Decisão do STF não resolve crise fiscal fluminense
O Globo
Liminar de Toffoli traz alívio, mas, enquanto
não fizer ajuste robusto nas contas, estado precisará de socorro
A decisão do ministro Dias
Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF),
de prorrogar até o fim do ano a permanência do Rio de Janeiro no
Regime de Recuperação Fiscal (RRF) dá algum fôlego às combalidas finanças
fluminenses. O estado poderá continuar pagando parcelas mais suaves da dívida
que, no mês passado, chegou a R$ 224 bilhões, além de ganhar tempo para
negociar adesão ao novo programa federal de financiamento, o Propag. Mas o
governo precisa ter em mente que, se não promover um ajuste robusto nas suas
contas, logo estará novamente batendo à porta da União ou da Corte em busca de
socorro.
No entendimento de técnicos federais, o Rio descumpriu as regras do RRF ao tomar decisões — como aumento salarial para servidores — que geraram rombo de mais de R$ 3 bilhões em 2023. O governo fluminense contesta e recorreu ao STF. Toffoli manteve o Rio no RRF e estabeleceu um teto de R$ 4,9 bilhões por ano para pagamentos da dívida (equivalente ao de 2023). Não tivesse conseguido um novo respiro, o Rio poderia ser obrigado a quitar R$ 8,2 bilhões até o fim do ano.
Independentemente do alívio, a situação do
Rio é crítica. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pela Assembleia
Legislativa prevê déficit de R$ 15,98 bilhões em 2026, situação que
invariavelmente resultará em mais endividamento. Já se projeta redução de 43%
nos investimentos públicos (de R$ 5,2 bilhões para R$ 2,98 bilhões). Enquanto o
governo fluminense empurra o problema, a dívida só faz crescer. Como mostrou
reportagem do GLOBO, passou de R$ 177 bilhões em 2022 para R$ 192 bilhões em
2023. No ano passado, subiu para R$ 218 bilhões. A previsão é que cresça até
2030, quando chegaria a R$ 231 bilhões. Só então poderá começar a cair.
Um comunicado do Palácio Guanabara diz que a
liminar de Toffoli “evitará o colapso das finanças do Rio de Janeiro”. É
verdade. Mas o estado não pode ficar dependendo de liminares da Justiça para
equilibrar suas contas, enquanto a gastança só aumenta. O alívio trazido pelos
programas de recuperação fiscal não tem bastado para tirar o Rio do buraco.
Melhor seria ajustar os gastos à realidade. Em 2024, a arrecadação foi de R$
106,1 bilhões, mas a despesa chegou a R$ 108,5 bilhões. Apesar da deterioração,
não se cogita reduzir gastos com pessoal ou incentivos fiscais, muitos de
retorno duvidoso para a sociedade. Nos 12 meses encerrados em abril, a folha de
pagamento, de R$ 43,9 bilhões, correspondeu a 45,2% da Receita Corrente
Líquida, mais de R$ 1 bilhão acima do limite de alerta previsto na Lei de
Responsabilidade Fiscal. O cenário não é animador.
A população fluminense sabe bem o que
significa um colapso. Em 2016, foi decretada calamidade pública devido à crise
financeira. O cenário era caótico. Com os cofres vazios, unidades de saúde
restringiram atendimento, repartições não tinham dinheiro para pagar água e
luz, salários atrasaram ou tiveram de ser parcelados, fornecedores deixaram de
receber, o policiamento ficou comprometido. O fantasma do colapso financeiro
continuará a rondar o Palácio Guanabara enquanto o estado não ajustar suas
despesas. A permanência num regime de recuperação fiscal pressupõe
contrapartidas — medidas convincentes de austeridade —, ou então tudo não passa
de encenação. O Rio ganhou sobrevida, mas a bomba fiscal não foi desarmada,
apenas atrasada por mais um período.
Explosão de ‘penduricalhos’ de juízes mostra
ser urgente rever supersalários
O Globo
Auxílios de todo tipo cresceram 49% em 2024 e
já representam 44% do ganho médio dos magistrados
As despesas além do teto constitucional com
juízes federais cresceram 49,3% no ano passado, mais de dez vezes a inflação de
4,83%, revela estudo do Movimento Pessoas à Frente com o pesquisador Bruno
Carazza. Elas subiram de R$ 7 bilhões em 2023 para R$ 10,5 bilhões em 2024.
