Israel tem de acabar com catástrofe da fome em Gaza
O Globo
Cenas dantescas de uma população civil esfomeada superam os piores temores da comunidade internacional
Depois de 21 meses de conflito, a fome na Faixa de Gaza chegou a níveis inimagináveis. Nesta semana, aliados históricos de Israel aumentaram a pressão para que a distribuição de mantimentos seja ampla, ininterrupta e eficiente. Na quinta-feira, o presidente francês, Emmanuel Macron, mencionou a fome ao anunciar que reconhecerá o Estado palestino. No início da semana, mais de duas dezenas de países, incluindo Reino Unido, Canadá, Japão e nações da União Europeia (UE), condenaram em nota a “distribuição de ajuda em conta-gotas” e a “matança desumana de civis”. As cenas são dantescas. E, se não tiverem fim, acabarão com o pouco apoio que Israel ainda tem na opinião pública internacional.
É verdade que o Hamas é um grupo sórdido.
Defende o aniquilamento de Israel e de sua população. Da Faixa de Gaza,
terroristas do grupo deram início a uma barbárie quando invadiram Israel em 7
de outubro de 2023, matando mais de 1.200 e sequestrando mais de 250, parte
ainda mantida em cativeiro. A resposta israelense, legítima, não demorou. De lá
para cá, as Forças Armadas deram início à operação em Gaza, enfraqueceram o
Hezbollah no Líbano, atacaram os rebeldes houthis no Iêmen e realizaram o plano
havia muito guardado de bombardear as instalações nucleares do Irã, o maior
adversário regional. As ações militares, principalmente em Gaza, serviram de
pretexto para uma onda de manifestações antissemitas em várias partes do mundo,
inclusive no Brasil, que precisam ser sempre repudiadas, com veemência. A ideia
de varrer Israel do mapa não é apenas alucinada, é abjeta.
Não são, porém, sem base as graves denúncias
contra o governo do primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu. Há inúmeras evidências de abusos no uso da força e também na
retenção continuada das remessas de comida para uma população esfomeada.
Guerras costumam provocar a fome na população das regiões afetadas. Essa é a
regra quando grupos rebeldes ou regimes autoritários estão envolvidos. Mas, por
ser uma democracia, Israel precisa perseguir outros parâmetros.
A acusação do governo Netanyahu de que o
Hamas faz uso e se beneficia dos carregamentos de comida pode ser verdadeira,
mas não deve ser usada como desculpa para reter as remessas. Quase um terço da
população de Gaza passa dias sem comer, diz o Programa Mundial de Alimentos,
da ONU,
que acusa Israel de criar “obstáculos burocráticos, logísticos, administrativos
e operacionais” para a distribuição de ajuda humanitária. É por isso que os
preços dos produtos que ainda são achados chegaram a níveis inéditos. O valor
de um saco de 25 quilos de farinha aumentou 7.800% desde setembro de 2023.
A permissão para o lançamento de pacotes a partir de aviões da Jordânia e dos Emirados Árabes Unidos nos próximos dias é pouco diante do desafio de abastecer a população local. Numa declaração conjunta divulgada nesta sexta-feira, os governos da Reino Unido, França e Alemanha disseram que “a catástrofe humanitária que estamos testemunhando em Gaza deve acabar agora”. A atitude do governo Netanyahu não condiz com o espírito democrático e a cultura do povo judeu.
Ministério Público faz bem ao pressionar por reposição de aulas
O Globo
Alunos em zonas de conflito que sofrem com
cancelamentos precisam cumprir toda a carga horária
Está certo o Ministério
Público Federal (MPF) em cobrar do Conselho Nacional de Educação (CNE)
rapidez na apresentação de um plano para reposição de aulas canceladas em
consequência de episódios de violência no
entorno de escolas. O MPF pede que o documento seja concluído em 120 dias. A
suspensão de atividades em decorrência de operações policiais ou guerras entre
organizações criminosas infelizmente é uma realidade nas cidades brasileiras, e
as crianças que frequentam escolas mais expostas não podem ser prejudicadas.
No início do ano, o CNE criou uma comissão de
acompanhamento da obrigatoriedade de cumprimento dos 200 dias letivos, após
mobilização da Redes da Maré, organização da sociedade civil que atua no
complexo de favelas da Zona Norte do Rio. O objetivo é monitorar as redes
educacionais afetadas pela suspensão de aulas em razão da violência ou de
fenômenos climáticos extremos (o escopo do plano foi acertadamente ampliado
pela comissão). Os 200 dias são o tempo previsto pela legislação, mas nem
sempre conseguem ser cumpridos. E a reposição costuma ser incerta. “Em muitos
casos, há um arremedo dos dias impactados”, disse
ao GLOBO a conselheira Cleonice Rehem, que preside a comissão.
