sábado, 26 de julho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Israel tem de acabar com catástrofe da fome em Gaza

O Globo

Cenas dantescas de uma população civil esfomeada superam os piores temores da comunidade internacional

Depois de 21 meses de conflito, a fome na Faixa de Gaza chegou a níveis inimagináveis. Nesta semana, aliados históricos de Israel aumentaram a pressão para que a distribuição de mantimentos seja ampla, ininterrupta e eficiente. Na quinta-feira, o presidente francês, Emmanuel Macron, mencionou a fome ao anunciar que reconhecerá o Estado palestino. No início da semana, mais de duas dezenas de países, incluindo Reino Unido, Canadá, Japão e nações da União Europeia (UE), condenaram em nota a “distribuição de ajuda em conta-gotas” e a “matança desumana de civis”. As cenas são dantescas. E, se não tiverem fim, acabarão com o pouco apoio que Israel ainda tem na opinião pública internacional.

É verdade que o Hamas é um grupo sórdido. Defende o aniquilamento de Israel e de sua população. Da Faixa de Gaza, terroristas do grupo deram início a uma barbárie quando invadiram Israel em 7 de outubro de 2023, matando mais de 1.200 e sequestrando mais de 250, parte ainda mantida em cativeiro. A resposta israelense, legítima, não demorou. De lá para cá, as Forças Armadas deram início à operação em Gaza, enfraqueceram o Hezbollah no Líbano, atacaram os rebeldes houthis no Iêmen e realizaram o plano havia muito guardado de bombardear as instalações nucleares do Irã, o maior adversário regional. As ações militares, principalmente em Gaza, serviram de pretexto para uma onda de manifestações antissemitas em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, que precisam ser sempre repudiadas, com veemência. A ideia de varrer Israel do mapa não é apenas alucinada, é abjeta.

Não são, porém, sem base as graves denúncias contra o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Há inúmeras evidências de abusos no uso da força e também na retenção continuada das remessas de comida para uma população esfomeada. Guerras costumam provocar a fome na população das regiões afetadas. Essa é a regra quando grupos rebeldes ou regimes autoritários estão envolvidos. Mas, por ser uma democracia, Israel precisa perseguir outros parâmetros.

A acusação do governo Netanyahu de que o Hamas faz uso e se beneficia dos carregamentos de comida pode ser verdadeira, mas não deve ser usada como desculpa para reter as remessas. Quase um terço da população de Gaza passa dias sem comer, diz o Programa Mundial de Alimentos, da ONU, que acusa Israel de criar “obstáculos burocráticos, logísticos, administrativos e operacionais” para a distribuição de ajuda humanitária. É por isso que os preços dos produtos que ainda são achados chegaram a níveis inéditos. O valor de um saco de 25 quilos de farinha aumentou 7.800% desde setembro de 2023.

A permissão para o lançamento de pacotes a partir de aviões da Jordânia e dos Emirados Árabes Unidos nos próximos dias é pouco diante do desafio de abastecer a população local. Numa declaração conjunta divulgada nesta sexta-feira, os governos da Reino Unido, França e Alemanha disseram que “a catástrofe humanitária que estamos testemunhando em Gaza deve acabar agora”. A atitude do governo Netanyahu não condiz com o espírito democrático e a cultura do povo judeu.

Ministério Público faz bem ao pressionar por reposição de aulas

O Globo

Alunos em zonas de conflito que sofrem com cancelamentos precisam cumprir toda a carga horária

Está certo o Ministério Público Federal (MPF) em cobrar do Conselho Nacional de Educação (CNE) rapidez na apresentação de um plano para reposição de aulas canceladas em consequência de episódios de violência no entorno de escolas. O MPF pede que o documento seja concluído em 120 dias. A suspensão de atividades em decorrência de operações policiais ou guerras entre organizações criminosas infelizmente é uma realidade nas cidades brasileiras, e as crianças que frequentam escolas mais expostas não podem ser prejudicadas.