Pela Constituição, nenhum servidor público deveria receber mais que o
correspondente ao salário de ministro do Supremo Tribunal Federal (R$
46.366,19). Na prática, a elite do funcionalismo dribla esse teto recorrendo a
verbas adicionais, os “penduricalhos”. Os rendimentos são turbinados com todo
tipo de auxílio: moradia, transporte, saúde, refeição, e por aí vai.
A profusão de “penduricalhos” fez explodir o
rendimento líquido dos juízes. Entre 2023 e 2024, a média mensal subiu de R$ 45
mil para R$ 54,9 mil. Em fevereiro, alcançou R$ 66,4 mil. Os “penduricalhos” já
representam 44% dos ganhos. Em breve, mais da metade do que os juízes recebem
virá deles. “Judiciário e Ministério Público vêm criando, por meio
administrativo, sem previsão legal, uma série de verbas adicionais e atribuindo
a elas, num passe de mágica, o carimbo de verbas indenizatórias, que não ficam
sujeitas ao teto nem a Imposto de Renda”, diz Carazza.
O estudo sugere várias medidas para corrigir
as distorções. A principal são projetos legislativos definindo de maneira
adequada verbas indenizatórias e remuneratórias, de modo a acabar com os
supersalários. As indenizatórias deveriam ser estabelecidas apenas por lei (não
por ato administrativo), com “natureza reparatória” e caráter “eventual e
transitório”. O estudo defende ainda governança e transparência robustas.
O problema precisa ser enfrentado pelos
legisladores. O Projeto de Lei dos Supersalários que tramita no Congresso,
repleto de exceções, infelizmente piora o que já é ruim. Mas o grupo criado
para estudar a reforma administrativa na Câmara, coordenado pelo deputado Pedro
Paulo (PSD-RJ), deveria incluir os supersalários nas discussões.
No setor público, os beneficiários dos
“penduricalhos” costumam ser as categorias mais privilegiadas do funcionalismo,
como juízes e procuradores. A prática revela desconexão da grave crise fiscal
que o Brasil atravessa. Quando a Constituição estabeleceu um limite de
remuneração para servidores públicos, a intenção era criar um teto, não uma
referência para ser ultrapassada sob argumentos estapafúrdios por categorias já
repletas de benesses.
Inflação menor realinha previsões, mas
desafios persistem
Valor Econômico
Melhora do quadro inflacionário levou o
mercado futuro de juros a embutir uma previsão de corte na Selic na virada do
ano
Os juros futuros fecharam em baixa a semana
passada nos seus diversos vencimentos, após o recuo da prévia da inflação,
medida pelo Índice de Preços ao Consumidor, o IPCA-15, em junho. Com a primeira
desaceleração no índice acumulado em 12 meses ocorrida desde setembro de 2024,
uma composição benigna e o recuo de preços até então renitentemente em alta,
como os dos alimentos, o IPCA-15 surpreendeu. O índice de junho subiu 0,26%,
menos do que o mercado esperava, e abaixo do 0,36% de maio.
A gasolina foi a principal influência para
baixo no IPCA-15 de junho. Em maio, havia subido 0,14%, e em junho caiu 0,52%.
A queda ocorreu após o corte de 5,6% da gasolina nas refinarias promovido pela
Petrobras, válido a partir de 3 de junho, o primeiro desde julho de 2024.
O grupo de alimentação e bebidas teve
deflação de 0,02% em junho, após alta de 0,29% em maio. Foi a primeira queda de
preços após nove meses de alta, puxados por tomate, ovo e arroz. A
desaceleração também foi observada na alimentação fora do domicílio, de 0,63%
em maio para 0,55% em junho.
No total, seis das nove classes de despesas
usadas para cálculo do IPCA-15 caíram entre maio e junho. As outras classes de
despesas com taxas menores de variação foram vestuário (de 0,92% para 0,51%);
saúde e cuidados pessoais (de 0,91% para 0,29%); despesas pessoais (de 0,50%
para 0,19%); educação (de 0,09% para -0,02%); e comunicação (de 0,27% para
0,02%).
Do outro lado, o que manteve o IPCA-15 alto
foi a energia elétrica, que acelerou de 1,68% em maio para 3,29% em junho. Só a
energia elétrica respondeu por 0,13 ponto percentual, ou metade da taxa de
0,26% do índice em junho. O aumento é consequência da bandeira tarifária
vermelha em junho, determinada pela Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), que levou a cobrança adicional de R$ 4,46 a cada 100kWh consumidos.
