segunda-feira, 28 de julho de 2025

Ameaça de Trump obriga a diversificar - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

É preciso estar preparado para o cenário em que a relação Brasil-EUA piore de forma inédita

Falta menos de uma semana para que entre em vigor a tarifa de 50 %impost a pel o g over no Trump sobre produtos brasileiros. Mesmo que um acordo seja negociado nos próximos dias, instalou-se um elemento de incerteza excessiva na relação bilateral, que obriga o Brasil a acelerar o processo de diversificação de parceiros para reduzir sua exposição aos EUA – não apenas no âmbito comercial e financeiro, mas também no tecnológico e militar.

Buscar preservar os laços com os EUA e diversificar parceiros são estratégias que devem ocorrer em paralelo – mas é preciso estar preparado para o cenário em que a relação entre o Brasil e os EUA piore de forma inédita, envolvendo aumento de tarifas, sanções contra integrantes do governo brasileiro e rompimento completo do ponto de vista diplomático, dificultando a cooperação em praticamente todas as áreas. Diante dessa possibilidade, é fundamental desenvolver um plano de diversificação estratégica.

OPÇÕES. No âmbito comercial, a sobretaxa de 50 %representa, na prática, um bloqueio quase total ao mercado americano para os produtos brasileiros, especialmente os de maior valor agregado. Em 2024, os EUA foram destino de cerca de 12 % das exportações brasileiras. Commodities como petróleo, cimento, suco de laranja e café podem ser redirecionadas a outros mercados.

Já bens de maior valor agregado – como aeronaves da Embraer e máquinas – são vendidos por contratos específicos e com certificações adaptadas ao mercado americano. Esses não são facilmente redirecionáveis. Empresas desses setores precisarão investir urgentemente em prospecção ativa em mercados como Europa, Oriente Médio, África e Ásia e em internacionalização da produção. Isso requer apoio governamental direto, com linhas de crédito emergenciais, incentivos fiscais e promoção externa via ApexBrasil.

Para compensar um possível isolamento imposto por Washington, o Brasil e o Mercosul teriam que acelerar iniciativas de comércio, priorizando a ratificação do acordo comercial com a União Europeia. O fortalecimento de parcerias com a Ásia também é crucial. A Índia pode ampliar importações se o acordo atual for aprofundado. A integração com América Latina e África, com acordos de preferência tarifária em países como México, Canadá ou parceiros árabes, pode abrir canais alternativos de exportação.

VULNERABILIDADES. A dependência brasileira de infraestrutura digital americana expõe vulnerabilidades claras. A Starlink tornou-se a principal fornecedora de internet satelital no país, com mais de 250 mil usuários no Brasil e uso em comunicações militares. Se serviços como a Starlink forem suspensos ou sancionados, haverá riscos de apagões em áreas remotas e falhas em comunicação crítica. O Brasil teria que fomentar alternativas de conectividade com outros parceiros internacionais e expandir o uso do satélite nacional SGDC.

Também é preciso considerar a redução do uso de provedores de nuvem e softwares sensíveis norte-americanos, migrando dados governamentais e sistemas críticos para soluções nacionais ou de fornecedores menores. Como lembra Ronaldo Lemos, “60% da carga digital brasileira está hospedada em datacenters no estado da Virgínia nos EUA. Isso inclui sites, aplicativos, comércio eletrônico, operações bancárias, Pix e até serviços públicos como o SUS”. Investir em P&D doméstico é fundamental, fortalecendo startups de cibersegurança, software e chips.

As Forças Armadas brasileiras também enfrentam fragilidades significativas. Sistemas de comando, controle, comunicações e inteligência utilizam softwares, criptografia e licenças dos EUA. Uma eventual suspensão de suporte poderia desativar redes críticas de defesa. A aviação de combate depende de sensores e mísseis com tecnologia americana. Sistemas terrestres contêm componentes sob licença estrangeira. A inteligência e o treinamento militar dependem de cooperação com os EUA. Para mitigar esses riscos, o Brasil deve adquirir radares e tecnologias de comando e controle de fornecedores como França, Alemanha ou Índia; garantir estoques estratégicos de peças; e ampliar programas de treinamento com parceiros não ligados aos EUA.

 

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