O Globo
Semana em que o Brasil esteve sob ataque dos Estados Unidos teve um ineditismo: essa é pior crise da relação em 200 anos
A semana já estava lotada de eventos no Brasil, quando um carro da Polícia Federal parou na porta da casa de Jair Bolsonaro, em Brasília, pouco depois das 7h, prenunciando uma sexta-feira daquelas. No Brasil os acontecimentos transbordam os dias. O tempo não cabe nas horas do relógio. Na quarta, fomos dormir num Brasil com normas e leis ambientais ainda insuficientes, mas que haviam melhorado com os anos. Na quinta, acordamos diante dos destroços do licenciamento ambiental, demolição executada no Congresso à 1h52m da madrugada. Do primeiro ao último dia, ficamos sob cerrado bombardeio de Washington, que provocou temores na economia e reviravolta na política. Semana que merecia ser mês.
O ex-presidente foi alvo de busca e
apreensão, teve que ir à Polícia Federal instalar tornozeleira, não poderá se
aproximar de embaixadas, nem falar com outros investigados, inclusive o filho.
Perguntei a uma autoridade que acompanhou os eventos da sexta o motivo das
medidas: “As ações de Jair
Bolsonaro trouxeram efeitos concretos. Ele tentou intimidar o
Judiciário, interferir no Legislativo e acuar o Executivo. Com interferência
direta no resultado do processo sob responsabilidade do STF,
ou seja, gabaritou
todos os requisitos para as medidas.”
Em entrevista à Christiane Amanpour, da CNN
Internacional, o presidente Lula disse
que “Donald
Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos e não
imperador do mundo”. A Casa Branca negou que ele tivesse essa impressão de
si mesmo, mas os fatos mostram que sim. Ele deu ordens ao STF de acabar
“imediatamente” com a ação penal contra Bolsonaro, sob pena de aplicar tarifa
de 50% sobre produtos brasileiros.
Na semana, houve ainda o inusitado ataque da
maior potência militar do planeta ao Pix. Nosso sistema de pagamento estaria
ferindo os cartões de crédito americanos. O ex-presidente, que se dizia pai do
Pix, não defendeu o suposto filho. A verdade é que o Pix foi criado pelos
funcionários do Banco Central em um trabalho que começou no governo Temer e
terminou no de Bolsonaro. O avanço se deve à máquina pública. Incomodou
Washington, assim como a 25 de Março, rua do comércio onde o ministro Fernando
Haddad já trabalhou.
O vice-presidente Geraldo
Alckmin foi ouvir os empresários. Há um sem número de situações
dramáticas na economia brasileira. Peixes pescados, mangas colhidas, laranjas
no pé, café catado, peças voando para cá para virar aviões que não voarão para
lá. Comércio dentro das empresas, matriz e filial, em risco. Empregos
ameaçados, companhias com prejuízo, dívidas e dúvidas se acumulando.
No mundo da política, aliados de Jair
Bolsonaro andaram em zigue-zague, ora comemorando o ataque ao Brasil, ora
culpando Lula, mas é deles o pedido para que um raio caia na economia
brasileira. Há quem diga que a crise favorece Lula. Na verdade, não favorece
ninguém, porque crise econômica sempre afeta quem está no governo, mas
prejudica mais seriamente a direita. Nesse meio tempo, a bandeira verde e
amarela mudou de mãos. Os bolsonaristas que inventaram ser os donos dos
símbolos nacionais, bandeira, camisa, hino e cores, abraçaram o lema Brasil
abaixo dos Estados Unidos.
Na excessiva semana, houve veto do presidente
Lula ao aumento do número de deputados, o STF mantendo o IOF, e o Congresso se
vingando. Deputados e senadores tiraram R$ 30 bilhões do Fundo Social para
anistiar dívidas de ruralistas. A
maior desdita foi de Bolsonaro e está em seu tornozelo.
Apesar das pressões de Bolsonaro, e seus
zeros, que conclamam pela rendição do Brasil, ela não ocorrerá. Eduardo
Bolsonaro lembrou das bombas sobre o Japão e falou em “cenário de terra
arrasada”. Bolsonaro, o pai, também quer que o Brasil concorde. Se o Brasil
cedesse à chantagem de Trump teria que abandonar a soberania, a independência
dos Poderes e a própria democracia. Mas disso Bolsonaro nunca entendeu.
No fim da sexta, o
secretário Marco Rubio revogou o visto de Alexandre de Moraes e de “seus
aliados no Supremo”. Eu perguntei ao embaixador Rubens Ricupero se essa era
a pior crise da história das relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Ele
disse que sim.
— Não lembro de nada comparável em 200 anos
de relações diplomáticas. Na véspera do golpe militar de 64, houve
interferência do governo americano de então, mas não de forma tão ostensiva.
Desta vez, trata-se de interferência pública no mais alto nível.
Teremos agenda cheia nas próximas semanas.
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