domingo, 13 de julho de 2025

Ambição imperial - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Mais do que uma agressão comercial, a decisão de Trump foi uma tentativa de interferência nas instituições brasileiras

Pode-se duvidar e tomar como piada, mas de fato existe na Câmara dos Deputados uma Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional – sim, Defesa Nacional. Muito bem remunerados pelos cidadãos brasileiros, 23 integrantes dessa comissão aprovaram, nesta semana, moção de “louvor e regozijo” dirigida ao presidente americano Donald Trump. Mais tarde, no mesmo dia, o homenageado assinaria, na Casa Branca, a imposição de uma tarifa de 50% a produtos originários do Brasil.

Mais do que uma agressão comercial, a decisão de Trump foi uma tentativa de interferência nas instituições brasileiras – um ato em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, seu mais notório servidor na política do Brasil. A recente visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à ex-presidente Cristina Kirchner, acusada de corrupção e condenada a prisão domiciliar, foi logo lembrada. Mas ele se limitou, nessa visita, a segurar um pequeno cartaz com a inscrição “Cristina libre”, sem formular ou insinuar ameaças políticas ou econômicas.

Ainda assim, atos desse tipo, cometidos pelo governante de um país com algum peso global ou regional, dificilmente são redutíveis a manifestações pessoais. Lula sabe ou deveria saber disso. Seu ato, no entanto, embora discutível e talvez criticável, é infinitamente menos grave do que o indisfarçável abuso perpetrado pelo presidente dos Estados Unidos.

Com ameaças comerciais ao Brasil, à Coreia do Sul e ao Japão, o presidente Donald Trump, mais uma vez, atropela a ordem global e tenta substituir o sistema de cooperação e regras pelo regime da força. O enfraquecimento de instituições internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), vem ocorrendo há anos. Esse processo resulta, em grande parte, de falhas do governo americano. Omissões, mesmo de indivíduos ou governos bem-intencionados, podem ser tão danosas quanto atos intencionais. Mas a ação trumpista tem revelado um claro desprezo às práticas de coexistência.

As políticas de Trump têm sido facilitadas por erros e omissões de antecessores às vezes bem-intencionados. Mas é difícil atribuir ao atual presidente americano algo mais construtivo que suas notórias pretensões imperiais. Ele se proclamou avesso a guerras, mas nem por isso deixou de seguir, no plano internacional, as práticas compatíveis com sua ambição de poder. Internamente, essa ambição tem resultado em ataques a universidades, em perseguições a imigrantes e em violações de normas cultuadas quase religiosamente, como as liberdades de opinião e de manifestação. Alguns juízes têm às vezes conseguido frear os abusos presidenciais, mas sem alterar de forma duradoura os padrões trumpistas.

Esses padrões evidenciaram-se, mais uma vez, nas pressões tarifárias contra o Brasil e na interferência, até agora fracassada, em defesa de Jair Bolsonaro. A ação do presidente americano foi inicialmente admitida por alguns políticos brasileiros. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, culpou Lula pelo tarifaço anunciado por Trump e se apresentou usando boné vermelho com o lema trumpista “Make America Great Again” (“Faça a América Grande de Novo”). Recuou, no entanto, quando lhe apontaram as prováveis perdas causadas à economia paulista pela ação do presidente americano.

Outros políticos mostraram-se mais comprometidos com o Brasil. Em Brasília, os presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta e Davi Alcolumbre, respectivamente, juntaram-se ao Executivo na reação a Donald Trump. Diante da agressão política vinda de Washington, vários parlamentares encostaram as bandeiras partidárias e se opuseram à iniciativa americana.

O clã bolsonarista aplaudiu, é claro, a tentativa de interferência na política brasileira e o ataque a instituições do País, como o Supremo Tribunal Federal (STF). Na biografia de Jair Bolsonaro e de seus filhos, esse episódio foi, no entanto, apenas mais uma agressão aos Poderes da organização democrática nacional. A novidade parcial foi o envolvimento – mais do que indisfarçável, explícito – do presidente Donald Trump, digno herdeiro dos apoiadores de golpes na América Latina dos anos 1960 e 1970.

Assim como as ações de Bolsonaro e sua turma, a política externa do presidente Donald Trump representa um atraso, um retorno de mais de meio século a momentos sombrios da América Latina e ao cenário dos golpes apoiados por Washington. As disposições políticas do clã bolsonarista são bem conhecidas. Mesmo candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro nunca se mostrou comprometido, de fato, com as práticas e instituições democráticas.

Também são típicas desse passado as pretensões imperiais de políticos como Donald Trump, um presidente claramente empenhado em controlar os países vizinhos e as maiores economias da América Latina. Argentina e Brasil são objetos evidentes dessa ambição, mas o governo argentino parece pouco disposto a se articular com o brasileiro contra esse risco. Mesmo no Brasil, políticos mais conservadores se mostram pouco preocupados com as ambições trumpistas. Esse é mais um problema para Lula e a diplomacia brasileira.

 

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