No início do ano, o CNE criou uma comissão de acompanhamento da obrigatoriedade de cumprimento dos 200 dias letivos, após mobilização da Redes da Maré, organização da sociedade civil que atua no complexo de favelas da Zona Norte do Rio. O objetivo é monitorar as redes educacionais afetadas pela suspensão de aulas em razão da violência ou de fenômenos climáticos extremos (o escopo do plano foi acertadamente ampliado pela comissão). Os 200 dias são o tempo previsto pela legislação, mas nem sempre conseguem ser cumpridos. E a reposição costuma ser incerta. “Em muitos casos, há um arremedo dos dias impactados”, disse ao GLOBO a conselheira Cleonice Rehem, que preside a comissão.

As formas de reposição ainda estão sendo discutidas. Entre as alternativas estudadas, estão as aulas on-line, encontros aos sábados e utilização de dias de férias. A ideia é que até novembro seja apresentado um pacto nacional pelo cumprimento dos 200 dias, o que será muito bem-vindo. A utilização de aulas on-line deve ser analisada com cautela. Durante a pandemia, a estratégia não se mostrou eficaz, uma vez que muitos alunos de baixa renda não tinham os meios necessários para se conectar à internet.

São dramáticas as cenas corriqueiras de alunos e professores escondidos em corredores na tentativa de se proteger de chuvas de tiros. “As escolas já deixam uma folhinha com as crianças para esses casos, ou então mandam alguma tarefa por WhatsApp com instruções”, diz Andreia Martins, pesquisadora de Educação e diretora da Redes da Maré. “Mas a gente percebe que isso não tem valor pedagógico. Num dia de conflito, é uma enorme tensão.”

A suspensão de aulas por episódios de violência é medida acertada, uma vez que a vida de alunos, professores, diretores e funcionários precisa ser preservada acima de tudo. Mas evidentemente isso tem um custo. Para além dos traumas sofridos, os alunos perdem conteúdos importantes, ficando em desvantagem em comparação com outros estudantes. Como é improvável que a guerra entre quadrilhas dê trégua, é fundamental que se tenha logo um plano para reposição das aulas. Estudantes vulneráveis não podem ser punidos pela incapacidade de governos estaduais de garantir a segurança pública e o funcionamento pleno das escolas.

Homicídios em queda, feminicídios em alta

Folha de S. Paulo

A redução de mortes violentas ao menor patamar desde 2011 é boa notícia, mas é preciso conter assassinatos de mulheres

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados na quinta (24), mostram que se mantém a trajetória de queda de mortes violentas (homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e letalidade policial) verificada desde 2018: foram 44.127 em 2024, a menor da série histórica desde 2011, e 5% menor do que o ano anterior.

A redução é avanço indiscutível, embora o número ainda seja elevado e o volume total oculte a situação em diferentes estados e dinâmicas regionais divergentes.

O assassinato por intervenção policial teve diminuição menor (2,7%) em relação a 2023 do que a das mortes violentas. Dos 27 estados brasileiros, 12 apresentaram alta na letalidade policial.
Em todo o país, 6.243 mil pessoas morreram devido a ações das forças de segurança.

A situação das mulheres preocupa. Em 2024, foram computados 1.492 mil feminicídios (quando a motivação se relaciona ao sexo da vítima) —alta de 1,2% ante 2023 e o maior número desde 2015. Houve também aumento de 19% nas tentativas de feminicídio.

Os registros de estupro, no qual mulheres são a imensa maioria das vítimas, chegaram a 87.545 —0,9% a mais do que em 2023. Os ataques perpetrados contra menores de 14 representam 76,8% dos casos, e 65,7% deles se deram no ambiente doméstico.

violência contra as mulheres possui dinâmica peculiar que deve ser considerada no seu enfrentamento —dado que ocorre geralmente em casa e o agressor é um parceiro ou familiar.

É preciso um esforço integrado nas três esferas de governo, com ações interdisciplinares envolvendo conscientização desde a escola, protocolos de atendimento no SUS para detectar ameaças silenciosas, incremento de rede de denúncia e de suporte para mulheres que precisam abandonar o lar.

No Congresso Nacional e nas gestões estaduais, o tema da segurança está contaminado por ideologia baseada no geral em populismo penal, enquanto o governo federal tem dificuldade de apresentar um plano concreto para o setor.

Autoridades devem se respaldar em evidências para que mortes violentas caiam ainda mais no longo prazo e que outros crimes acompanhem a tendência.