A melhora do quadro inflacionário foi
suficiente para levar os contratos futuros de juros com vencimento em janeiro
do próximo ano abaixo dos 15%, patamar atual da taxa básica Selic, embutindo a
previsão de queda dos juros na virada do ano. Em paralelo, aumentou a demanda
por títulos prefixados no leilão do Tesouro Nacional.
Mas a inflação acumulada em 12 meses ainda
está bem acima da meta perseguida pelo Banco Central de 3% neste ano, mesmo
considerando a tolerância de 1,5 ponto percentual para baixo ou para cima — o
que não autoriza maiores otimismos em relação aos juros. Com o dado de junho, o
IPCA-15 acumula alta de 5,27% em 12 meses. Até maio, o resultado era de 5,40%
no mesmo período. No boletim Focus desta semana, o IPCA-15 reduziu as previsões
para a inflação para 5,20% neste ano, de 5,46% quatro semanas atrás.
Os fatores que levaram o IPCA-15 a recuar não
continuarão bem-comportados necessariamente. A trégua sazonal dos alimentos in
natura, por exemplo, deve terminar em agosto. A pressão nas contas de energia
tende a se manter, diante da redução das chuvas típica do atual período. O
efeito integral da bandeira vermelha, iniciada neste mês, terá impacto maior no
IPCA cheio, uma vez que o IPCA-15 ainda reflete preços mais baixos referentes a
maio devido ao período de coleta de preços para apuração do índice que foi de
16 de maio a 13 de junho. Além disso, a Aneel já anunciou o acionamento da
bandeira vermelha patamar 1 nas contas de luz de julho, mantendo a mesma
condição vigente em junho.
Em relação à gasolina, o horizonte continua
nebuloso, pois depende de fatores externos como o conflito entre Irã e Israel,
que, por ora, estaria em período de trégua, assentada em humores nem sempre
estáveis dos líderes envolvidos, com repercussão também no câmbio. Há ainda o
receio da sempre presente inflação de serviços, sustentada pelo mercado de
trabalho aquecido.
Na melhor das hipóteses, os sinais positivos
de junho podem trazer a inflação deste ano mais perto dos 5% do que os 6%
temidos no início do ano, o que sinaliza uma política monetária ainda apertada,
como indicaram a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom)
do Banco Central e o Relatório de Política Monetária, ambos divulgados na
semana passada.
Na ata, o Copom salientou que “a economia
ainda apresenta resiliência, o que dificulta a convergência da inflação à meta
e requer maior aperto monetário”, ao justificar a elevação da Selic para 15%.
Ao mesmo tempo, indicou a interrupção do ciclo de elevação dos juros, iniciado
em setembro de 2024, “para avaliar os impactos acumulados ainda a serem
observados da política monetária”. Como disse o diretor de Política Monetária,
Nilton David, os canais de transmissão da política monetária estão obstruídos, o
que dificulta a sua efetividade.
O próprio BC prevê inflação acima da meta de
4,9% para este ano, e de 3,6% para 2026 — o horizonte relevante da política
monetária. As projeções são baseadas nas estimativas do próprio mercado para a
trajetória dos juros levantadas no boletim Focus, que embute expectativa de
cortes na Selic a partir do próximo ano.
Na entrevista à imprensa, o presidente do BC,
Gabriel Galípolo, indicou que é possível levar a inflação à meta desde que os
juros sigam outra trajetória, deixando no ar a possibilidade de Selic elevada
por mais tempo. Galípolo evitou o terreno pantanoso do ajuste fiscal. Mas
medidas nessa área tornariam sua tarefa menos arriscada.
Lula erra e escolhe confrontar o Congresso no
IOF
Folha de S. Paulo
Apelar ao Supremo atrapalha objetivos do
presidente e dificulta que o país encontre uma saída para conter a gastança
A atribuição de determinar quanto a sociedade
trabalhará para sustentar o Estado não cabe ao chefe do Executivo em regimes
democráticos. Se quem comanda a máquina pública também puder decidir o volume
dos impostos, abre-se a porta para confiscos e outros arbítrios.
O Parlamento, este sim incumbido de votar
leis que elevam ou reduzem a tributação, costuma abrir exceções e autorizar o
governo a ajustar tarifas quando se trata de impostos regulatórios.
O Imposto sobre Operações Financeiras
—resquício de políticas ultrapassadas de controle de capitais— é dessas
exceções no Brasil. Faculta-se ao Executivo alterar bases e alíquotas do
tributo desde que aja para "ajustá-lo aos objetivos da política monetária".