As formas de reposição ainda estão sendo
discutidas. Entre as alternativas estudadas, estão as aulas on-line, encontros
aos sábados e utilização de dias de férias. A ideia é que até novembro seja
apresentado um pacto nacional pelo cumprimento dos 200 dias, o que será muito
bem-vindo. A utilização de aulas on-line deve ser analisada com cautela.
Durante a pandemia, a estratégia não se mostrou eficaz, uma vez que muitos
alunos de baixa renda não tinham os meios necessários para se conectar à
internet.
São dramáticas as cenas corriqueiras de
alunos e professores escondidos em corredores na tentativa de se proteger de
chuvas de tiros. “As escolas já deixam uma folhinha com as crianças para esses
casos, ou então mandam alguma tarefa por WhatsApp com instruções”, diz Andreia
Martins, pesquisadora de Educação e diretora da Redes da Maré. “Mas a gente
percebe que isso não tem valor pedagógico. Num dia de conflito, é uma enorme
tensão.”
A suspensão de aulas por episódios de
violência é medida acertada, uma vez que a vida de alunos, professores,
diretores e funcionários precisa ser preservada acima de tudo. Mas
evidentemente isso tem um custo. Para além dos traumas sofridos, os alunos perdem
conteúdos importantes, ficando em desvantagem em comparação com outros
estudantes. Como é improvável que a guerra entre quadrilhas dê trégua, é
fundamental que se tenha logo um plano para reposição das aulas. Estudantes
vulneráveis não podem ser punidos pela incapacidade de governos estaduais de
garantir a segurança pública e o funcionamento pleno das escolas.
Homicídios em queda, feminicídios em alta
Folha de S. Paulo
A redução de mortes violentas ao menor
patamar desde 2011 é boa notícia, mas é preciso conter assassinatos de mulheres
Dados do Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, divulgados na quinta (24), mostram que se
mantém a trajetória de queda de mortes violentas (homicídios dolosos,
latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e letalidade policial)
verificada desde 2018: foram 44.127 em 2024, a menor da série histórica desde
2011, e 5% menor do que o ano anterior.
A redução é avanço indiscutível, embora o
número ainda seja elevado e o volume total oculte a situação em diferentes
estados e dinâmicas regionais divergentes.
O assassinato por intervenção policial teve
diminuição menor (2,7%) em relação a 2023 do que a das mortes violentas. Dos 27
estados brasileiros, 12 apresentaram alta na letalidade policial.
Em todo o país, 6.243 mil pessoas morreram devido a ações das forças de
segurança.
A situação das mulheres preocupa. Em 2024,
foram computados 1.492 mil feminicídios (quando a motivação se relaciona ao
sexo da vítima) —alta de 1,2% ante 2023 e o maior número desde 2015. Houve
também aumento de 19% nas tentativas de feminicídio.
Os registros de estupro, no
qual mulheres são a imensa maioria das vítimas, chegaram a 87.545 —0,9% a mais
do que em 2023. Os ataques perpetrados contra menores de 14 representam 76,8%
dos casos, e 65,7% deles se deram no ambiente doméstico.
A violência contra
as mulheres possui dinâmica peculiar que deve ser considerada no seu
enfrentamento —dado que ocorre geralmente em casa e o agressor é um parceiro ou
familiar.
É preciso um esforço integrado nas três
esferas de governo, com ações interdisciplinares envolvendo conscientização
desde a escola, protocolos de atendimento no SUS para detectar ameaças
silenciosas, incremento de rede de denúncia e de suporte para mulheres que
precisam abandonar o lar.
No Congresso
Nacional e nas gestões estaduais, o
tema da segurança está contaminado por ideologia baseada no geral em
populismo penal, enquanto o governo federal tem dificuldade de apresentar um
plano concreto para o setor.
Autoridades devem se respaldar em evidências
para que mortes violentas caiam ainda mais no longo prazo e que outros crimes
acompanhem a tendência.
Argentina derruba inflação e supera recessão
Folha de S. Paulo
Receita liberal e forte ajuste fiscal começam
a mostrar resultados, mas destempero de Milei põe em risco outras reformas
A receita liberal de Javier Milei para
a redução de uma inflação que
alcançava três dígitos até o fim de 2023 na Argentina não
deixa dúvidas sobre sua eficácia. A ponto de ter permitido ao país aumentar,
com a valorização do peso, a
compra de produtos brasileiros em 55,4% no primeiro semestre de 2025,
totalizando US$ 9,1 bilhões.
