria impor limites à ação de governantes e legisladores. No México, os filtros para ter o nome na urna são mais políticos do que técnicos, o que faz temer que a Justiça se torne uma extensão do governismo, em vez de um freio a eventuais abusos.

Os magistrados passam a ser escolhidos num processo sujeito aos mesmos vieses e distorções que acometem a eleição de políticos. Pesquisas feitas nos Estados Unidos, onde há tanto profissionais eleitos como nomeados, mostram que os primeiros tendem a ser menos técnicos e mais punitivistas —e essa tendência se intensifica às vésperas de eleições.

Como os candidatos mexicanos não tiveram acesso a financiamento público nem privado, em teoria bancando as campanhas com dinheiro do próprio bolso, pode-se imaginar que proliferaram patrocínios clandestinos —o famigerado caixa dois. Especialistas apontam o risco de o narcotráfico emplacar alguns nomes de sua preferência.

O país tinha motivos para querer reformar seu Judiciário, mas escolheu o insalubre caminho do casuísmo populista para fazê-lo.

A mártir de quermesse

O Estado de S. Paulo

Condenada pela Justiça por violar a lei, a sra. Zambelli honra a tradição bolsonarista ao fugir do País, atacar os tribunais e posar de vítima de um regime de exceção que não existe

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) sempre foi uma indigente política. Nunca propôs nem tampouco relatou projeto de lei relevante à luz do melhor interesse público. Jamais exerceu liderança de fato sobre seus correligionários, muito ao contrário: por vezes foi alvo de chacota até de supostos aliados. Sua atuação pública limitou-se à geração de ruído nas redes sociais, não raro disseminando teorias conspiratórias e ataques infundados contra as instituições republicanas – além, é claro, de vocalizar um culto quase místico à personalidade do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Mas, por incrível que pareça, justamente ao sair da política pela porta dos fundos a sra. Zambelli prestou para alguma coisa. Sua patética fuga do País, a fim de evitar o cumprimento de uma pena de dez anos de prisão a que foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), confirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro e os sabujos que delinquiram em nome de seu projeto político liberticida estão ficando sem muitas alternativas além da vitimização.

Segundo consta, Zambelli está homiziada nos Estados Unidos, onde também está seu ex-colega de Câmara e ainda correligionário Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Embora não tenha sido condenado por crime algum, o filho “zero três” do ex-presidente Jair Bolsonaro licenciou-se do mandato e partiu para um confortável autoexílio naquele país para desde lá continuar lançando seus impropérios contra as instituições republicanas, notadamente contra o STF e o ministro Alexandre de Moraes.

Em que pesem as diferenças de status jurídico que há entre ambos, tanto Eduardo Bolsonaro como Carla Zambelli – curiosamente dois dos mais votados deputados federais por São Paulo, o que diz muito sobre os interesses e a cultura política de boa parte da sociedade paulista – vestem o figurino de mártires de coisa nenhuma, que dirá da liberdade de expressão. No caso de Zambelli, o papel lhe cai ainda mais amarfanhado porque a deputada foi condenada após um julgamento no qual lhe foi assegurado amplo direito de defesa.

Convém lembrar a gravidade do crime que a indigitada cometeu: mancomunada com um hacker, Zambelli invadiu o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o objetivo de forjar um mandado de prisão contra Moraes. Não há uma linha na Constituição que autorize um comportamento delinquente como esse, sob quaisquer pretextos.

Ao fugir com o claro propósito de impedir a aplicação da lei penal – razão pela qual sua prisão preventiva em boa hora foi decretada pelo ministro Alexandre de Moraes –, a deputada pode até se apresentar como paladina do Estado Democrático de Direito e “vítima” de “perseguição”, mas, na verdade, Zambelli se valeu de uma garantia desse mesmo Estado Democrático de Direito – a liberdade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória – para fazer troça da Justiça brasileira.

A vitimização política tornou-se um instrumento central da retórica populista que grassa mundo afora e, em particular, também aqui, entre os adeptos do bolsonarismo. É imperioso ressaltar que esse tipo de ardil não se presta a uma reação legítima contra abusos reais cometidos por agentes do Estado – e estes ocorrem –, mas, antes, a uma estratégia deliberada para escapar da responsabilização judicial por atos manifestamente ilícitos.

Logo, ao se apresentarem como “perseguidos” por um sistema supostamente aparelhado por “inimigos políticos”, figuras como a sra. Carla Zambelli buscam deslegitimar as decisões das instituições que não se submetem à lógica autoritária do movimento que cultuam. Condenações fundamentadas em provas são apresentadas aos incautos como atos de censura ou perseguição política. É muito conveniente para os encalacrados com a Justiça.

