quinta-feira, 24 de julho de 2025

Às vésperas do embargo, Alckmin baixa o volume - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Vice-presidente dá entrada em vigor das tarifas como inevitável e vê concessões pontuais dos EUA num embate que ainda pode escalar

Dependendo do interlocutor, o vice-presidente não faz rodeios. É de embargo que se trata. É assim que Geraldo Alckmin se refere ao tarifaço. Contando apenas as audiências oficiais, foram 16 encontros com representantes de vários setores. Somados aos dos fins de semana, todos em Brasília, o número dobra. Ninguém sai de lá indiferente ao clima de constrita preocupação que prevalece naquele gabinete. Pudera. Cada um que lá entra apresenta uma fatura maior de demissões e prejuízos.

A uma semana do prazo estipulado, o principal negociador brasileiro trabalha com a perspectiva de que o tarifaço anunciado entrará em vigor. No limite, Donald Trump pode flexibilizar para um ou outro setor, que faça valer seu poder de barganha, mas a tarifa básica de 50% será, sim, aplicada.

O vice-presidente engole calado a acusação de que o governo brasileiro não tem nenhuma interlocução no entorno de Trump. O comitê de ministros montado para o enfrentamento desta crise que, além de Alckmin, inclui Fernando Haddad (Fazenda), Mauro Vieira (Itamaraty) e Rui Costa (Casa Civil), tem falado com o secretário do Tesouro, Steve Bessent, mas não o exibe porque o desgaste é certo. Dos contatos com Bessent não surge a perspectiva de uma saída negociada. Até porque todas as decisões sobre o tema se concentram na Casa Branca.

O clima não é apenas de preocupação, mas de certeza de que a situação pode escalar ainda mais. Por isso, a ordem, naquele gabinete, das 8h às 21h, é a de que toda e qualquer provocação deve ser evitada.

Não se espere daí que o vice-presidente passe a mão no telefone e ligue para o ministro Alexandre de Moraes, que estreou na administração pública, como secretário de Justiça, na primeira gestão Alckmin no Bandeirantes.

Esta postura tem poupado o vice-presidente de desgaste junto ao empresariado, mas o mesmo não pode ser dito em relação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem Alckmin fala quase todos os dias desde o anúncio do tarifaço.

Ao longo de duas semanas, o azedume com a irresponsabilidade do bolsonarismo como agente provocador migrou para a cobrança ao governo por resultados. Nem mesmo o pedido, feito a Alckmin e por ele rejeitado, para que fosse negociado mais prazo junto aos EUA, lhe custa críticas.

A cobrança é debitada na conta de Lula a quem se atribui não apenas a recusa à negociação por mais prazo como também a politização do tema para 2026. O clima de união nacional contra a agressão trumpista durou pouco. Se é que existiu.

Muito se tem falado sobre o presente que o tarifaço ofereceu a Lula. Pode ser verdade, mas a via é de mão dupla. Trump agrada seu eleitorado com sua fama de mau com um governo “comunista” que lhe permite até fazer um aceno às “big techs”. A alternativa seria o Brasil nas mãos de um entreguista, mas o fato é que os críticos já puseram Tim Maia na vitrola. Para ficar num único, o Brics, Lula “deu motivo”.

E vai dobrar a aposta. O Itamaraty anunciou que o Brasil está para aderir à ação encabeçada pela África do Sul que acusa Israel por genocídio na Corte Internacional de Justiça, ao lado da Espanha, Turquia e Colômbia.

Entre os críticos há aqueles que se filiam à linha “construtiva”. Um empresário que mantém interlocução amistosa com o governo viu exagero na maneira como o governo, o PT - e Alexandre de Moraes - correram para colocar o guizo no pescoço do gato. Cita frase atribuída a Napoleão Bonaparte para defender a postura de jogar parado no caso: “Jamais interrompa seu adversário quando ele estiver cometendo um erro”.

O governo não tem passado recibo das cobranças que lhe são feitas, mesmo aquelas que vêem de empresas com operação nos EUA há décadas que se tornaram doadoras milionárias de campanhas - de Trump, inclusive.

Essas empresas se mostram incapazes de abrir canais com o governo republicano num país em que esta relação é institucionalizada e doadores são abertamente recompensados até com embaixadas.

A embaixada brasileira em Washington tem atuado junto a parlamentares de distritos eleitorais que serão afetados pelo tarifaço por abrigar empresas que dependem de insumos a serem sobretaxados.

A comitiva de senadores que desembarca nesta quinta em Washington pretendia fazer o mesmo, mas escolheu o momento errado. Como o recesso parlamentar foi antecipado para esfriar a repercussão da lista de clientes do pedófilo Jeffrey Epstein, da qual constaria Trump, pairam muitas dúvidas sobre as chances de sucesso da empreitada.

A aproximação do prazo para a entrada em vigor das novas tarifas opera, sobre países e empresas, pressões que se assemelham. Não adianta tentar negociar em bloco. O poder de barganha difere de setor para setor e não é possível pendurar aqueles mais prejudicados, como o de pescados, nas negociações mais avantajadas daqueles mais favorecidos, como o da carne.

A mesma coisa acontece com os países. A lista daqueles que já fez acordo ainda cresce: Indonésia, Filipinas, Vietnã, China, Reino Unido e, por último, o Japão. A expectativa é de que até o fim da semana, a União Europeia assine. Jogar o Brasil para o fim dessa lista tem o recado claro de isolá-lo.

A tática é uma só. Asfixia e solta aos poucos até atingir patamar aceitável pelos EUA. No Brasil, a política tarifária divide espaço com o processo judicial, por obra e graça de Trump, o que torna tudo mais difícil.

À medida que o prazo do tarifaço se aproxima também crescem pressões, até da Corte, para que a prisão de Bolsonaro se dê depois da condenação. Como a independência do Judiciário é cláusula pétrea, deve ser coincidência.

 

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