Argentina derruba inflação e supera recessão

Folha de S. Paulo

Receita liberal e forte ajuste fiscal começam a mostrar resultados, mas destempero de Milei põe em risco outras reformas

A receita liberal de Javier Milei para a redução de uma inflação que alcançava três dígitos até o fim de 2023 na Argentina não deixa dúvidas sobre sua eficácia. A ponto de ter permitido ao país aumentar, com a valorização do peso, a compra de produtos brasileiros em 55,4% no primeiro semestre de 2025, totalizando US$ 9,1 bilhões.

Os ajustes macroeconômicos já realizados e a boa vontade do Fundo Monetário Internacional (FMI), que alocou US$ 14 bilhões de um pacote de US$ 20 bilhões no país, dão sinais de otimismo.

Em junho, a taxa de inflação alcançou 1,6% —0,1 ponto percentual acima do mês anterior, conforme os dados oficiais. Em 12 meses, fechou em 39,4%, o que não deixa de ser um alívio para um país corroído por uma variação de 211,4% em 2023.

Por mais que a expansão de 0,8% no Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre tenha frustrado expectativas, é inegável a superação do quadro recessivo do ano passado. Anualizada, a atividade cresceu 5,8%.

As derrubadas de controles de capital e de câmbio, embora incompletas, trouxeram melhores expectativas para o investimento e o consumo doméstico. Recentes medidas para tirar do colchão entre US$ 200 bilhões a US$ 400 bilhões da poupança popular, com resposta ainda reticente, prometem alívio nas contas externas.

Tal cenário contribuiu para a melhora da nota de crédito da Argentina pela Moody’s, de Caa3 para Caa1. Embora em grau especulativo, a avaliação assinala o acerto da condução macroeconômica. Mas sugere também o tamanho dos desafios à frente.

As reservas internacionais continuam em nível débil. No âmbito doméstico, está clara a estagnação do poder aquisitivo da maioria dos argentinos, traduzida em níveis elevados de pobreza.

Se a economia do país crescerá 5,5% e registrará taxa de inflação de 35,9% ao fim deste ano, como prevê o FMI, muito dependerá do contexto político. Milei, entretanto, tem reagido de forma bastante desequilibrada diante de recentes percalços.

A decisão da maioria peronista do Congresso de elevar os valores de aposentadorias não só o levou a insultar a oposição e a imprensa. Milei foi além, ao romper ruidosamente com a vice-presidente, Victoria Villarruel, que acumula a presidência do Senado.

A coesão de seu governo mostra-se fragilizada neste período prévio às eleições legislativas de 31 de outubro. As urnas trarão o indicador mais calibrado do quanto os argentinos ainda se dispõem a suportar em nome da estabilização da economia.

Uma decisão kafkiana

O Estado de S. Paulo

Obscura decisão de Moraes sobre o alcance da proibição da presença de Bolsonaro nas redes sociais soa mais como ato de intimidação do que como legítima manifestação da autoridade do STF

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tinha o dever de ser claro ao impor medidas cautelares a Jair Bolsonaro, sobretudo no que concerne à presença do ex-presidente nas redes sociais. No Estado de Direito, ao réu é dado saber precisamente o teor das acusações que pesam contra si e, ademais, como deve se comportar. Mas Moraes foi vago e confuso, o que decerto levou Bolsonaro a se sentir autorizado a conceder entrevista após um ato político havido na Câmara, no dia 21 passado, ocasião em que se deixou filmar e fotografar usando tornozeleira eletrônica – registros que, por óbvio, foram parar nas redes sociais.

Ato contínuo, o ministro intimou os advogados de Bolsonaro, na noite daquele mesmo dia, a prestar esclarecimentos sobre o comportamento do réu, sob ameaça de o ex-presidente ser preso preventivamente. Prudentes, os defensores de Bolsonaro não só prestaram as explicações exigidas, como pediram que Moraes fosse mais explícito acerca do alcance da proibição de uso das redes sociais pelo ex-presidente. Afinal, Bolsonaro não controla tudo o que sai publicado em seu nome.

Em sua resposta, divulgada anteontem, Moraes conseguiu a proeza de soar ainda mais atabalhoado e, desse modo, aumentar a insegurança jurídica que deveria ter sanado. Se a decisão original que impôs as restrições a Bolsonaro já não era um primor de redação, em que pese ter sido correta no mérito, a nova decisão do ministro é uma aberração na forma e no conteúdo.