Na realidade adulterada por essa gente, criminosos viram heróis da liberdade de expressão. Esse discurso não apenas mina a confiança nas instituições republicanas, como infecciona parte considerável do eleitorado, que, seduzido por essas histórias de conspiração, passa a aceitar o inadmissível: que mandatários cometam crimes e se protejam sob o manto do voto popular. Trata-se de um perigoso jogo de manipulação que ameaça os fundamentos da democracia representativa.

O passadismo decrépito do PT

O Estado de S. Paulo

Candidatos à presidência do partido de Lula da Silva debatem o socialismo, defendem as ditaduras de Cuba e Venezuela contra o imperialismo e pedem que o governo dobre ainda mais à esquerda

É mesmo singular o mundo em que vivem os capas-pretas do petismo. Enquanto o governo do presidente Lula da Silva enfrenta sucessivas, permanentes e gravíssimas crises de natureza política, econômica e existencial, os candidatos à presidência do PT se reuniram na segunda-feira passada e produziram um festival de despautérios no primeiro debate público entre eles, surpreendente até para quem já espera o pior de qualquer convescote do partido.

Entre muitos delírios, três dos quatro postulantes – Rui Falcão, Valter Pomar e Romênio Pereira – defenderam estultices como a radicalização do governo lulopetista “à esquerda”, pregaram a necessidade de o partido sair em defesa de ditaduras companheiras como Cuba, Venezuela e “todos os povos que lutam contra a opressão e a exploração” para enfrentar o “imperialismo” e o “capitalismo”, esbravejaram contra a política econômica conduzida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e, previsivelmente, atacaram os juros altos e o Banco Central, hoje presidido por um indicado de Lula.

A Edinho Silva, o quarto candidato e tido como favorito da disputa, restou o papel de alvo dos demais, defensor do indefensável (Lula 3) e anteparo contra os jargões esquerdistas dos adversários. Mas, provocado por um deles, precisou dedicar parte considerável do tempo disponível a, ora vejam, debater os rumos do socialismo. “Sem socialismo a gente não derrota o imperialismo. Sem socialismo a gente não derrota a ditadura do capital financeiro”, resumiu o historiador Valter Pomar, um autodeclarado “revolucionário”, recorrendo ao passadismo decrépito do esquerdismo tradicional para cobrar do ex-prefeito de Araraquara o tratamento devido ao tema. Historicamente o PT nunca se resolveu bem nem com o capitalismo nem com o socialismo. Crítico do primeiro, pregou para o segundo o que definiu como um mal explicado “socialismo democrático”.

O atual governo de Lula, a bem da verdade, já tem os piores cacoetes da esquerda, a saber: o discurso estatizante, o culto à personalidade (o PT sempre foi e continuará a ser infinitas vezes menor do que o ego de Lula), o populismo, a aversão ao mercado e ao setor privado, o afrouxamento fiscal e a incapacidade de superar seus limites ideológicos para se apresentar como governante de todos os brasileiros, e não apenas da patota. Mesmo assim, isso não basta para os candidatos à presidência petista.

O PT também nutre simpatia especial pelo que há de mais hostil à democracia e aos direitos humanos: Cuba, Venezuela, China, Rússia, os terroristas do Hamas e os aiatolás misóginos e homofóbicos do Irã. Também faz bravatas contra qualquer preocupação mínima com a austeridade fiscal e ignora que juros altos são o preço a pagar pelo populismo lulopetista, consubstanciado na ideia segundo a qual “gasto é vida”, frase símbolo da ex-presidente Dilma Rousseff que quase conduziu os brasileiros à ruína e segue inspirando a tibieza fiscal deste quinto mandato presidencial do PT.

Num dos raros momentos de consenso – e de lucidez –, os quatro candidatos petistas reconheceram que o PT e a esquerda perderam o pulso das ruas, distanciaram-se da juventude e se mostram hoje incapazes de interpretar o pensamento e os anseios da classe trabalhadora. Só não conseguiram reconhecer duas obviedades: sua dificuldade de escapar da obtusa simplificação do conflito brasileiro em uma anacrônica “luta de classes”; e a visão, igualmente simplificadora, da “classe trabalhadora” – como se sabe, o PT ainda enxerga trabalhadores com as lentes de um trabalho e uma base sindical que não existem mais.

Este jornal já sublinhou que não está em jogo apenas a escolha de um nome para presidir o partido – se fosse só isso, a eleição petista não teria a menor importância. Mas a definição do futuro presidente do PT dirá muito sobre a bússola que orientará o futuro imediato do partido do presidente Lula. O fato é que os rumos do partido decerto afetarão os rumos do governo. A julgar pelo debate sem bússola, contudo, esses rumos poderão ser ainda mais gravosos do que já são.