Ao decretar a elevação do IOF em 11 de
junho, a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) não fez
segredo de que seu intuito era tapar o buraco de arrecadação ante a disparada
do gasto e poupar o Orçamento de corte adicional de despesas. Não havia a mais
remota motivação regulatória na movimentação.
O
decreto foi fulminado por ampla margem no Congresso
Nacional, e Lula, incapaz de convencer até mesmo partidos que compõem o seu
ministério de sustentar a sua decisão, recorre
agora ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar
ganhar na corte o que perdeu no Parlamento.
A decisão reforça a percepção de que a
sagacidade do petista, outrora reconhecida até por adversários, abandonou-o. A
leitura correta do incidente passaria por compreender que o confronto com o
Congresso, a mais de um ano da eleição, só tende a piorar a situação de Lula e
do país.
Apelar ao Judiciário para corrigir a
deficiência política do governo poderá até render uma vitória ao presidente,
pois, como em quase todo julgamento do gênero, sempre haverá argumentos para
favorecer a tese de Lula. Seria, no entanto, uma vitória de Pirro, altamente
custosa pelas consequências que acarretaria.
Projetos de interesse do Planalto, como a
medida provisória que eleva impostos do financiamento agrícola e da construção
civil, entrariam na mira dos parlamentares. A minirreforma do Imposto de Renda,
à qual Lula se apega para combater a impopularidade, correria ainda mais
riscos.
Meter-se já numa disputa eleitoral daria à
maioria de centro-direita do Congresso o pretexto para rasgar a fantasia e
dedicar-se a sabotar quaisquer tramitações que possam render dividendos a Lula
em outubro de 2026.
Sob a ótica do interesse público,
desperdiça-se mais uma oportunidade de combater
o moto-contínuo da gastança acionado pelo presidente da República
ainda antes da sua posse. A aritmética tem sido implacável com essa escolha
infeliz, sob o beneplácito de Legislativo e Judiciário.
Não há saída pelo lado da arrecadação. É
preciso desligar urgentemente os mecanismos institucionais que transformam a
receita extra de tributos de hoje na despesa sem lastro de amanhã.
Educação precisa de professores assíduos
Folha de S. Paulo
Medida em SP, que prevê demissão por
ausências injustificadas, pode ser debatida, mas faltas precisam ser
enfrentadas
De acordo com a Secretaria de Educação paulista,
14,3% das aulas no primeiro semestre deste ano não foram ministradas por
ausência de professores, sendo que em 33,9% desses casos não foram apresentadas
justificativas como atestado médico ou licenças.
Além de prejuízos ao alunado, o comportamento
gerou, ainda de acordo com a pasta, um custo de R$ 33,9 milhões com substitutos
entre fevereiro e abril.
Como resposta ao problema, o governo de Tarcísio
de Freitas (Republicanos)
alterou as regras na última sexta-feira (27). Em vez de serem punidos apenas
com descontos nos salários, os professores temporários que ultrapassarem 5% de
ausências injustificadas em relação à carga horária mensal serão demitidos.
A medida de Tarcísio gerou previsível reação
sindical e política. A Apeoesp, associação dos docentes do estado, atribuiu o
absenteísmo a más condições de trabalho e até dificuldades em conseguir
atendimento médico. O PSOL procurou
o Ministério Público com o argumento de que direitos trabalhistas fundamentais
estão sendo violados.
O debate, é claro, precisa se concentrar no
interesse dos estudantes. Ainda que se possam discutir os meios, é evidente que
a quantidade de faltas é inaceitável e precisa ser enfrentada.
A norma afeta só profissionais temporários
porque os concursados estão protegidos pela estabilidade do funcionalismo, que
no Brasil constitui uma anomalia, dado o seu alcance exagerado. Trata-se de
desincentivo à eficiência e à produtividade, e o ensino está longe de ser
exceção.
Ademais, os encargos do regime estatuário
pressionam os orçamentos. Não à toa, cada vez mais cresce o número de
funcionários temporários.
Pesquisa da ONG Todos Pela Educação do ano
passado mostra que, de 2013 a 2023, o número de professores efetivos nas
escolas estaduais teve queda de 36%, e o de temporários chegou 51,6% do total.
Em São
Paulo, a proporção era de 52,6% no ano passado, segundo o Censo Escolar.
No Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb)
de 2023, o mais recente, a nota da rede paulista foi 4,2, ante 4,4 em 2021 e
4,3 no ano anterior à pandemia. Com ela, São Paulo ficou atrás de estados bem
mais pobres, como Ceará, Pará e Piauí.