Os ajustes macroeconômicos já realizados e a
boa vontade do Fundo Monetário Internacional (FMI), que alocou
US$ 14 bilhões de um pacote de US$ 20 bilhões no país, dão sinais de otimismo.
Em junho, a
taxa de inflação alcançou 1,6% —0,1 ponto percentual acima do mês
anterior, conforme os dados oficiais. Em 12 meses, fechou em 39,4%, o que não
deixa de ser um alívio para um país corroído por uma variação de 211,4% em
2023.
Por mais que a expansão de 0,8% no Produto
Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre tenha frustrado expectativas, é
inegável a superação do quadro recessivo do ano passado. Anualizada, a
atividade cresceu 5,8%.
As derrubadas de controles de capital e de
câmbio, embora incompletas, trouxeram melhores expectativas para o investimento
e o consumo doméstico. Recentes medidas para tirar do colchão entre US$ 200
bilhões a US$ 400 bilhões da poupança popular, com resposta ainda reticente,
prometem alívio nas contas externas.
Tal cenário contribuiu para a melhora da nota
de crédito da Argentina pela Moody’s, de Caa3 para Caa1. Embora em grau
especulativo, a avaliação assinala o acerto da condução macroeconômica. Mas
sugere também o tamanho dos desafios à frente.
As reservas internacionais continuam em nível
débil. No âmbito doméstico, está clara a estagnação do poder aquisitivo da
maioria dos argentinos, traduzida em níveis elevados de pobreza.
Se a economia do
país crescerá 5,5% e registrará taxa de inflação de 35,9% ao fim deste ano,
como prevê o FMI, muito dependerá do contexto político. Milei, entretanto, tem
reagido de forma bastante desequilibrada diante de recentes percalços.
A decisão da maioria peronista do Congresso
de elevar os valores de aposentadorias não só o levou a insultar a oposição e a
imprensa. Milei foi além, ao romper
ruidosamente com a vice-presidente, Victoria Villarruel, que acumula a
presidência do Senado.
A coesão de seu governo mostra-se fragilizada
neste período prévio às eleições legislativas de 31 de outubro. As urnas trarão
o indicador mais calibrado do quanto os argentinos ainda se dispõem a suportar
em nome da estabilização da economia.
Uma decisão kafkiana
O Estado de S. Paulo
Obscura decisão de Moraes sobre o alcance da
proibição da presença de Bolsonaro nas redes sociais soa mais como ato de
intimidação do que como legítima manifestação da autoridade do STF
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes tinha o dever de ser claro ao impor medidas cautelares a
Jair Bolsonaro, sobretudo no que concerne à presença do ex-presidente nas redes
sociais. No Estado de Direito, ao réu é dado saber precisamente o teor das
acusações que pesam contra si e, ademais, como deve se comportar. Mas Moraes
foi vago e confuso, o que decerto levou Bolsonaro a se sentir autorizado a
conceder entrevista após um ato político havido na Câmara, no dia 21 passado, ocasião
em que se deixou filmar e fotografar usando tornozeleira eletrônica – registros
que, por óbvio, foram parar nas redes sociais.
Ato contínuo, o ministro intimou os advogados
de Bolsonaro, na noite daquele mesmo dia, a prestar esclarecimentos sobre o
comportamento do réu, sob ameaça de o ex-presidente ser preso preventivamente.
Prudentes, os defensores de Bolsonaro não só prestaram as explicações exigidas,
como pediram que Moraes fosse mais explícito acerca do alcance da proibição de
uso das redes sociais pelo ex-presidente. Afinal, Bolsonaro não controla tudo o
que sai publicado em seu nome.
Em sua resposta, divulgada anteontem, Moraes
conseguiu a proeza de soar ainda mais atabalhoado e, desse modo, aumentar a
insegurança jurídica que deveria ter sanado. Se a decisão original que impôs as
restrições a Bolsonaro já não era um primor de redação, em que pese ter sido
correta no mérito, a nova decisão do ministro é uma aberração na forma e no
conteúdo.