Promessa descumprida

O Estado de S. Paulo

Renúncia fiscal com benefícios do ICMS em SP, que Tarcísio prometera rever, deve subir 19%

Há pouco mais de um ano, este jornal elogiou o plano apresentado pelo governador Tarcísio de Freitas com vista à modernização da administração pública, expansão dos investimentos, melhoria do gasto público e redução das despesas correntes. Batizado de “São Paulo na Direção Certa”, o programa tinha a óbvia intenção de contrapor a administração do Estado à do governo Lula da Silva, que, menos de um ano após a aprovação de um novo arcabouço fiscal, já havia modificado as metas fiscais de 2025 e 2026 para gastar mais. Subentende-se que o País, segundo Tarcísio, estava no caminho errado, e que São Paulo, em contrapartida, poderia servir de “exemplo para o Brasil”. Palavras do governador.

A principal e mais audaciosa meta do plano dizia respeito à revisão dos benefícios fiscais. Ao final de 2024, o governo estadual anunciou que um terço dos subsídios que haviam vencido naquele ano não seria renovado. Segundo a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, muitos deles existiam havia décadas, resultado de “sobreposições e anacronismos”. Entre os subsídios que foram cortados estavam os que conferiam tratamento diferenciado para cavalos puro-sangue, mudas de seringueira, ostras e vieiras, entre outros. Foram mantidos, no entanto, os concedidos a alimentos, bares e restaurantes.

Parecia promissor, mas falar é sempre mais fácil do que fazer. Ao contrário do que o governador prometeu, os incentivos fiscais concedidos pelo Estado vão aumentar 19% em 2026 na comparação com este ano. Em pleno ano eleitoral, o Estado deixará de arrecadar nada menos do que R$ 78,7 bilhões em desonerações do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Poderia ser pior, destacou a Secretaria da Fazenda. Se todos os benefícios tivessem sido prorrogados, a renúncia fiscal projetada para o ano que vem seria de R$ 88,26 bilhões.

Cada real que o governo estadual abre mão de receber resulta em menos dinheiro para os cofres paulistas. Segundo a LDO, as receitas totais previstas para o ano que vem devem cair 0,5%, ou R$ 1,6 bilhão, enquanto as receitas primárias, que englobam impostos e taxas, devem aumentar 0,7%, ou R$ 2,3 bilhões. São números relevantes, mas muito inferiores à projeção de renúncia fiscal do ano que vem.

Para o governador, paradoxalmente, a culpa pelo fato de seu plano não ter saído como o planejado é, ora vejam, de Lula da Silva. Segundo informou o Estadão, ele responsabiliza a política fiscal do governo, que obriga o Banco Central a manter a taxa básica de juros em patamar elevado, desestimula a atividade econômica paulista e freia o crescimento das receitas.

Bem se sabe que não é trivial rever benefícios fiscais, haja vista os vaivéns do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nessa seara e a baixíssima receptividade que essas propostas têm no Congresso. Mas Tarcísio, diferentemente de Lula, conta com amplo apoio na Assembleia Legislativa. São situações politicamente incomparáveis. Se os benefícios fiscais em São Paulo continuaram a subir a despeito disso, a responsabilidade é, em última instância, do governador do Estado.

Vigilância permanente contra a gripe aviária

Correio Braziliense

O momento não é de pânico em relação aos casos de gripe aviária no Brasil, reforçam especialistas. Mas o monitoramento interno não pode esmorecer

Praga aviária e peste aviária eram denominações usadas para se referir à gripe que dizimava aves na Itália em 1878. À época, já se sentia o efeito destruidor de um vírus que seria isolado por cientistas mais de 100 anos depois, bem longe do país europeu. Gansos em Guangdong, no sul da China, morriam com H5N1, micro-organismo decifrado por cientistas em 1996. No ano seguinte, descobriu-se uma pessoa infectada em Hong Kong. Desde então, a possibilidade de disseminação desse tipo de influenza entre humanos esteve sob o radar de especialistas. Recentemente, a preocupação extrapolou os laboratórios.

O novo patamar se deve, sobretudo, à recorrência de epidemias de gripe aviária, à detecção do vírus em diferentes países e ao potencial letal em humanos, ainda que a quantidade de infectados seja pequena. Só nos Estados Unidos, cerca de 170 milhões de aves morreram devido à gripe aviária nos últimos três anos. No mesmo período, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) recebeu a notificação de mais de 4.700 surtos da doença na América Latina e no Caribe. O primeiro caso no Brasil foi registrado em maio de 2023, em aves silvestres no Espírito Santo. Neste ano, há 169 casos do tipo confirmados, além de infecções em granjas comerciais. Brasília acaba de entrar na rota de alerta, com a detecção da presença do vírus em uma espécie de pato no Zoológico. 