Dentre as diversas medidas necessárias, como expandir tutorias para alunos em defasagem e expandir o ensino integral e técnico, está o monitoramento do desemprenho do trabalho dos professores, o que por óbvio inclui sua assiduidade.
Lula parte para a briga com o Congresso
O Estado de S. Paulo
Governo vai ao STF para restabelecer o
decreto do IOF, derrubado pelo Congresso, e contrata uma perigosa crise. O País
não precisa disso, e sim de um debate adulto sobre o Orçamento
Depois de muito ensaiar, o governo Lula da
Silva decidiu apelar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para restabelecer o
decreto do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), derrubado pelo Congresso
na semana passada. Muito mais que uma questão fiscal, a Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) mostra que o Executivo desistiu de tentar apaziguar
os ânimos com o Legislativo e evidencia a antecipação da disputa eleitoral de
2026.
A exemplo do que tem feito no caso das
emendas parlamentares, que também estão no STF, o governo poderia fazer jogo
duplo no caso do IOF. O PSOL entrou com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) contra o decreto legislativo aprovado pelo Congresso,
deixando o Executivo na confortável posição de aguardar a decisão do Supremo
sem ter de sujar as mãos.
O pedido da Advocacia-Geral da União (AGU),
no entanto, adiciona tensão a um conflito que não faz bem ao País. Assinada
pelo próprio presidente da República, a petição argumenta que não foi o governo
quem extrapolou suas funções ao elevar as alíquotas do IOF e que foi o
Congresso que avançou sobre a prerrogativa do Executivo de alterá-las. Para
isso, cita a Constituição, que define, em seu artigo 153, a competência da
União de instituir impostos sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou
relativas a títulos ou valores mobiliários de acordo com os limites fixados em
lei.
A AGU também rejeitou a justificativa do
Congresso para aprovar o decreto legislativo, segundo o qual o aumento do IOF
tinha mera intenção arrecadatória. Embora o Ministério da Fazenda não tenha
escondido a intenção de obter até R$ 20 bilhões com o IOF neste ano, os
técnicos tiveram a perspicácia de citar expressamente, na exposição de motivos
do decreto, a necessidade de trazer mais eficiência ao mercado de crédito e
harmonizar o tratamento para operações de câmbio e investimento.
“Inquestionável, portanto, a presença de uma lógica extrafiscal na edição desse
ato pelo presidente da República”, diz a petição.
A AGU enfrentou até o conceito de
extrafiscalidade ao enfatizar que ele não está na Constituição; logo, não pode
servir de parâmetro objetivo para a validade de leis e atos normativos. “O fato
de as alterações das alíquotas impactarem positivamente as estimativas de
receitas não denota desvio de finalidade, tampouco contamina a
constitucionalidade do decreto presidencial”, afirma a AGU.
Independentemente da decisão que o STF tomar,
é importante lembrar a origem desse imbróglio. O governo editou o decreto que
aumentou o IOF após ter admitido, na revisão bimestral do Orçamento, em maio,
que não poderia contar com a arrecadação que havia previsto na proposta que
enviou ao Congresso.
Esse reconhecimento tardio só veio após o
Tribunal de Contas da União (TCU) deixar claro que não mais aceitaria o uso de
projeções fantasiosas pelo governo para evitar o anúncio de contingenciamentos.
O melhor exemplo dessa artimanha foi o fato de o Executivo ter encerrado o ano
passado com uma arrecadação de R$ 307 milhões com os julgamentos do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), depois de alardear uma estimativa de
R$ 54,7 bilhões – nada mais.
Perdas como essa, de acordo com a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), só poderiam ser cobertas com novas receitas, e
não com corte de gastos, como o Executivo e o Congresso fingem que querem
fazer. Sem o decreto do IOF, que teria efeito imediato, e tendo em vista a
resistência que o Legislativo tem para avalizar o aumento de outros impostos, a
alternativa a novas fontes de arrecadação é a mudança da meta fiscal, uma
derrota que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não pretende assimilar.
Metas inatingíveis, como é o caso do déficit
zero, são a consequência do arcabouço fiscal, enviado pelo Executivo e aprovado
pelo Legislativo. A despeito do impulso gerado pelo crescimento econômico, o
avanço das receitas não tem conseguido acompanhar o ritmo das despesas.
Constitucional ou não, o decreto do IOF é apenas uma pequena parte de um
problema maior: o desequilíbrio orçamentário estrutural que o País terá de
enfrentar em breve e que Executivo, Legislativo e Judiciário fingem não
enxergar.
