Valor Econômico
Fracasso de público barateia o pedágio que
Tarcísio terá que pagar ao ex-presidente, mas Bolsonaro aposta na eleição do
Congresso para ser o fiador de quem vencer em 2026
O ato mais esvaziado do bolsonarismo desde
que o ex-presidente deixou o poder foi também aquele que mais explicitou a
estratégia de seu campo político. A caminho da condenação, Jair Bolsonaro
evitou melindrar o STF. Preferiu se voltar contra o PT e o lulismo.
Parece convencido de sua inelegibilidade, mas
não pediu voto nem mesmo para o governador de São Paulo, ao seu lado. Só quer
que o eleitor lhe dê metade do Congresso e destine a outra metade para o
Centrão.
O público de 12,4 mil pessoas sugere um
bolsonarismo de fogo morto, mas enquanto for bancado pela maior legenda da
Câmara, sua estratégia importa - até porque não mais se limita a sua
autodefesa. A ausência da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, sugere que o
ex-presidente não põe suas fichas no único nome viável da família.
Além da rejeição majoritária, registrada nas pesquisas, o foco na eleição proporcional é resultado também de uma opção pelo bolsonarismo de resultados. Foi a carona a parlamentares do PL como Nikolas Ferreira (MG), Cleitinho (MG), Sóstenes Cavalcante (RJ), e Paulo Bilynski (SP) que, em grande parte, garantiu a sobrevida ao fundamentalismo bolsonarista - na religião, na segurança e nos costumes da República.
O resultado mais almejado pelo bolsonarismo é
o de ser o fiador do próximo presidente, seja ele quem for. Se o ex-presidente
não pediu votos para Tarcísio de Freitas, tampouco o governador paulista
sinalizou qualquer resposta à condição estabelecida pelo senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ) para o apoio do pai em 2026: o endosso a indulto ou a
anistia.
Ao pedir que a outra metade do Congresso seja
entregue ao Centrão, Bolsonaro escancara a estratégia de fazer do
presidencialismo um eterno refém do parlamentarismo branco vigente no país. A
equação teve início no segundo mandato de Dilma Rousseff, com o primeiro golpe
da impositividade das emendas, e se expandiu nos governos seguintes.
Com Bolsonaro, deixou de ser decorrência de
uma Presidência emparedada e tornou-se símbolo da sociedade entre um Executivo
que abdica da universalização de direitos em nome e um Congresso que os
privatiza.
A clareza da estratégia não garante sua
eficácia. O fracasso de público no domingo pode não ser um impedimento para as
candidaturas bolsonaristas à Câmara, mas sugere dificuldades majoritárias, o
que é uma boa notícia para o governador de São Paulo. Quanto maiores forem
essas dificuldades, mais baixo é o pedágio que Tarcísio terá que pagar. Quanto
mais barato o pedágio, mas facilidade terá para abocanhar o eleitorado de
centro que definirá 2026.
Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
jogou com a carta democrática para arrebanhar a frente ampla em 2022, desta vez
a aposta parece ser a do embate pela apropriação do orçamento nacional entre
ricos e pobres. O governo vai focar na resistência do Congresso - e do
bolsonarismo - ao aumento do IOF e do imposto sobre as bets, à taxação dos
dividendos, à redução do gasto tributário e à limitação dos supersalários para
emparedar a oposição.
Todo populismo vitima a verdade. As isenções
não beneficiam apenas ricos, mas também a cesta básica, aposentados, poupança e
segmentos remediados que deduzem gastos com escola e saúde privada no Imposto
de Renda, mas a disputa eleitoral foi antecipada e é isso que acontece em
campanhas.
A estratégia governista conta com a reedição
da dobradinha com o STF. Em 2022 a aliança se deu no embate contra o golpismo,
agora a aposta é na sua ampliação, a começar pelo IOF.
As audiências na Corte mostraram que as
emendas, além do binômio da transparência e rastreabilidade, afrontam a
responsabilidade fiscal, a eficácia das políticas públicas e a renovação
parlamentar. Até um governador bolsonarista como Mauro Mendes (MT) atestou a
ofensa à separação dos Poderes.
Assim como Mendes, muitos dos governadores em
fim de mandato tentarão o Senado com chances de eleição e não dão sinais de
afronta ao Supremo, como pretende Bolsonaro. Se a cruzada do ministro Flávio
Dino contra as emendas hoje é bombardeada em gabinetes palacianos também
acabará por servir à ambiguidade da estratégia governista.
Na terceira frente desta dobradinha, o
julgamento que enquadra as “big techs”, o Congresso até pode ser levado a
reagir votando uma regulamentação da qual se eximiu até hoje, mas o STF manterá
o poder de veto. A matéria oferecerá ao governo Lula outra vereda populista, a
da soberania, além de permitir a triagem (parcial) da mentira.
O fogo morto do bolsonarismo e o abraço
governista na polarização ricos x pobres, levará Tarcísio a buscar um discurso
avesso ao confronto. Terá dificuldades, porém, de se diferenciar do
bolsonarismo no asfalto. Abriga a militarização das escolas, uma segurança
pública com flagrante desapego à transparência e um programa social que, num
passe de mágica, promete emancipar os mais pobres pela “inclusão produtiva” sem
arranhar o Orçamento.
A equação contra populismos de toda ordem
esbarra no Congresso. São Paulo hoje investe 9% do seu orçamento enquanto o da
União está espremido em 1,5%. Enquanto estiver blindado pelo bolsonarismo,
Tarcísio não precisará dizer se pretende mexer na política de valorização do
salário mínimo (84% do paulista) ou nos R$ 50 bilhões das emendas para
desengessar o Orçamento.
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