Moraes considerou que, ao protagonizar o ato no Congresso, Bolsonaro cometeu uma “irregularidade isolada”. Mas, a despeito de ter reconhecido a violação da medida cautelar – e juridicamente não importa se ela foi “isolada” –, o ministro descartou a prisão preventiva do ex-presidente, o que pode ser interpretado como uma decisão política. Na decisão, o ministro esclareceu que “em momento algum” proibiu o réu de conceder entrevistas ou discursar em eventos públicos ou privados, desde que respeitado o horário de recolhimento domiciliar, outra medida cautelar à qual Bolsonaro está submetido. Pudera. Ao que consta, as liberdades de imprensa e de expressão são garantias constitucionais em vigor no País.

Contudo, Moraes enfatizou que não admitirá a “instrumentalização de entrevistas ou discursos públicos como ‘material pré-fabricado’ para posterior postagem nas redes sociais de terceiros previamente coordenados”. O que isso significa, só o próprio ministro é capaz de dizer. Ao que parece, essa foi a fórmula mágica que Moraes encontrou para garantir formalmente a Bolsonaro seu direito de se expressar – e, à imprensa profissional, seu dever de informar a sociedade – enquanto, na prática, censura previamente a palavra do ex-presidente por meio de uma decisão tão obscura que os padrões de obediência decerto só existem na sua cabeça, e não na letra da lei.

Não se pode condenar quem veja nessa obscuridade uma tentativa de Moraes de manter Bolsonaro sob um controle abusivo. Com a espada da ameaça de prisão preventiva sobre sua cabeça, Bolsonaro decerto não emitirá palavra. E jornalistas deixarão de obter informações de interesse público. A lei será o que Sua Excelência achar que é. Evidentemente, não é assim que se exerce a judicatura num Estado Democrático de Direito digno do nome.

É certo que Bolsonaro é suspeito de ter cometido gravíssimos crimes contra a ordem constitucional democrática e, por isso, é réu em ação penal que tramita no STF. Mas justamente pela gravidade dos fatos e pelo ineditismo do processo, a Corte – e Moraes em particular – deve ser e parecer ainda mais imparcial, técnica, clara e contida em seus atos. O papel de um ministro do STF, deveria ser ocioso dizer, é o de zelar pela Constituição, protegendo direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e servindo de baliza para a estabilidade institucional do País.

Uma decisão judicial escrita de forma tão truncada, que precisa ser explicada várias vezes por quem a exarou, demonstra que pode ter sido fruto de qualquer coisa, menos da boa técnica e da temperança.

Brasil endossa falsa tese de genocídio

O Estado de S. Paulo

Ao aderir à ação contra Israel na Corte Internacional – decisão que não alivia o sofrimento palestino nem serve aos interesses do Brasil –, Lula mostra que sua diplomacia é só ideológica

O governo brasileiro vai aderir, na Corte Internacional de Justiça, à ação da África do Sul que acusa Israel de genocídio em Gaza. Com isso, deixou de ser apenas um observador vociferante da guerra para se tornar parte ativa de um processo político e jurídico de implicações graves. A decisão, além de injusta e desproporcional, revela uma diplomacia cada vez mais pautada por impulsos ideológicos, cálculos personalistas e desprezo pela complexidade de uma tragédia que não admite simplificações maniqueístas.

A catástrofe humanitária em Gaza é inegável. O bloqueio, os bombardeios, o colapso dos serviços básicos e a fome em massa configuram uma crise pela qual Israel tem responsabilidade direta. As falhas de condução militar, a retórica desumanizadora de setores da extrema direita no governo israelense e a lentidão na coordenação de corredores humanitários são condenáveis.

Mas reduzir a tragédia à ação israelense é falsificar a realidade. O Hamas, grupo terrorista que governa Gaza com mão de ferro, é o maior responsável por esse desastre. Foi ele quem iniciou a guerra com um massacre brutal. Foi ele quem desmantelou as possibilidades de coexistência pacífica, sabotou negociações anteriores, usa palestinos como escudos humanos e, agora, explora o seu calvário como arma de propaganda.