Aparelhamento desembestado
O Estado de S. Paulo
Profusão de cargos para indicações políticas
confirma a impetuosidade com que o lulopetismo se apropria do controle da União
para fazer das estatais um patrimônio político-partidário
O levantamento do Estadão que
identificou 273 novos cargos de indicação política em 16 estatais federais
desde o início da atual gestão Lula da Silva parece um daqueles casos em que um
fio puxado pode revelar um emaranhado de proporção assustadora. Primeiro por se
tratar de pesquisa com um número restrito de empresas, que não abrange
companhias em permanente e acirrada disputa de cargos por políticos, como
Petrobras e Caixa. Além disso, o dado apenas confirma a forma desabrida com que
o lulopetismo se apropria do controle da União nas corporações para fazer delas
um patrimônio político-partidário.
Foi esse roteiro amplamente conhecido da
forma petista de governar o estopim para a Lei de Responsabilidade das
Estatais, sancionada por Michel Temer em 2016, que estabeleceu novas diretrizes
para indicações de dirigentes em empresas públicas. Com a ideia de limitar a
influência de partidos e de políticos, também buscou dar mais transparência a
licitações e aperfeiçoou critérios de governança. O País havia acompanhado, até
então, uma série de denúncias de corrupção e confissões estarrecedoras de
executivos graduados da Petrobras e outras empresas.
Acompanhando a nova lei, foi instituída a
Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), um órgão
remodelado e vinculado ao então Ministério do Planejamento, e no governo
seguinte, de Jair Bolsonaro, incorporada ao Ministério da Economia. Desde que
assumiu, em 2023, Lula tem se esforçado, com desagradável sucesso, para
enfraquecer a blindagem montada em torno das estatais, suas subsidiárias e
empresas de economia mista, para restabelecer a velha prática de múltiplos
apadrinhamentos e de uso político da estrutura estatal.
Logo de saída, ignorando solenemente as
vedações legais, nomeou dirigentes partidários e sindicais, além de titulares
de cargos públicos para funções de comando na empresa. Foi o caso, por exemplo,
de Aloizio Mercadante na presidência do BNDES, desobediência flagrante à lei
que, recorde-se, foi validada por decisão liminar do então ministro do Supremo
do Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski. Mais de um ano depois – com
Lewandowski já aposentado do STF e integrando o governo de Lula como ministro
da Justiça – os demais ministros da Corte consideraram constitucional a Lei das
Estatais, mas permitiram que fossem mantidas as nomeações ilegais para, ora
vejam, manter a segurança jurídica.
Dessa forma, Lula da Silva ficou impedido de
fazer novas indicações que ferissem a lei, mas pôde preservar no cabideiro de
empregos os que haviam sido indicados antes. A recente reportagem do Estadão deixa
claro que as nomeações para cargos de direção são apenas a parte mais visível
do aparelhamento lulopetista. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
demonstram a multiplicação dos cargos “de confiança” a partir de 2023, como,
por exemplo, na Codevasf, que elevou de 58 para 70 os cargos de indicação política.
Criada para obras de irrigação do Rio São Francisco e muito cobiçada por
parlamentares, a Codevasf acumulou inúmeras denúncias de irregularidades nos
últimos anos e, no governo Bolsonaro, teve sua abrangência ampliada para
Estados fora do perímetro do rio, como o Amapá.
A reportagem dá diversos exemplos de
indicações estritamente políticas para cargos que adicionam R$ 206 milhões por
ano aos custos das empresas. Em algumas o aumento foi de 200%, como na Ceitec,
fabricante de chips criada em 2008, quase extinta no governo Bolsonaro e
reativada por Lula. Ao Estadão, o governo apresentou uma estatística
curiosa para minimizar o aumento dos cargos “de livre provimento”, como
assessores e comissionados em geral. Em nota, informou que correspondem a um em
cada 314 empregados com vínculo ativo, o que, na avaliação do governo,
evidencia que o uso dessas indicações “é restrito, pontual e residual”.
Depende do ponto de vista – especialmente num
momento em que o governo diz estar empenhado em reduzir gastos. O ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, declarou em entrevista recente que “nenhum gasto é
bem-vindo, a não ser os imprescindíveis”. Não é o que parece.
