Correio Braziliense
Embora as relações entre os dois países
tenham sido pacíficas por 201 anos, um fio de tensão permeia o seu tecido agora
Brasil e Estados Unidos são dois países gigantes do Hemisfério Ocidental em território, população, recursos naturais e parque industrial. Jamais guerrearam entre si, seus governos têm relativamente poucas disputas e, muitas vezes, ajustaram suas relações desde que José Silvestre Rebello apresentou suas credenciais ao presidente James Monroe, em maio de 1824, como primeiro representante do Império independente. Embora as relações entre os dois países tenham sido pacíficas por 201 anos, um fio de tensão permeia agora o seu tecido. As tarifas impostas por Donald Trump tumultuam uma relação que, em outros tempos, chegou a ser pacífica e profícua.
A eclosão da Segunda Guerra Mundial obrigou o
Brasil a acordar de sua eterna sonolência. O Brasil não tinha universidades
antes de 1930. O país possuía, em 1940, 41.114.000 habitantes. Os Estados
Unidos, 132.164.569. Naquele ano, 47% dos brancos brasileiros eram analfabetos,
entre os negros o analfabetismo alcançava 79%. Entre os pardos 71%. Em
contraste, nos Estados Unidos apenas 4% da população branca era analfabeta e
20% dos negros. O Brasil era a terra do café e nos Estados Unidos já
predominava a produção industrial movida por vastas ferrovias que ligavam o
país de costa a costa. No Brasil, a estrada Rio-São Paulo era de cascalho até
1940. E no Brasil de 1940 estava no poder a ditadura de Getúlio Vargas. Nos
Estados Unidos, o poder era exercido pelo presidente Franklin Roosevelt,
eleito.
A guerra explodiu na Europa quando as tropas
de Hitler invadiram a Polônia em 1° de setembro de 1939. Em seguida, invadiram
vários países do continente e chegaram a poucos quilômetros de Moscou. Havia
também a guerra no norte da África. A França foi dominada pelos nazistas em
maio de 1940. Isso significava que suas colônias passaram a ser geridas por
Berlim. Entre elas, estava o Senegal, que fica na parte africana mais próxima a
Natal, no Brasil. Essa série de acontecimentos obrigou o Brasil a despertar de seu
berço esplêndido.
Os serviços de informação norte-americanos
perceberam o risco de o Senegal ser dominado pelos nazistas e servir de apoio
para eventual invasão do chamado saliente nordestino, o Nordeste brasileiro. De
posse dessa área, os nazistas poderiam controlar o canal do Panamá, impedir a
ligação dos Estados Unidos com a Europa e controlar o Atlântico Sul. Não havia
avião capaz de atravessar o Atlântico Norte. A única alternativa para abastecer
os exércitos na Inglaterra, na União Soviética e no norte da África era o caminho
por intermédio de Natal, Rio Grande do Norte. O trampolim da vitória, a
travessia Natal-Senegal, permitiu que as mercadorias enviadas para a guerra
chegassem às frentes de combate.
Não foi uma operação fácil. O governo dos
Estados Unidos não tinha opinião favorável sobre as Forças Armadas do Brasil,
mal armadas, mal treinadas e ainda sob forte influência francesa do início do
século passado. Para os brasileiros, aceitar defensores norte-americanos em
território brasileiro era uma evidente ameaça à soberania nacional. Além disso,
alguns generais de prestígio no Brasil não escondiam sua admiração pelo
profissionalismo das tropas alemãs. Por último, os militares brasileiros sempre
se prepararam para uma guerra de fronteira com a Argentina. A fronteira sul
sempre foi a mais protegida e fortificada. A espionagem nazista ativa dentro do
Brasil informava o roteiro, o horário e os dias em que os navios mercantes
entravam e saíam dos principais portos brasileiros com destinos aos Estados
Unidos.
A história é longa, mas o espaço é curto.
Submarinos alemães começaram a torpedear navios brasileiros no curso para os
Estados Unidos. No segundo momento, começaram a afundar navios brasileiros nas
águas territoriais brasileiras. Nesse momento, a população civil se levantou,
exigiu respostas e o governo se mexeu. Assinou ato permitindo que a empresa Pan
American, por intermédio de sua subsidiária Panair do Brasil, construísse os
aeroportos do Norte e do Nordeste. A Base Aérea de Parnamirim, Natal, foi a maior
operação do Exército dos Estados Unidos, antes da invasão da Europa. Brasil e
Estados Unidos mantiveram um tratado de cooperação militar até o governo
Geisel. O acordo foi rompido quando o presidente Jimmy Carter trabalhou para
impedir que o Brasil tivesse seu projeto de energia nuclear. Formalmente, o
projeto foi arquivado. Mas a Marinha do Brasil continuou seus estudos e
conseguiu enriquecer urânio. Agora se prepara para colocar no mar o primeiro
submarino nuclear produzido no Brasil, sob profunda desconfiança dos militares
norte-americanos.
Para saber mais sobre o assunto, sugiro a
leitura do magnífico Irmãos de Armas, a aliança entre Brasil e Estados Unidos
durante a Segunda Guerra e suas consequências, de Frank D. McCann, Companhia
das Letras, 341 páginas.
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