A lista de crimes do Hamas é longa: ataques deliberados contra civis israelenses, execução de dissidentes, uso de hospitais como bunkers e roubo sistemático de ajuda humanitária. A mais recente implosão das negociações para um cessar-fogo em Doha, que levou os EUA a abandoná-las, escancara essa atitude: segundo o enviado especial Steve Witkoff, o grupo “não está agindo de boa-fé”. O Hamas está fazendo os palestinos famintos de reféns.

Outros atores também têm culpa. O Irã, principal patrocinador do Hamas e outras milícias jihadistas, fomenta o conflito por meio de uma guerra por procuração. A própria ONU falhou em estruturar uma logística humanitária eficiente e em manter a neutralidade de algumas de suas agências em Gaza. A cadeia de culpados, portanto, é extensa – mas o presidente Lula prefere enxergar só um: Israel.

A adesão à tese do genocídio não só ignora essa complexidade, como banaliza a própria definição de genocídio. A acusação exige a demonstração de intenção deliberada de exterminar um povo – e não há evidências disso em Gaza. Crimes de guerra podem e devem ser investigados. Mas chamá-los de genocídio, sem base jurídica robusta, é um abuso retórico que desonra a memória das vítimas de genocídios reais, como os judeus no Holocausto, os armênios no Império Otomano e os tutsis em Ruanda.

Há um paradoxo sombrio em acusar de genocídio justamente um Estado criado após a tentativa sistemática de aniquilação do povo judeu, enquanto se ignora que o Hamas, por estatuto e prática, defende exatamente isso. Lula parece indiferente a essa ironia. Para ele, o vocabulário da guerra importa menos que o espetáculo da retórica. Ao repetir chavões sobre opressores e oprimidos, ricos e pobres, Norte e Sul, busca se afirmar como líder do chamado “Sul Global” – uma ambição que combina voluntarismo diplomático, nostalgia terceiro-mundista e oportunismo geopolítico.

Essa conduta tem custos. Ao tomar parte de forma escancarada, o Brasil se afasta do papel tradicional de mediador confiável. Dificulta o diálogo com Israel, tensiona a relação com os EUA e compromete sua credibilidade em fóruns multilaterais. Em vez de buscar construir pontes, Lula opta por engrossar o coro de regimes autoritários antiocidentais, como Irã, Rússia e Venezuela, cuja adesão ao “humanismo” é seletiva e cínica.

A diplomacia brasileira já viveu dias de equilíbrio, respeito aos direitos humanos e pragmatismo inteligente. Hoje, é arrastada por um projeto pessoal que confunde convicção com dogma, justiça com propaganda e liderança com aplauso fácil. A acusação contra Israel não fará avançar a paz nem aliviará o sofrimento dos palestinos. Mas servirá para alimentar uma narrativa ideológica que sacrifica a razão, distorce os fatos e desmoraliza o Brasil.

Tapete vermelho para os brucutus

O Estado de S. Paulo

Enquanto os vândalos do MST invadem sedes do Incra, Lula os recebe no Palácio do Planalto

No mesmo dia em que a cúpula do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) visitava o presidente Lula da Silva no Palácio do Planalto, muitos dos seus integrantes se espalhavam pelo Brasil para executar aquilo em que se especializaram: vandalismo. A pretexto de forçar o mesmo governo que lhe beija a mão a fazer a reforma agrária, os baderneiros ocuparam as sedes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 21 Estados e no Distrito Federal. Foram 17 mil sem-terra mobilizados, segundo o movimento, protestando – vamos chamar assim – por ocasião da chamada Semana Camponesa.

É o método de sempre. De um lado, a convicção, herdada de longa data, de que a desordem e a força bruta constituem o melhor instrumento para reivindicar direitos. De outro, a audácia de quem se sente protegido pelo presidente-companheiro ao cometer crimes em série em nomes de uma certa “justiça social”. Há décadas, Lula demonstra apoio – ora tácito, ora explícito – à truculência do MST, que costuma cobrar respeito pelos seus direitos enquanto atropela os direitos alheios.

Ainda que, vez ou outra, o petista peça moderação a quem nunca foi moderado, sua tibieza facilita a delinquência disfarçada de ação política. Se já seria grave Lula agir assim na condição de líder oposicionista, passa a ser afronta como presidente da República, papel que lhe deveria exigir o mais pleno respeito às leis e à convivência democrática no campo e nas cidades. O convescote no Palácio, no mesmo dia das invasões, torna mais vergonhoso esse casamento.