O momento não é de pânico, reforçam especialistas. O governo federal avalia que a gripe aviária está controlada, tendo como principal referência o fato de não haver mortes de animais de granjas comerciais há 15 dias, e começa a trabalhar para suspender as restrições às exportações. Mas  o monitoramento interno não pode esmorecer. "A principal abordagem preventiva é a vigilância. Sem vigilância não dá para saber se há a circulação do vírus", afirmou ao Correio Bergmann Ribeiro, virologista e professor da Universidade de Brasília (UnB).

O alerta permanente justifica-se porque é cada vez mais real a possibilidade de o H5N1 passar a ser patogênico em seres humanos — a infecção pelo vírus já é comum em mais de 500 espécies de aves e 50 de mamíferos. E os desdobramentos dessa nova seara de infecção tendem a ser perigosos. Para se ter uma ideia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula o registro de 950 casos de gripe aviária em humanos nos últimos 20 anos. Dos infectados, 460 morreram. Trata-se de uma taxa de letalidade de quase 50% — muito maior do que a do vírus da covid-19 nos momentos mais críticos da pandemia. 

Há de se reconhecer que os governos, federal e locais, têm reagido bem ao atual cenário de gripe aviária no país. Uma possível dispersão do surto, porém, demandaria maiores estratégias. A agricultura, que tem uma estrutura concentrada nas secretarias estaduais, precisaria ampliar os planos de contingência, por exemplo. A criação de centros de coordenação para compartilhamento de informação e organização de ações prioritárias teria que ser imediata. 

Há uma estrutura de recursos humanos, formada  principalmente durante a pandemia, com capacidade técnica para responder rapidamente a uma nova ameaça sanitária, segundo Bergmann. É pouco. "Precisa investir dinheiro. Se investir, tem gente capaz de fazer vacina, fazer diagnóstico, de trabalhar com vírus da gripe". Não partir do zero diante de uma ameaça invisível é, sem dúvidas, primordial para salvar vidas e conter outros prejuízos. Mas a covid mostrou que a agilidade com que os vírus se multiplicam pode rapidamente comprometer toda uma estrutura de suporte pensada por humanos. Melhor não esperar a virulência mais uma vez nos surpreender.

Desafio à Justiça

O Povo (CE)

Todos os esforços têm de ser feitos para que a deputada Carla Zambelli responda, nos termos da lei, pelos crimes cometidos

Depois que a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) anunciou ter deixado o país, a Procuradoria-Geral da Justiça (PGR) pediu a prisão preventiva dela. A parlamentar foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 10 anos de prisão e à perda do mandato. Zambelli responde por crimes de falsidade ideológica e por um ataque hacker aos computadores do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para inserir documentos falsos no sistema.

Atendendo ao pedido da PGR, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou ontem a prisão preventiva da deputada, mandou bloquear os seus bens e incluí-la na lista de difusão vermelha da Organização Internacional de Polícia (Interpol). Agora ela é oficialmente fugitiva da Justiça brasileira, podendo ser presa pela polícia de qualquer país integrante da instituição.

O sistema de Justiça brasileiro e as autoridades policiais, têm de lançar mão de todos os instrumentos disponíveis nas legislações nacional e internacional para trazer a deputada de volta ao País, de modo que ela responda por seus crimes.

Zambelli, assim como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), também se tornou um desafio para a Justiça e para o Congresso. Ambos dizem claramente que a função deles no exterior é trabalhar pela desmoralização das instituições brasileiras, defendendo a intervenção estrangeira em assuntos internos. No caso de Zambelli, para escapar da condenação; quanto ao deputado, o objetivo é interferir indevidamente no processo que o pai, Jair Bolsonaro, responde no STF por tentativa de golpe de Estado.

As práticas de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos afrontam o decoro parlamentar e a soberania nacional. Para piorar, a manifestação mais visível no parlamento, parte do deputado bolsonarista Evair de Melo (PP-ES), que requereu à Presidência da Câmara dos Deputados autorização para que o deputado Eduardo Bolsonaro exerça o seu mandato dos Estados Unidos, sem a obrigação de frequentar o plenário no Brasil.

O pedido tem pouca chance de prosperar, no entanto, é um exemplo da regressão qualitativa a que chegou o Congresso Nacional.

Por fim, a deputada Carla Zambelli, em um desafio à Justiça brasileira, classificou-se como "intocável" na Itália, onde tem cidadania. De fato, boa parte dos analistas jurídicos veem como dificultador para um possível pedido de extradição. Porém, em sua coluna no Uol, o jurista Wálter Maierovitch avalia que, segundo as leis italianas, a dupla cidadania não será impeditivo para a extradição.

O fato é que todos os esforços têm de ser feitos para que a deputada responda, nos termos da lei, pelos crimes que ela cometeu — e pelos quais foi condenada.

 

 

 

 

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