O Estado de S. Paulo
É preciso estar preparado para o cenário em
que a relação Brasil-EUA piore de forma inédita
Falta menos de uma semana para que entre em vigor a tarifa de 50 %impost a pel o g over no Trump sobre produtos brasileiros. Mesmo que um acordo seja negociado nos próximos dias, instalou-se um elemento de incerteza excessiva na relação bilateral, que obriga o Brasil a acelerar o processo de diversificação de parceiros para reduzir sua exposição aos EUA – não apenas no âmbito comercial e financeiro, mas também no tecnológico e militar.
Buscar preservar os laços com os EUA e
diversificar parceiros são estratégias que devem ocorrer em paralelo – mas é
preciso estar preparado para o cenário em que a relação entre o Brasil e os EUA
piore de forma inédita, envolvendo aumento de tarifas, sanções contra
integrantes do governo brasileiro e rompimento completo do ponto de vista
diplomático, dificultando a cooperação em praticamente todas as áreas. Diante
dessa possibilidade, é fundamental desenvolver um plano de diversificação
estratégica.
OPÇÕES. No âmbito comercial, a sobretaxa de
50 %representa, na prática, um bloqueio quase total ao mercado americano para
os produtos brasileiros, especialmente os de maior valor agregado. Em 2024, os
EUA foram destino de cerca de 12 % das exportações brasileiras. Commodities
como petróleo, cimento, suco de laranja e café podem ser redirecionadas a
outros mercados.
Já bens de maior valor agregado – como
aeronaves da Embraer e máquinas – são vendidos por contratos específicos e com
certificações adaptadas ao mercado americano. Esses não são facilmente
redirecionáveis. Empresas desses setores precisarão investir urgentemente em
prospecção ativa em mercados como Europa, Oriente Médio, África e Ásia e em
internacionalização da produção. Isso requer apoio governamental direto, com
linhas de crédito emergenciais, incentivos fiscais e promoção externa via
ApexBrasil.
Para compensar um possível isolamento imposto
por Washington, o Brasil e o Mercosul teriam que acelerar iniciativas de
comércio, priorizando a ratificação do acordo comercial com a União Europeia. O
fortalecimento de parcerias com a Ásia também é crucial. A Índia pode ampliar
importações se o acordo atual for aprofundado. A integração com América Latina
e África, com acordos de preferência tarifária em países como México, Canadá ou
parceiros árabes, pode abrir canais alternativos de exportação.
VULNERABILIDADES. A dependência brasileira de
infraestrutura digital americana expõe vulnerabilidades claras. A Starlink
tornou-se a principal fornecedora de internet satelital no país, com mais de
250 mil usuários no Brasil e uso em comunicações militares. Se serviços como a
Starlink forem suspensos ou sancionados, haverá riscos de apagões em áreas
remotas e falhas em comunicação crítica. O Brasil teria que fomentar
alternativas de conectividade com outros parceiros internacionais e expandir o
uso do satélite nacional SGDC.
Também é preciso considerar a redução do uso
de provedores de nuvem e softwares sensíveis norte-americanos, migrando dados
governamentais e sistemas críticos para soluções nacionais ou de fornecedores
menores. Como lembra Ronaldo Lemos, “60% da carga digital brasileira está
hospedada em datacenters no estado da Virgínia nos EUA. Isso inclui sites,
aplicativos, comércio eletrônico, operações bancárias, Pix e até serviços
públicos como o SUS”. Investir em P&D doméstico é fundamental, fortalecendo
startups de cibersegurança, software e chips.
As Forças Armadas brasileiras também
enfrentam fragilidades significativas. Sistemas de comando, controle,
comunicações e inteligência utilizam softwares, criptografia e licenças dos
EUA. Uma eventual suspensão de suporte poderia desativar redes críticas de
defesa. A aviação de combate depende de sensores e mísseis com tecnologia
americana. Sistemas terrestres contêm componentes sob licença estrangeira. A
inteligência e o treinamento militar dependem de cooperação com os EUA. Para
mitigar esses riscos, o Brasil deve adquirir radares e tecnologias de comando e
controle de fornecedores como França, Alemanha ou Índia; garantir estoques
estratégicos de peças; e ampliar programas de treinamento com parceiros não
ligados aos EUA.
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