Valor Econômico
Acordo assimétrico com os EUA aumenta a
pressão para a UE e afetará ganhos do Mercosul
O acordo preliminar Estados Unidos-União
Europeia (UE), anunciado por Donald Trump e Úrsula von der Leyen, ontem, cria
um novo contexto geopolítico e econômico que pode influenciar a implementação e
os efeitos do acordo UE-Mercosul, concordam certos analistas.
A ausência de detalhes até agora sobre o acordo entre Washington e Bruxelas e a necessidade de aprovação pelos 27 Estados membros do bloco europeu alimentam incertezas sobre a barganha. Ainda mais que os termos parecem especialmente favoráveis aos interesses americanos, com concessões significativas dos europeus em investimentos e compras de energia, sem reciprocidade clara em isenção para setores europeus sensíveis.
Guerra comercial não é bom para ninguém. Mas
o acordo com os EUA parece mais uma ‘rendição’ da Europa, ao aceitar tarifa de
15% para produtos europeus na entrada nos EUA (Trump ameaçava impor 30% sem
acordo), enquanto não taxará boa parte das mercadorias americanas no mercado
europeu, por exemplo.
Olivier Blanchard, ex-economista chefe do
Fundo Monetário Internacional (FMI), resumiu o que muitos criticam na Europa:
''Um ''acordo'' completamente desigual. Quando a lei da selva prevalece, o
fraco não tem outra escolha que aceitar seu destino. Mas a Europa poderia ter
sido forte, sozinha ou em coalizão com outros. Teria que estar preparada para
águas turbulentas. Mas teria conseguido um acordo melhor no final e enviado uma
mensagem forte ao mundo'''.
Trump comemorou o fato de que não será
cobrada tarifa sobre produtos americanos enviados para a Europa. “Temos a
abertura de todos os países europeus, que eu diria que estavam essencialmente
fechados”, disse ele. Já a presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der
Leyen, disse apenas que os EUA e a UE concordaram com tarifa zero para vários
produtos ditos estratégicos, incluindo certos produtos agrícolas, aeronaves e
componentes, alguns químicos, certos genéricos, equipamentos de semicondutores,
alguns recursos naturais e commodities essenciais.
O que tudo isso significa para o acordo
UE-Mercosul finalizado politicamente em dezembro do ano passado em Montevideu?
Uma primeira avaliação é de que o acordo de
Trump com a União Europeia cria um ambiente de maior pressão econômica e
política para a UE, e isso pode complicar a ratificação do acordo UE-Mercosul.
A tarifa de 15% sobre importações da UE para
os EUA e as promessas bilionárias de Bruxelas de investimentos e compra de
energia americana podem desviar recursos e atenção política de Bruxelas,
potencialmente atrasando mais a ratificação do acordo negociado com o Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai.
A ausência de tarifas sobre exportações
americanas para a UE, no acordo anunciado ontem, contrasta com concessões
limitadas da UE para o Mercosul. Os europeus mantiveram barreiras ao Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai, incluindo quotas para carne bovina e outros
produtos. E agora o Mercosul terá que enfrentar também produtos americanos sem
alíquota no mercado europeu.
O acordo EUA-UE significa de fato riscos de
perda de competitividade do Mercosul em setores como etanol e carnes. A
promessa europeia a Trump de comprar US$ 750 bilhões em energia americana,
sobretudo gás natural liquefeito (GNL), pode reduzir o potencial de demanda
europeia por biocombustíveis do Mercosul. A quota de etanol no acordo
UE-Mercosul, de 450 mil toneladas com tarifa reduzida, perde assim
competitividade se a UE priorizar efetivamente o GNL americano, limitando
ganhos esperados pelo Brasil em exportações agrícolas para a Europa.
Alem disso, não será surpresa se agricultores
da França, Irlanda e Polônia, temendo mais concorrência de produtos agrícolas
dos EUA, mas sem poder fazer muita coisa afim de evitar a guerra comercial,
ampliem a resistência à entrada do que chamam de produtos mais baratos do
Mercosul como carne bovina e açúcar, e atrasar ainda mais a implementação do
acordo birregional.
Com compromissos energéticos com os EUA já
vistos como menos sustentáveis (compra de gás, petróleo e combustível nuclear),
o entendimento com Washington pode intensificar pressões sobre Bruxelas para
cumprir metas de sustentabilidade, dificultando justificar o acordo com o
Mercosul diante da opinião pública e do Parlamento Europeu.
Vale lembrar que a Comissão Europeia tinha
prometido enviar até o fim de junho o acordo com o Mercosul para o Conselho
Europeu, formado pelos líderes europeus, para deliberação. E não o fez até
agora.
Com a promessa de investimentos de US$ 600
bilhões nos EUA, o acordo Trump-UE pode também limitar recursos financeiros da
Europa para investimentos no Mercosul, incluindo montantes para apoiar
transição verde ou infraestrutura no bloco do cone sul.
Empresas europeias tendem a priorizar o
mercado dos EUA para compensar perdas, incluindo a indústria automotiva alemã,
e diminuir o foco em outros mercados.
O acordo entre Washington e Bruxelas reforça
a relação transatlântica no meio da onda de protecionismo global, a começar
pela política trumpista de ‘America First’. E a constatação é de que isso pode
levar a UE a priorizar de fato os interesses dos EUA em detrimento de outros
parceiros, incluindo o Mercosul, vistos como menos estratégicos em termos de
segurança e influência geopolítica, apesar do discurso de autonomia estratégica
da UE.
O Mercosul poderá ficar mais dependente da
China, seu principal parceiro comercial, acha um importante analista.
O cenário é complicado para o Brasil. A
dificuldade do país na cena comercial global não é só com os EUA sob Trump. A
China também desloca exportações brasileiras em mercados importantes. E um
acordo com a UE, que é visto para reduzir sua vulnerabilidade, corre o risco de
trazer ganhos ainda menores.
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