Mas isso não é tudo. Chama a atenção a providencial adequação do discurso à conveniência das circunstâncias. Dois dias antes, o movimento divulgou uma carta aberta na qual não só cobrava avanços na reforma agrária como dizia que “soberania nacional só é possível com soberania alimentar”, fazendo alusão evidente à campanha que Lula e o PT encampam em defesa da soberania do Brasil após o tarifaço do presidente dos EUA, Donald Trump.

É a marotagem de quem sabe que a bandeira da reforma agrária faz cada vez menos sentido em um país que é hoje uma das maiores potências agrícolas do planeta. Já foi o tempo em que o MST invadia “latifúndios improdutivos”, nome habitualmente usado para qualificar qualquer fazenda que ocupa. O jeito é procurar outra clientela, conforme o momento e a oportunidade: anos atrás, por exemplo, durante o governo de Michel Temer, além da questão fundiária, o MST passou a reivindicar outras pautas, como o combate ao desemprego e à corrupção – não a corrupção do PT, claro, já que seus líderes permaneceram mudos enquanto denúncias contra os governos petistas jorravam pelo Brasil.

Em resposta ao MST, o Ministério do Desenvolvimento Agrário argumentou que o País “retomou o ritmo dos dois primeiros governos do presidente Lula”, citando mais de 13 mil novos lotes para assentamentos. Não é de hoje que líderes do movimento se queixam do trabalho do ministro Paulo Teixeira. Seria louvável constatar que Lula apenas os ignora, ou finge ignorá-los. O problema é que o petista também se omite diante da ação, dos métodos e dos argumentos exibidos por esse grupelho liberticida.

Aliança rara nos EUA pressiona contra o tarifaço

Correio Braziliense

Trata-se de um raro momento em que congressistas norte-americanos se aliam, ainda que por conveniência, à defesa da soberania brasileira

A uma semana do início do tarifaço de Donald Trump contra o Brasil, cresce em Washington o coro de vozes contrárias à decisão do presidente americano de impor tarifas de 50% sobre as exportações brasileiras em razão do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Não se trata apenas de divergências partidárias ou de uma disputa interna entre democratas e republicanos. A carta enviada por 11 senadores democratas a Trump, liderada por Tim Kaine e Jeanne Shaheen, explicita o desconforto com o uso abusivo do poder econômico dos Estados Unidos para interferir diretamente no sistema judicial de um país soberano.

Os senadores lembram que a ameaça tarifária não está vinculada a desequilíbrios comerciais, uma vez que os EUA mantêm superavit com o Brasil desde 2007 — foram US$ 7,4 bilhões em 2024. Tampouco se trata de proteger empregos americanos ou corrigir assimetrias de mercado. O objetivo declarado por Trump, como reiterado em carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é pressionar o Judiciário brasileiro a encerrar o processo contra Jair Bolsonaro, acusado de conspirar para anular as eleições de 2022 e liderar uma tentativa de golpe de Estado.

A crítica dos parlamentares americanos, além da dimensão moral ou institucional, aponta um cálculo de risco econômico e estratégico: o comércio bilateral movimenta mais de US$ 40 bilhões anuais e sustenta cerca de 130 mil empregos nos EUA. Uma guerra comercial elevaria custos para famílias e empresas americanas, além de gerar eventuais represálias brasileiras. Trump já prometeu retaliar ainda mais o Brasil, caso o presidente Lula aplique a Lei da Reciprocidade, criando um círculo vicioso de taxações que poderia chegar a 100% sobre diversos produtos.

Há um contencioso geopolítico perigoso. Ao empurrar o Brasil para o confronto, Trump abre caminho para que Pequim amplie sua influência na América Latina. A carta dos senadores lembra que empresas estatais chinesas investem pesadamente em portos e ferrovias no Brasil, e que o distanciamento entre Brasília e Washington favoreceria a integração do país à Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road). Em outras palavras, o gesto em defesa de Bolsonaro acabaria por contrariar interesses estratégicos dos EUA.

