O Povo (CE)
Devemos nos perguntar: a liberdade de
expressão pode ser de tal modo irrestrita que nos obrigue a assistir à prática
de crimes de lesa-pátria ao vivo, inertes? Lembro que a responsabilidade de
afastar o risco não é só do STF
Na semana em que o Supremo Tribunal Federal
determinou medidas cautelares contra Jair Bolsonaro por possível
prática de coação no curso do processo e obstrução de justiça, algumas
perguntas se impuseram para muitos: afinal, o STF e Alexandre de Moraes estão
indo longe demais?
Acredito que a avaliação da decisão do tribunal depende da compreensão de como esse processo envolve o controle judicial das disfunções da política, um controle que se dá, também, através da responsabilização de ocupantes de cargos políticos que descumpram a lei. A função das medidas cautelares é mitigar um risco, o de que o processo se torne inefetivo, e esses riscos, no caso, transcendem o processo e atingem todo o país.
Não podemos ignorar que os ilícitos penais
praticados (e os riscos que têm surgido durante o processo) buscaram impedir o
regular funcionamento da democracia brasileira, e que as ameaças às
instituições não cessaram após a denúncia. O que o STF busca afastar
é a instrumentalização de mandatos e prerrogativas para esgotar a efetividade
de um processo judicial.
É evidente que há, em curso, uma articulação
protagonizada por Eduardo
Bolsonaro no sentido de buscar, custe o que custar, a liberação de seu
pai por meio de uma anistia irrestrita. A primeira consequência dessa
empreitada já foi sofrida pelo país, graças a uma tarifa que inviabilizou as
exportações para os EUA (o estado do Ceará foi, inclusive, o mais prejudicado
em sua economia, pois mais de 50% de suas exportações são destinadas a
compradores norte-americanos). Nesta sexta-feira, uma nova chantagem grave foi
publicada pelo deputado, ameaçando sanções contra os presidentes da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal.
Isso prova todo o risco que os envolvidos
apresentam e prova também a inequívoca coação praticada (inclusive na forma de
revogação de vistos dos ministros da Suprema Corte, algo impensável em termos
diplomáticos). Por tudo, é indispensável que o tribunal atue no sentido
de acautelar o seu trabalho, afastando essas ameaças.
Nesse sentido, não se pode esquecer qual é a
principal arma de ataque do grupo: um celular com internet. É por
meio de publicações em redes sociais que esses atores buscam alcançar êxito na
empreitada de convencer a opinião pública a defender uma violação à
independência da justiça brasileira.
Devemos nos perguntar: a liberdade de expressão pode ser de tal modo irrestrita que
nos obrigue a assistir à prática de crimes de lesa-pátria ao vivo,
inertes? Lembro que a responsabilidade de afastar o risco não é só do STF.
Sempre é tempo de nos perguntarmos o que fará a Câmara dos Deputados para
controlar um parlamentar obstinado em tornar o país e sua Justiça reféns de seu
interesse.
Doutora em direito e professora da UFCE
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