sábado, 26 de julho de 2025

I want you - Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back

As declarações de Trump mostram ansiedade e temor pelo fim da hegemonia do dólar

America! America!
God shed his grace on thee
Till selfish gain no longer stain
The banner of the free!
(America the Beautiful)

“Quando ouvi sobre esse grupo dos BRICS, seis países, basicamente, eu os ataquei com muita, muita força. E se algum dia eles realmente se formarem de modo significativo, isso acabará muito rapidamente… Nunca podemos deixar ninguém brincar conosco.” Palavras de Donald Trump. Segundo a Reuters, o presidente dos Estados Unidos também disse estar comprometido com a preservação do status global do dólar como moeda de reserva e prometeu nunca permitir a criação de uma alternativa digital pelo Banco Central norte-americano. A galhofa que farfalhou na cabeça dos atacadistas da Rua 25 de Março juntou-se à acusação aos produtos eletrônicos vendidos sem nota da Galeria Pagé, no Centro da capital paulista. Também sobraram ameaças ao Pix.

Em sua triste galhofa, Trump torna as vítimas de investigação comercial pelo governo ianque em terroristas armados da bomba H que seria lançada sobre o déficit global norte-americano. O Calígula da Casa Branca impôs, a partir de 1º de agosto, 50% de imposto sobre importação de produtos brasileiros. Remember my dear friends, ao som de aquarela do Brasil: os norte-americanos são superavitários nos últimos 15 anos. Nosso grande Projeto Manhattan não estaria em Los Álamos, mas na Rua 25 de Março e no Pix, com o propósito de implodir a economia de Tio Sam e deletar o poder de sua moeda reserva, o dólar. É de rir para não chorar.

O imperialismo e o colonialismo andam de mãos dadas, não morrem, mudam de forma. Mas o objetivo é sempre tirar vantagens econômicas por meio do uso da força militar ou econômica. É a política, estúpido. A imposição imperial de tarifas nada mais é que um neocolonialismo, uma forma de extração de renda sem invadir e conquistar territórios.

No estudo Intercâmbio Desigual e Relações Norte–Sul: Evidências dos Fluxos Comerciais Globais e a Balança Mundial de Pagamentos, Gastón Nievas e ­Thomas Piketty afirmam: “As relações econômicas globais parecem ser caracterizadas por desequilíbrios persistentes e relações de poder, não por mecanismos de mercado autocorretivos. Mudanças no poder de barganha e nos termos de troca podem ter enormes consequências sobre a riqueza relativa das nações e sobre suas oportunidades de desenvolvimento”. Financiar seu déficit crônico de conta corrente, extraindo valor por meio do comércio internacional. Tudo isso garantido pela força do dólar como moeda reserva. As declarações e ações pessoais de Trump mostram ansiedade, neurose e temor pela perda da hegemonia monetária. O fim do dólar como moeda reserva tornaria o déficit do balanço de pagamentos impagável, perdendo a senhoriagem, e o poder de emissão entraria em colapso.

Nievas e Piketty tocam o ponto crucial: “Com efeito, Trump parece acreditar que o bem público global fornecido pela ‘Pax Americana’ deve ser mais bem recompensado pelo resto do mundo, por exemplo, por meio de transferências financeiras pagas por aliados para compensar os gastos militares e/ou por meio da apropriação direta de recursos minerais e outros ativos na Groenlândia, Ucrânia ou em outros lugares”.

Alerta John Maynard Keynes nas “Notas Sobre o Mercantilismo”: “A política de restrições comerciais é um instrumento perigoso mesmo quando utilizado para os seus objetivos ostensivos, visto que os interesses particulares, a incompetência administrativa e a dificuldade intrínseca da tarefa podem desviá-la e levá-la a produzir resultados diretamente opostos aos pretendidos”.

Imperialismo e colonialismo andam de mãos dadas, não morrem, mudam de forma

míssil tarifário lançado ao país do Carnaval, do samba e do futebol desvia o olhar para o verdadeiro alvo, a China. O disfarce é engalanado pela interferência no Judiciário brasileiro, nas eleições presidenciais, ameaça à soberania e ao patriotismo. Esse atentado à soberania brasileira tem o propósito de reforçar o domínio, para além de qualquer fronteira territorial, das big techs do Vale do Silício, que disparam suas garras sobre as mentes e dados ­pessoais no mundo inteiro.

Neste momento, a corrida pela Inteligência Artificial, construção de data centers e garantia de energia juntam-se às terras-raras, metais essenciais para o avanço das novas tecnologias. A China detém 70% da oferta das terras-raras e 80% do refinamento desses metais. O Brasil é agraciado por reservas estimadas de 11 milhões a 21 milhões de toneladas, que podem mudar de vez suas relações comerciais com os chineses. Não é a 25 de Março que preocupa o fanfarrão-fujão, mas Pequim. “Como ­observam David Autor, do ­Massachusetts Institute of ­Technology, e Gordon ­Hanson, da Universidade Harvard, o desafio para os EUA, hoje, é a ascensão da China como superpotência tecnológica e científica”, anota Katie Martin no diário Financial Times. O plano quinquenal chinês destacou a inteligência inspirada no cérebro, a informação quântica, a tecnologia genética, as redes futuras, o desenvolvimento aeroespacial e em águas profundas e a energia e o armazenamento de hidrogênio, áreas nas quais o país pretende garantir a liderança.

A “ordem mundial” pretendida por Trump ­reafirma o exercício, sem peias, do poder dos Estados Unidos. Mas, na verdade, o projeto MAGA comprova o declínio da hegemonia norte-americana. Rui Barbosa, talvez o único liberal autêntico produzido nestas plagas, temia as inclinações imperiais do Grande Irmão do Norte. Sua admiração pelas instituições republicanas dos Estados Unidos não o impediu de perscrutar, sob o véu da democracia na América, os arroubos da ambição imperialista. Esses impulsos secretos irromperam na guerra contra a Espanha pelo domínio de Cuba. Daí para a frente, cresceram e se multiplicaram.

Concluímos com as palavras de ­Elisabeth Roudinesco no livro Eu Soberano: “…Os humanos se assemelham a crianças insaciáveis que não suportam a felicidade de seus vizinhos: não satisfeitos com seus brinquedos, querem pegar os dos outros também”. 

Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.

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