O Estado de S. Paulo
Incerteza decorrente da ameaça tarifária enfraquece presença americana no Brasil e fortalece a chinesa
A ameaça tarifária de Donald Trump representa
o maior desafio da política externa do Brasil desde que Lula voltou ao poder.
Tem o potencial de abalar a economia brasileira e a relação bilateral com os
EUA, principal fonte de investimento estrangeiro direto no País.
Três fatores complicam qualquer possível resolução. Em primeiro lugar, duas demandas-chave da carta publicada por Trump, escrita em tom altamente ofensivo, não estão sujeitas a negociação com governos estrangeiros e não têm a mínima chance de avançar. Afinal, tanto o julgamento de Bolsonaro quanto os processos contra as plataformas digitais são decisões do Judiciário brasileiro. É impossível saber se assessores de Trump o alertaram de que, no Brasil, o presidente não controla o Judiciário. De qualquer forma, a ênfase na política interna brasileira reflete o estado precário da relação entre as administrações Trump e Lula.
Em conversas informais com integrantes do
governo americano, impressiona a hostilidade ao governo Lula, o que sugere que
alguns deles obtêm informações sobre o cenário político brasileiro de fontes
ligadas ao bolsonarismo. Diferente dos anos 2000, quando Bush e Lula, apesar
das divergências ideológicas, mantiveram um diálogo amplo e surpreendentemente
produtivo.
O segundo problema é que, como o Brasil é
apenas o 15.° maior parceiro comercial dos EUA, o impacto macroeconômico da
implementação de tarifas elevadas sobre produtos brasileiros seria limitado
para os EUA. No dia em que Trump publicou a carta ao presidente brasileiro em
sua rede social, o assunto não dominou o debate público americano, nem assustou
os mercados. Ou seja: Trump não enfrenta pressão ampla para recuar ou adiar as
tarifas contra o Brasil.
Em terceiro, como o Brasil geralmente voa
fora do radar da política de Washington (estratégia que, em parte, deu certo),
governos brasileiros nunca investiram na criação de uma estrutura na capital
americana que pudesse ser facilmente acionada em tempos de crise para defender
interesses brasileiros. Países como México, Israel e Índia, por exemplo, mantêm
operações altamente sofisticadas em Washington, envolvendo institutos de
pesquisa (conhecidos como think tanks), lideranças comunitárias, centros
culturais, associações setoriais e relações cultivadas por anos com assessores
no Legislativo, bem como nos governos estaduais.
Mesmo assim, seria um erro acreditar que o
Brasil não dispõe de aliados nos EUA que podem vir a convencer Trump a recuar.
Além de uma possível negociação oficial – que teria como único objeto questões
tarifárias –, a diplomacia brasileira pode ser importante na coordenação e
mobilização de grupos nos EUA que seriam mais prejudicados pelas tarifas. Isso
inclui setores como construção civil, manufatura, alimentos e bebidas. Cimento,
aço, madeira, pedras ornamentais, parafusos e outros insumos básicos custariam
mais.
No setor aeroespacial, empresas que operam
jatos regionais fabricados pela Embraer podem adiar ou cancelar aquisições,
prejudicando a renovação de frotas. No mercado de alimentos, café, suco de
laranja e carne enlatada ficariam mais caros. O preço do café em supermercados
e cafeterias subiria quase imediatamente.
Frente a esses impactos, associações
empresariais e políticos locais devem pressionar a Casa Branca. Estados como
Flórida, Texas, Ohio e Michigan têm economias fortemente integradas a essas
cadeias produtivas.
Essa atuação deve centrarse em duas ideias:
tarifar importações brasileiras ameaça milhares de empregos americanos, o que
pode afetar negativamente os candidatos do Partido Republicano nas eleições
parlamentares. E tarifas sobre produtos brasileiros podem elevar a inflação,
tema sensível que pode influenciar a taxa de aprovação do governo Trump.
Por fim, tanto empresários e investidores
quanto diplomatas brasileiros, em conversas com integrantes da Casa Branca, não
devem se cansar de apontar o óbvio: as tarifas seriam um golpe em cima daqueles
que no Brasil defendem relações mais sólidas com os EUA. A incerteza decorrente
das ameaças tarifárias enfraquece a presença americana no Brasil e fortalece
outros atores como a China – justamente o país cuja ascensão Trump deseja
conter.
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