domingo, 20 de julho de 2025

E a bandeira mudou de mãos - Míriam Leitão

O Globo

Semana em que o Brasil esteve sob ataque dos Estados Unidos teve um ineditismo: essa é pior crise da relação em 200 anos

A semana já estava lotada de eventos no Brasil, quando um carro da Polícia Federal parou na porta da casa de Jair Bolsonaro, em Brasília, pouco depois das 7h, prenunciando uma sexta-feira daquelas. No Brasil os acontecimentos transbordam os dias. O tempo não cabe nas horas do relógio. Na quarta, fomos dormir num Brasil com normas e leis ambientais ainda insuficientes, mas que haviam melhorado com os anos. Na quinta, acordamos diante dos destroços do licenciamento ambiental, demolição executada no Congresso à 1h52m da madrugada. Do primeiro ao último dia, ficamos sob cerrado bombardeio de Washington, que provocou temores na economia e reviravolta na política. Semana que merecia ser mês.

O ex-presidente foi alvo de busca e apreensão, teve que ir à Polícia Federal instalar tornozeleira, não poderá se aproximar de embaixadas, nem falar com outros investigados, inclusive o filho. Perguntei a uma autoridade que acompanhou os eventos da sexta o motivo das medidas: “As ações de Jair Bolsonaro trouxeram efeitos concretos. Ele tentou intimidar o Judiciário, interferir no Legislativo e acuar o Executivo. Com interferência direta no resultado do processo sob responsabilidade do STF, ou seja, gabaritou todos os requisitos para as medidas.”

Em entrevista à Christiane Amanpour, da CNN Internacional, o presidente Lula disse que “Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos e não imperador do mundo”. A Casa Branca negou que ele tivesse essa impressão de si mesmo, mas os fatos mostram que sim. Ele deu ordens ao STF de acabar “imediatamente” com a ação penal contra Bolsonaro, sob pena de aplicar tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.

Na semana, houve ainda o inusitado ataque da maior potência militar do planeta ao Pix. Nosso sistema de pagamento estaria ferindo os cartões de crédito americanos. O ex-presidente, que se dizia pai do Pix, não defendeu o suposto filho. A verdade é que o Pix foi criado pelos funcionários do Banco Central em um trabalho que começou no governo Temer e terminou no de Bolsonaro. O avanço se deve à máquina pública. Incomodou Washington, assim como a 25 de Março, rua do comércio onde o ministro Fernando Haddad já trabalhou.

O vice-presidente Geraldo Alckmin foi ouvir os empresários. Há um sem número de situações dramáticas na economia brasileira. Peixes pescados, mangas colhidas, laranjas no pé, café catado, peças voando para cá para virar aviões que não voarão para lá. Comércio dentro das empresas, matriz e filial, em risco. Empregos ameaçados, companhias com prejuízo, dívidas e dúvidas se acumulando.

No mundo da política, aliados de Jair Bolsonaro andaram em zigue-zague, ora comemorando o ataque ao Brasil, ora culpando Lula, mas é deles o pedido para que um raio caia na economia brasileira. Há quem diga que a crise favorece Lula. Na verdade, não favorece ninguém, porque crise econômica sempre afeta quem está no governo, mas prejudica mais seriamente a direita. Nesse meio tempo, a bandeira verde e amarela mudou de mãos. Os bolsonaristas que inventaram ser os donos dos símbolos nacionais, bandeira, camisa, hino e cores, abraçaram o lema Brasil abaixo dos Estados Unidos.

Na excessiva semana, houve veto do presidente Lula ao aumento do número de deputados, o STF mantendo o IOF, e o Congresso se vingando. Deputados e senadores tiraram R$ 30 bilhões do Fundo Social para anistiar dívidas de ruralistas. A maior desdita foi de Bolsonaro e está em seu tornozelo.

Apesar das pressões de Bolsonaro, e seus zeros, que conclamam pela rendição do Brasil, ela não ocorrerá. Eduardo Bolsonaro lembrou das bombas sobre o Japão e falou em “cenário de terra arrasada”. Bolsonaro, o pai, também quer que o Brasil concorde. Se o Brasil cedesse à chantagem de Trump teria que abandonar a soberania, a independência dos Poderes e a própria democracia. Mas disso Bolsonaro nunca entendeu.

No fim da sexta, o secretário Marco Rubio revogou o visto de Alexandre de Moraes e de “seus aliados no Supremo”. Eu perguntei ao embaixador Rubens Ricupero se essa era a pior crise da história das relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Ele disse que sim.

— Não lembro de nada comparável em 200 anos de relações diplomáticas. Na véspera do golpe militar de 64, houve interferência do governo americano de então, mas não de forma tão ostensiva. Desta vez, trata-se de interferência pública no mais alto nível.

Teremos agenda cheia nas próximas semanas.

 

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