Valor Econômico
Advogados públicos têm a receber fundo
bilionário da União, e o fazem sem nenhuma transparência
Desde que a discussão sobre os supersalários
ganhou manchetes e editorais na imprensa brasileira, muito se tem criticado
juízes e membros do Ministério Público por estarem recebendo centenas de
milhares de reais a mais do que estabelece a Constituição. Mas eles não estão
sós.
Existem outras categorias que também burlam
as regras constitucionais e estão ganhando tanto que chegam a provocar inveja
dos togados do sistema judiciário.
Depois de uma intensa campanha de lobby, os advogados públicos conseguiram inserir no novo Código de Processo Civil (CPC) um dispositivo que lhes garantem, além do pagamento da remuneração básica, também honorários de sucumbência - uma verba paga pela parte derrotada numa ação judicial, até então restrita aos advogados privados.
Essa decisão acabou beneficiando não apenas
os membros da Advocacia Geral da União (AGU), como também procuradores da
Fazenda Nacional e de autarquias. Graças a essa alteração legal, desde
fevereiro de 2017 o governo federal já transferiu R$ 18,6 bilhões para a
“caixinha” dos advogados públicos.
Só no atual governo Lula foram R$ 8,5 bilhões
(45% do total), o que dá quase o que o governo deixou de ganhar com a derrubada
do decreto do IOF. E não fazemos ideia do quanto vem sendo pago aos causídicos
dos Estados e municípios.
Advogados públicos argumentam que o
recebimento dos honorários representa um tratamento equânime com seus pares do
setor privado. Ora, mas advogados particulares não têm salários fixos que
variam de R$ 25 mil a mais de R$ 32 mil por mês, como acontece com os membros
da advocacia pública federal. Também têm que arcar com todos os custos de seus
escritórios, incluindo pessoal de apoio, estagiários e assistentes - despesas
que são cobertas pelo governo, no caso da AGU e PGFN. E, pior, no caso dos
advogados públicos, não há concorrência e nem o risco de consequências
reputacionais caso percam as causas, próprios da atividade privada.
Os advogados públicos mentiram para os
deputados e senadores quando pressionaram pela aprovação do dispositivo que
lhes garantiu o recebimento de honorários.
Num documento distribuído aos congressistas
durante a tramitação do CPC, sete associações de advogados públicos federais
asseguraram: “Os honorários sucumbenciais não ofendem os limites da remuneração
no serviço público. No caso da Advocacia Pública Federal, prevê-se que cada
profissional receberia cerca de R$ 707,75”. Isso foi no início de 2015.
Em novembro de 2024, último dado disponível
no Portal da Transparência, 7.301 advogados da União e procuradores da Fazenda
e de autarquias receberam a bagatela de R$ 28.505,78 apenas a título de
honorários (fora o seu subsídio básico).
Desde então, não sabemos mais quanto essas
verbas representam, pois a categoria conseguiu fazer valer o seu entendimento
de que esse pagamento tem natureza privada - logo, não está sujeito aos ditames
da Lei de Acesso à Informação. Resultado: corre o boato de que cada advogado
público federal recebeu mais de R$ 400 mil em honorários somente neste ano.
Há muita coisa errada nesta questão de
honorários, e que merece urgente ação do governo federal, do Congresso
Nacional, do Tribunal de Contas da União e do Poder Judiciário:
1) Por serem verbas decorrentes de ações em
que o titular é o Estado, os pagamentos mensais deveriam obrigatoriamente ser
disponibilizados nos portais de transparência.
2) Se o honorário é uma forma de remuneração
variável, ele deveria estar vinculado a avaliação de desempenho para medir a
contribuição de cada um, inclusive com a possibilidade de demissão de advogados
que contribuíram para que a União perdesse outras causas.
3) Se honorário não é remuneração, não há que
se pagar 13º, férias ou auxílios alimentação e saúde de honorário.
4) Também não faz sentido pagar honorários a
servidores aposentados.
5) A administração do fundo bilionário dos
honorários é realizada hoje por uma entidade privada, dirigida apenas por
representantes das respectivas carreiras. Para haver uma adequada governança da
gestão dessa montanha de recursos, a maioria dos assentos do Conselho Curador
dos Honorários Advocatícios deveria estar a cargo de indicados pelos
ministérios da Gestão, Fazenda, Planejamento, CGU e TCU, entre outros.
6) Encargos legais cobrados sobre os
inscritos em dívida ativa não deveriam entrar no cálculo dos honorários, uma
vez que as despesas relacionadas à cobrança da dívida são arcadas pelo Estado,
que destina orçamento para o funcionamento da AGU e da PGFN, sem qualquer
relação com a atividade jurídica;
7) A incidência de honorários sobre acordos
extrajudiciais gera um incentivo perverso que pode fazer com que advogados
públicos levem a União a aceitar condições mais lesivas, apenas pela
perspectiva de gerar o pagamento imediato dessas verbas.
Taí uma agenda para o Congresso Nacional.
Acabar com os honorários e os penduricalhos no Judiciário e no Ministério
Público já é suficiente para equilibrar as contas públicas nos próximos anos,
sem aumentar impostos sobre ninguém.
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