Desemprego cai, precarização sobe
O Estado de S. Paulo
O bom indicador do mercado de trabalho não
significa qualidade nem da ocupação nem da renda
A taxa de desemprego de 6,2% apurada pelo
IBGE para o trimestre encerrado em maio não representa apenas o patamar mais
baixo da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. O indicador reflete a
mudança profunda de um mercado de trabalho marcado pela “uberização”, que vai
muito além da informalidade dos aplicativos de transportes para se estender a
inúmeras atividades criadas com a digitalização da economia.
Os dados do IBGE, monitorados pela Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, atestam que há 39,3 milhões
de trabalhadores informais no País, o que não é pouco. E embora a taxa de
informalidade tenha caído de 38,1% para 37,8% de um trimestre móvel para outro,
é uma queda que deve ser relativizada, já que houve alta de 3,7% daqueles que
trabalham como CNPJ, os autônomos da era da “pejotização”. Há alguns anos o
emprego atravessa uma fase de precarização, fenômeno não apenas brasileiro, mas
mundial.
Num mundo sob novos parâmetros, faz-se
necessário o aperfeiçoamento dos critérios de análise para compor um retrato
mais fiel do mundo do trabalho. O gráfico do desemprego, em trajetória de queda
desde o trimestre encerrado em maio de 2021, não pode ser traduzido como um
caminho firme ao pleno emprego, por mais auspiciosos que os dados possam
parecer.
Nelson Marconi, professor da FGV Eaesp,
comparou, em recente artigo, microdados da Pnad do ano de 2012, quando a taxa
de desemprego estava baixa (média de 7,4%) com o ano fechado de 2024 (média de
6,9%). Em exercícios detalhados, com cerca de 600 combinações entre 30 grupos
de setores e 20 categorias profissionais, além da segregação de trabalhadores
do setor público e privado, o economista verificou uma redução das
remunerações, o que pode contribuir para explicar o descasamento entre os bons
resultados do emprego e a avaliação ruim do governo.
Em vez de abordar as condições de oferta de
emprego, como nível de escolaridade e qualificação profissional, o trabalho de
Marconi foi orientado pela demanda, buscando identificar quem contrata e para
qual tipo de ocupação. Concluiu que o mercado de trabalho no ano passado estava
tão aquecido quanto em 2012, mas com empregos de menor qualidade e remunerações
mais baixas mesmo para ocupações que demandam maior qualificação.
É o mesmo cenário deste ano, com perda de
dinamismo do setor produtivo, redução de setores industriais relevantes e
investimento insuficiente em setores tecnologicamente mais sofisticados. Um
quadro distante do alvissareiro pleno emprego já que, ao fim das contas, o
saldo é a perda do poder de compra, embora a massa de salários em circulação
tenha renovado a máxima da série do IBGE, chegando a R$ 354,605 bilhões no
trimestre terminado em maio.
Os dados confirmam que um indicador isolado pouco reflete a economia como um todo. Enquanto o poder de compra se mantiver corroído por uma inflação acima da meta, a queda no desemprego não significa felicidade.
IOF
e os impasses para uma gestão mais progressista
Correio
Braziliense
Ao
mesmo tempo que se afasta de sua base ao apertar as mãos de opositores, o
governo não garante a aprovação de projetos que poderiam garantir uma gestão
mais progressista
No
mais novo capítulo sobre o aumento do Imposto Sobre Operações Financeiras
(IOF), o governo federal recorreu, ontem, ao Supremo Tribunal Federal (STF)
para assegurar a vigência do decreto do presidente Lula, diante da derrubada do
Congresso Nacional na semana passada. A Advocacia-Geral da União (AGU) sustenta
que a decisão do Legislativo violou a separação de Poderes.
O
IOF incide em diferentes operações, como empréstimos (apenas de pessoas
jurídicas), câmbio, seguros e investimentos. O decreto de Lula, anunciado em
junho, previa uma alta de arrecadação de R$ 20,5 bilhões neste ano,
posteriormente corrigida para R$ 12 bilhões, e de R$ 41 bilhões em 2026, a
partir das mudanças no imposto.
Na
ação apresentada ao STF, a AGU informa que o veto ao aumento do imposto
provocará "riscos fiscais graves ao Estado brasileiro" pela redução
das receitas. Sem o IOF até segunda ordem, o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, pode apostar no corte dos chamados supersalários do funcionalismo e nos
subsídios dados ao empresariado — especulação que já causou reflexos no
mercado.
