terça-feira, 1 de julho de 2025

Avenida sem povo escancarou estratégias - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Fracasso de público barateia o pedágio que Tarcísio terá que pagar ao ex-presidente, mas Bolsonaro aposta na eleição do Congresso para ser o fiador de quem vencer em 2026

O ato mais esvaziado do bolsonarismo desde que o ex-presidente deixou o poder foi também aquele que mais explicitou a estratégia de seu campo político. A caminho da condenação, Jair Bolsonaro evitou melindrar o STF. Preferiu se voltar contra o PT e o lulismo.

Parece convencido de sua inelegibilidade, mas não pediu voto nem mesmo para o governador de São Paulo, ao seu lado. Só quer que o eleitor lhe dê metade do Congresso e destine a outra metade para o Centrão.

O público de 12,4 mil pessoas sugere um bolsonarismo de fogo morto, mas enquanto for bancado pela maior legenda da Câmara, sua estratégia importa - até porque não mais se limita a sua autodefesa. A ausência da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, sugere que o ex-presidente não põe suas fichas no único nome viável da família.

Além da rejeição majoritária, registrada nas pesquisas, o foco na eleição proporcional é resultado também de uma opção pelo bolsonarismo de resultados. Foi a carona a parlamentares do PL como Nikolas Ferreira (MG), Cleitinho (MG), Sóstenes Cavalcante (RJ), e Paulo Bilynski (SP) que, em grande parte, garantiu a sobrevida ao fundamentalismo bolsonarista - na religião, na segurança e nos costumes da República.

O resultado mais almejado pelo bolsonarismo é o de ser o fiador do próximo presidente, seja ele quem for. Se o ex-presidente não pediu votos para Tarcísio de Freitas, tampouco o governador paulista sinalizou qualquer resposta à condição estabelecida pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para o apoio do pai em 2026: o endosso a indulto ou a anistia.

Ao pedir que a outra metade do Congresso seja entregue ao Centrão, Bolsonaro escancara a estratégia de fazer do presidencialismo um eterno refém do parlamentarismo branco vigente no país. A equação teve início no segundo mandato de Dilma Rousseff, com o primeiro golpe da impositividade das emendas, e se expandiu nos governos seguintes.

Com Bolsonaro, deixou de ser decorrência de uma Presidência emparedada e tornou-se símbolo da sociedade entre um Executivo que abdica da universalização de direitos em nome e um Congresso que os privatiza.

A clareza da estratégia não garante sua eficácia. O fracasso de público no domingo pode não ser um impedimento para as candidaturas bolsonaristas à Câmara, mas sugere dificuldades majoritárias, o que é uma boa notícia para o governador de São Paulo. Quanto maiores forem essas dificuldades, mais baixo é o pedágio que Tarcísio terá que pagar. Quanto mais barato o pedágio, mas facilidade terá para abocanhar o eleitorado de centro que definirá 2026.

Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva jogou com a carta democrática para arrebanhar a frente ampla em 2022, desta vez a aposta parece ser a do embate pela apropriação do orçamento nacional entre ricos e pobres. O governo vai focar na resistência do Congresso - e do bolsonarismo - ao aumento do IOF e do imposto sobre as bets, à taxação dos dividendos, à redução do gasto tributário e à limitação dos supersalários para emparedar a oposição.

Todo populismo vitima a verdade. As isenções não beneficiam apenas ricos, mas também a cesta básica, aposentados, poupança e segmentos remediados que deduzem gastos com escola e saúde privada no Imposto de Renda, mas a disputa eleitoral foi antecipada e é isso que acontece em campanhas.

A estratégia governista conta com a reedição da dobradinha com o STF. Em 2022 a aliança se deu no embate contra o golpismo, agora a aposta é na sua ampliação, a começar pelo IOF.

As audiências na Corte mostraram que as emendas, além do binômio da transparência e rastreabilidade, afrontam a responsabilidade fiscal, a eficácia das políticas públicas e a renovação parlamentar. Até um governador bolsonarista como Mauro Mendes (MT) atestou a ofensa à separação dos Poderes.

Assim como Mendes, muitos dos governadores em fim de mandato tentarão o Senado com chances de eleição e não dão sinais de afronta ao Supremo, como pretende Bolsonaro. Se a cruzada do ministro Flávio Dino contra as emendas hoje é bombardeada em gabinetes palacianos também acabará por servir à ambiguidade da estratégia governista.

Na terceira frente desta dobradinha, o julgamento que enquadra as “big techs”, o Congresso até pode ser levado a reagir votando uma regulamentação da qual se eximiu até hoje, mas o STF manterá o poder de veto. A matéria oferecerá ao governo Lula outra vereda populista, a da soberania, além de permitir a triagem (parcial) da mentira.

O fogo morto do bolsonarismo e o abraço governista na polarização ricos x pobres, levará Tarcísio a buscar um discurso avesso ao confronto. Terá dificuldades, porém, de se diferenciar do bolsonarismo no asfalto. Abriga a militarização das escolas, uma segurança pública com flagrante desapego à transparência e um programa social que, num passe de mágica, promete emancipar os mais pobres pela “inclusão produtiva” sem arranhar o Orçamento.

A equação contra populismos de toda ordem esbarra no Congresso. São Paulo hoje investe 9% do seu orçamento enquanto o da União está espremido em 1,5%. Enquanto estiver blindado pelo bolsonarismo, Tarcísio não precisará dizer se pretende mexer na política de valorização do salário mínimo (84% do paulista) ou nos R$ 50 bilhões das emendas para desengessar o Orçamento.

 

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