O Globo
Economia de fato é investir na prevenção.
Perdas humanas e a destruição material são um preço muito mais alto
Escrevo sobre o que me impressiona e confesso
que não consegui tirar da cabeça essa história das 27 meninas e monitoras que
morreram no Rio Guadalupe, no Texas. As enchentes mataram mais de 120 pessoas.
As meninas estavam num acampamento, algumas talvez tenham feito sua primeira
viagem na vida. Os celulares estavam guardados para que interagissem melhor
entre elas e com a natureza. Muitas devem ter morrido sem saber exatamente o
que acontecia.
Parece que o Guadalupe enche muito rápido com as tempestades. Um sistema de alarme mais sofisticado poderia ter salvado mais gente. Leio nos jornais americanos que ele foi discutido, mas descartado por economia. Leio também que Trump fez inúmeros cortes de pessoal no serviço de meteorologia. Coisas que não compreendo: como economizar em sistemas de alarme no auge das mudanças climáticas? Como cortar pessoal da meteorologia? Como negar o aquecimento global num país com tanto acesso a informação de qualidade?
A morte das meninas deveria inspirar uma
virada. O fato de terem economizado dinheiro num país com tantos recursos não
serve de álibi para nós. Mesmo mais pobres, precisamos compreender que economia
é investir na prevenção. As perdas humanas, e mesmo a destruição material, são
um preço muito mais alto.
Estamos preparando uma conferência da ONU que
será realizada em Belém. Nela, um dos temas centrais será o financiamento aos
países mais pobres para que possam se adaptar às mudanças climáticas. É um tema
recorrente pelo menos desde 2015, quando se assinou o Acordo de Paris. O
combinado era os países desenvolvidos destinarem US$ 100 bilhões por ano. Esse
dinheiro nunca apareceu como foi prometido. Fala-se agora em aumentar para US$
300 bilhões.
Sou um pouco cético. Os Estados Unidos saíram
do Acordo de Paris e não contribuirão com nada. Cortam gastos dentro do seu
próprio território, expondo vidas irresponsavelmente. A Otan —
acossada pela Rússia e
abandonada pelos americanos — resolveu aumentar seus gastos militares para 5%
do PIB.
Onde acharemos esses US$ 300 bilhões? Naturalmente continuaremos tentando
arrecadar, por meio dos inúmeros mecanismos possíveis, como o mercado de
carbono.
Isso nos obriga também a um nível de
criatividade e a um esforço coletivo para adaptar o país e evitar perder tanta
gente e tantos recursos com os eventos climáticos extremos. Precisamos pensar
nisso tudo, inclusive nos detalhes.
O que aconteceu no Rio Guadalupe me lembra
muito um perigo que vivemos no Brasil, no verão. Turistas usam muito as
cachoeiras e, às vezes, chove violentamente no alto da montanha. Como não há
boa sinalização e sistemas de alarme, muitas vidas se perdem. O detalhe serve
para acentuar que há muito por fazer. Tive esperanças de que o tema fosse
discutido nas eleições municipais, a adaptação aos novos tempos.
Houve avanço quando Lula reconheceu
que o Brasil tinha papel de liderança na proteção ao meio ambiente. Mas será
preciso muito mais que apenas aspirar à liderança. Dificilmente conseguiremos
convencer nesse papel apenas com discurso oficial. Toda a sociedade precisa ser
mobilizada. Neste momento, as chuvas castigam a Amazônia,
meio milhão de pessoas foi atingido. A Amazônia não é só floresta, mas também a
população que vive nela.
O governo destinou R$ 5 milhões, mas não
mandou um ministro, não participou diretamente do socorro. Os defensores da
Amazônia também não conseguiram criar uma rede de apoio aos atingidos pelas
cheias.
A morte das meninas no Rio Guadalupe, meninas
católicas em férias de verão, me deixou bastante abalado com o descaso geral
diante da crise climática. Sófocles, um autor grego, fazia uma diferença entre
sabedoria e argúcia. São qualidades diferentes. Será mesmo que somos o homo
sapiens?
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