Entre
as medidas alternativas propostas pelo mercado financeiro, estão definir um
salário mínimo sem aumento real, apenas com correção pela inflação; desassociar
os reajustes dos benefícios sociais (como o seguro-desemprego) do mínimo; e
limitar em, no máximo, 2,5% acima da inflação os investimentos em saúde e
educação, independentemente da receita líquida de impostos; e elaboração de uma
nova reforma da Previdência para alongar o tempo de contribuição do
trabalhador. É verdade que a posição do mercado vai na contramão do bem-estar
social e tenta, em suma, aumentar ainda mais as desigualdades em prol da
manutenção ou até mesmo ampliação do patrimônio dos mais ricos.
Por
outro lado, a dificuldade enfrentada pelo governo no Congresso expõe, mais uma
vez, a fragilidade do modelo adotado para garantir sua governabilidade. Se tal
estratégia funcionou em mandatos anteriores, hoje recai em anacronismo. Ao
mesmo tempo que se afasta de sua base ao apertar as mãos de opositores, o
governo não garante a aprovação de projetos que poderiam viabilizar uma gestão
mais progressista - e cumprir promessas de campanha. Na prática, o governo
perde em duas importantes frentes, o que reflete diretamente na alta da
desaprovação mostrada em pesquisas recentes.
Números divulgados na imprensa ilustram perfeitamente o obsoletismo político: dos 383 votos favoráveis à derrubada do decreto referente ao aumento do IOF, 243 (63%) vieram de deputados vinculados a partidos com representantes nos ministérios. As bancadas do Republicanos, do União Brasil e do Progressistas, três partidos com representantes no alto escalão, votaram integralmente pela derrota de Lula, por exemplo.
Falta de CEP prejudica moradores de conjuntos
O Povo (CE)
No Residencial José Euclides, moradores
desenvolvem um projeto para criar a primeira agência comunitária dos Correios
em Fortaleza
Pode parecer contradição, em uma época de
informações rápidas, mensagens instantâneas em aplicativos e redes sociais, que
ainda existam milhões de brasileiros que não disponham do Código de
Endereçamento Postal (CEP), ficando privados de acesso a serviços
essenciais básicos.
A reportagem "Sem CEP, a peleja de quem
não tem acesso aos Correios", assinada pela jornalista Lara Vieira, mostra
que, em Fortaleza, cerca de 100 mil pessoas não podem ao menos receber uma
carta ou uma encomenda, por não disporem de um endereço formalizado. Seria como
se toda a população de uma cidade — no Ceará apenas nove cidades têm mais
de 100 mil habitantes — não tivesse acesso a esse tipo de serviço.
O problema ocorre principalmente em conjuntos
habitacionais, que comportam uma população que pode variar de 10 mil
a 30 mil pessoas, em cada residencial. Segundo explica um morador, ouvido pela
reportagem, o problema é a falta de CEPs individualizados para blocos e
apartamentos. Um único CEP é cadastrado para toda a área do empreendimento.
"É como se fosse um condomínio fechado", explica o morador, "mas
sem portaria e sem estrutura". Ou seja, o agente dos Correios não tem como
localizar o endereço exato para entregar correspondência ou encomenda.
A reportagem ouviu declarações de pessoas que
relataram sérias dificuldades para acessar programas sociais do governo por
falta do cartão que possibilita o saque. Uma moradora afirmou ter comparecido a
várias agências da Caixa até descobrir a unidade em que estava o seu
cartão do Bolsa Família. "Fui de ônibus porque não tinha dinheiro para o
Uber", disse. Nesse desencontro, ela disse ter ficado sem o benefício por
três meses.
É de se imaginar o tempo e o dinheiro que
perdem pessoas, que já vivem em situação de vulnerabilidade, pela falta de
um procedimento aparentemente simples: o direito de ter um CEP.
O problema não acontece apenas em Fortaleza.
Em todo o Brasil, cálculos apontam que cerca de 17 milhões de pessoas não têm
CEP individualizado, correspondendo a 8,5% da população brasileira, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além das dificuldades expostas,
em muitas comunidades o crime organizado dificulta o trânsito de agentes dos
Correios ou de serviços privados.
Em um dos conjuntos visitados pela
reportagem, o Residencial José Euclides, os moradores desenvolvem um projeto
para criar a primeira agência comunitária dos Correios em Fortaleza,
proposta em discussão com a Prefeitura. Esse pode ser um bom caminho para
superar as dificuldades enfrentadas pelos residentes, com soluções que partem
da própria comunidade.
Por fim, é de se lembrar que o acesso
ao serviço postal é um direito do cidadão, inscrito na lei 6.538/1978
e na Constituição Federal.
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