segunda-feira, 28 de julho de 2025

Como o acordo Trump-UE pode impactar Mercosul-EU - Assis Moreira

Valor Econômico

Acordo assimétrico com os EUA aumenta a pressão para a UE e afetará ganhos do Mercosul

O acordo preliminar Estados Unidos-União Europeia (UE), anunciado por Donald Trump e Úrsula von der Leyen, ontem, cria um novo contexto geopolítico e econômico que pode influenciar a implementação e os efeitos do acordo UE-Mercosul, concordam certos analistas.

A ausência de detalhes até agora sobre o acordo entre Washington e Bruxelas e a necessidade de aprovação pelos 27 Estados membros do bloco europeu alimentam incertezas sobre a barganha. Ainda mais que os termos parecem especialmente favoráveis aos interesses americanos, com concessões significativas dos europeus em investimentos e compras de energia, sem reciprocidade clara em isenção para setores europeus sensíveis.

Guerra comercial não é bom para ninguém. Mas o acordo com os EUA parece mais uma ‘rendição’ da Europa, ao aceitar tarifa de 15% para produtos europeus na entrada nos EUA (Trump ameaçava impor 30% sem acordo), enquanto não taxará boa parte das mercadorias americanas no mercado europeu, por exemplo.

Olivier Blanchard, ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), resumiu o que muitos criticam na Europa: ''Um ''acordo'' completamente desigual. Quando a lei da selva prevalece, o fraco não tem outra escolha que aceitar seu destino. Mas a Europa poderia ter sido forte, sozinha ou em coalizão com outros. Teria que estar preparada para águas turbulentas. Mas teria conseguido um acordo melhor no final e enviado uma mensagem forte ao mundo'''.

Trump comemorou o fato de que não será cobrada tarifa sobre produtos americanos enviados para a Europa. “Temos a abertura de todos os países europeus, que eu diria que estavam essencialmente fechados”, disse ele. Já a presidente da Comissão Europeia, Úrsula von der Leyen, disse apenas que os EUA e a UE concordaram com tarifa zero para vários produtos ditos estratégicos, incluindo certos produtos agrícolas, aeronaves e componentes, alguns químicos, certos genéricos, equipamentos de semicondutores, alguns recursos naturais e commodities essenciais.

O que tudo isso significa para o acordo UE-Mercosul finalizado politicamente em dezembro do ano passado em Montevideu?

Uma primeira avaliação é de que o acordo de Trump com a União Europeia cria um ambiente de maior pressão econômica e política para a UE, e isso pode complicar a ratificação do acordo UE-Mercosul.

A tarifa de 15% sobre importações da UE para os EUA e as promessas bilionárias de Bruxelas de investimentos e compra de energia americana podem desviar recursos e atenção política de Bruxelas, potencialmente atrasando mais a ratificação do acordo negociado com o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

A ausência de tarifas sobre exportações americanas para a UE, no acordo anunciado ontem, contrasta com concessões limitadas da UE para o Mercosul. Os europeus mantiveram barreiras ao Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, incluindo quotas para carne bovina e outros produtos. E agora o Mercosul terá que enfrentar também produtos americanos sem alíquota no mercado europeu.

O acordo EUA-UE significa de fato riscos de perda de competitividade do Mercosul em setores como etanol e carnes. A promessa europeia a Trump de comprar US$ 750 bilhões em energia americana, sobretudo gás natural liquefeito (GNL), pode reduzir o potencial de demanda europeia por biocombustíveis do Mercosul. A quota de etanol no acordo UE-Mercosul, de 450 mil toneladas com tarifa reduzida, perde assim competitividade se a UE priorizar efetivamente o GNL americano, limitando ganhos esperados pelo Brasil em exportações agrícolas para a Europa.

Alem disso, não será surpresa se agricultores da França, Irlanda e Polônia, temendo mais concorrência de produtos agrícolas dos EUA, mas sem poder fazer muita coisa afim de evitar a guerra comercial, ampliem a resistência à entrada do que chamam de produtos mais baratos do Mercosul como carne bovina e açúcar, e atrasar ainda mais a implementação do acordo birregional.

Com compromissos energéticos com os EUA já vistos como menos sustentáveis (compra de gás, petróleo e combustível nuclear), o entendimento com Washington pode intensificar pressões sobre Bruxelas para cumprir metas de sustentabilidade, dificultando justificar o acordo com o Mercosul diante da opinião pública e do Parlamento Europeu.

Vale lembrar que a Comissão Europeia tinha prometido enviar até o fim de junho o acordo com o Mercosul para o Conselho Europeu, formado pelos líderes europeus, para deliberação. E não o fez até agora.

Com a promessa de investimentos de US$ 600 bilhões nos EUA, o acordo Trump-UE pode também limitar recursos financeiros da Europa para investimentos no Mercosul, incluindo montantes para apoiar transição verde ou infraestrutura no bloco do cone sul.

Empresas europeias tendem a priorizar o mercado dos EUA para compensar perdas, incluindo a indústria automotiva alemã, e diminuir o foco em outros mercados.

O acordo entre Washington e Bruxelas reforça a relação transatlântica no meio da onda de protecionismo global, a começar pela política trumpista de ‘America First’. E a constatação é de que isso pode levar a UE a priorizar de fato os interesses dos EUA em detrimento de outros parceiros, incluindo o Mercosul, vistos como menos estratégicos em termos de segurança e influência geopolítica, apesar do discurso de autonomia estratégica da UE.

O Mercosul poderá ficar mais dependente da China, seu principal parceiro comercial, acha um importante analista.

O cenário é complicado para o Brasil. A dificuldade do país na cena comercial global não é só com os EUA sob Trump. A China também desloca exportações brasileiras em mercados importantes. E um acordo com a UE, que é visto para reduzir sua vulnerabilidade, corre o risco de trazer ganhos ainda menores.

 

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