Trata-se de um raro momento em que congressistas norte-americanos se aliam, ainda que por conveniência, à defesa da soberania brasileira. Os senadores deixam claro que a prioridade dos EUA deveria ser fortalecer relações econômicas mutuamente benéficas e apoiar democracias, não interferir em processos judiciais para proteger amigos pessoais do presidente. Nomes de peso do Partido Democrata, como Dick Durbin, Kirsten Gillibrand e Adam Schiff, e vozes moderadas, como a de Mark Warner, subscrevem o documento. Parlamentares republicanos, sobretudo ligados ao agronegócio e à indústria importadora, compartilham dessa visão, ainda que silenciosamente.

No Brasil visto por eles, o gesto serve como contraponto ao discurso de que o país estaria isolado. Mostra que, dentro dos EUA, existe um campo político democrático sensível aos custos econômicos e aos riscos institucionais dessa aventura tarifária. Essa pressão pode não ser suficiente para conter a intransigência da Casa Branca, mas serve para deslegitimar aos olhos do mundo e dos brasileiros a narrativa mentirosa de Trump de que o Brasil explora a economia norte-americana e não é uma democracia.

Por ora, o que se vê é um presidente que usa seu poder econômico e militar como instrumento de chantagem. Para Kaine, Shaheen e seus colegas, Trump ameaça não apenas os laços comerciais com o Brasil, mas a própria credibilidade dos EUA. Um tarifaço imposto por razões pessoais pode custar caro para a imagem de liderança global pretendida por Washington.

As negociações com os EUA vão progredir?

O Povo (CE)

O governo brasileiro age corretamente mantendo a disposição para o diálogo ao tempo em que traça uma linha que não admitirá que seja ultrapassada: a de aceitar exigências que ofendam a soberania brasileira

A Casa Branca parece ter enviado um sinal, ainda fraco, que pretende negociar com o Palácio do Planalto, depois de impor um tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos.

O aumento das tarifas, que deve começar a vigorar em agosto, caso fracassem as negociações, pode ser classificado como uma chantagem contra o governo brasileiro.

A decisão americana foi divulgada fora dos canais diplomáticos, em uma carta com mentiras e exigências políticas, misturadas a questões econômicas.

O documento foi rechaçado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sempre cuidando em destacar que o Brasil estava aberto a negociações.

Agora, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, que acumula o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, manteve um diálogo, por telefone, com o secretário de Comércio dos Estados Unidos (EUA), Howard Lutnick. É o primeiro contato entre duas autoridades de primeiro escalão dos dois governos, desde o anúncio da taxação.

Alckmin não adiantou qual tema foi especificamente tratado com Lutnick, mas disse que foram abordados "todos os pontos" — e classificou o diálogo como "positivo", destacando o interesse do Brasil em negociar.

No entanto, deixou claro que a orientação do presidente Lula era isolar as negociações da "contaminação política" ou ideológica, centrando a conversa na busca de propostas para a questão comercial.

Uma comitiva suprapartidária de senadores brasileiros desembarca em Washington este fim de semana. Eles vão se reunir com parlamentares e empresários americanos para encontrar aliados na tentativa de reverter o tarifaço. Iniciativas em busca de um acordo não faltam.

Alguns analistas avaliam que o Brasil tem pouca chance em um possível enfrentamento com o presidente americano Donald Trump, e teria muito mais a perder.

Mas, na avaliação do professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Oliver Stuenkel, esse tipo de pressão funciona em países "muito dependentes dos Estados Unidos, extremamente frágeis". Países muito diferentes do Brasil, na visão de Stuenkel, como disse em entrevista ao jornal Valor Econômico.

Segundo ele, os diplomatas americanos têm a expectativa de que o Brasil "se comporte como um país da América Central". Ou mesmo como o México que, "apesar de ser um país grande, é muito dependente dos Estados Unidos". O que não é o caso do Brasil, diz ele.

O fato é que o governo Lula com alguns senões aqui outros acolá conduz as negociações de forma correta, mantendo a disposição para o diálogo, ao tempo em que traça uma linha que não admitirá que seja ultrapassada: a de aceitar exigências que ofendam a soberania brasileira.

É o mínimo que um país livre pode fazer, quando ataques estrangeiros visam desmoralizar suas instituições democráticas.

 

 


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.