Moraes considerou que, ao protagonizar o ato
no Congresso, Bolsonaro cometeu uma “irregularidade isolada”. Mas, a despeito
de ter reconhecido a violação da medida cautelar – e juridicamente não importa
se ela foi “isolada” –, o ministro descartou a prisão preventiva do
ex-presidente, o que pode ser interpretado como uma decisão política. Na
decisão, o ministro esclareceu que “em momento algum” proibiu o réu de conceder
entrevistas ou discursar em eventos públicos ou privados, desde que respeitado
o horário de recolhimento domiciliar, outra medida cautelar à qual Bolsonaro
está submetido. Pudera. Ao que consta, as liberdades de imprensa e de expressão
são garantias constitucionais em vigor no País.
Contudo, Moraes enfatizou que não admitirá a
“instrumentalização de entrevistas ou discursos públicos como ‘material
pré-fabricado’ para posterior postagem nas redes sociais de terceiros
previamente coordenados”. O que isso significa, só o próprio ministro é capaz
de dizer. Ao que parece, essa foi a fórmula mágica que Moraes encontrou para
garantir formalmente a Bolsonaro seu direito de se expressar – e, à imprensa
profissional, seu dever de informar a sociedade – enquanto, na prática, censura
previamente a palavra do ex-presidente por meio de uma decisão tão obscura que
os padrões de obediência decerto só existem na sua cabeça, e não na letra da
lei.
Não se pode condenar quem veja nessa
obscuridade uma tentativa de Moraes de manter Bolsonaro sob um controle
abusivo. Com a espada da ameaça de prisão preventiva sobre sua cabeça,
Bolsonaro decerto não emitirá palavra. E jornalistas deixarão de obter informações
de interesse público. A lei será o que Sua Excelência achar que é.
Evidentemente, não é assim que se exerce a judicatura num Estado Democrático de
Direito digno do nome.
É certo que Bolsonaro é suspeito de ter
cometido gravíssimos crimes contra a ordem constitucional democrática e, por
isso, é réu em ação penal que tramita no STF. Mas justamente pela gravidade dos
fatos e pelo ineditismo do processo, a Corte – e Moraes em particular – deve
ser e parecer ainda mais imparcial, técnica, clara e contida em seus atos. O
papel de um ministro do STF, deveria ser ocioso dizer, é o de zelar pela
Constituição, protegendo direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e
servindo de baliza para a estabilidade institucional do País.
Uma decisão judicial escrita de forma tão
truncada, que precisa ser explicada várias vezes por quem a exarou, demonstra
que pode ter sido fruto de qualquer coisa, menos da boa técnica e da
temperança.
Brasil endossa falsa tese de genocídio
O Estado de S. Paulo
Ao aderir à ação contra Israel na Corte
Internacional – decisão que não alivia o sofrimento palestino nem serve aos
interesses do Brasil –, Lula mostra que sua diplomacia é só ideológica
O governo brasileiro vai aderir, na Corte
Internacional de Justiça, à ação da África do Sul que acusa Israel de genocídio
em Gaza. Com isso, deixou de ser apenas um observador vociferante da guerra
para se tornar parte ativa de um processo político e jurídico de implicações
graves. A decisão, além de injusta e desproporcional, revela uma diplomacia
cada vez mais pautada por impulsos ideológicos, cálculos personalistas e
desprezo pela complexidade de uma tragédia que não admite simplificações
maniqueístas.
A catástrofe humanitária em Gaza é inegável.
O bloqueio, os bombardeios, o colapso dos serviços básicos e a fome em massa
configuram uma crise pela qual Israel tem responsabilidade direta. As falhas de
condução militar, a retórica desumanizadora de setores da extrema direita no
governo israelense e a lentidão na coordenação de corredores humanitários são
condenáveis.
Mas reduzir a tragédia à ação israelense é
falsificar a realidade. O Hamas, grupo terrorista que governa Gaza com mão de
ferro, é o maior responsável por esse desastre. Foi ele quem iniciou a guerra
com um massacre brutal. Foi ele quem desmantelou as possibilidades de
coexistência pacífica, sabotou negociações anteriores, usa palestinos como
escudos humanos e, agora, explora o seu calvário como arma de propaganda.
A lista de crimes do Hamas é longa: ataques
deliberados contra civis israelenses, execução de dissidentes, uso de hospitais
como bunkers e roubo sistemático de ajuda humanitária. A mais recente implosão
das negociações para um cessar-fogo em Doha, que levou os EUA a abandoná-las,
escancara essa atitude: segundo o enviado especial Steve Witkoff, o grupo “não
está agindo de boa-fé”. O Hamas está fazendo os palestinos famintos de reféns.
Outros atores também têm culpa. O Irã,
principal patrocinador do Hamas e outras milícias jihadistas, fomenta o
conflito por meio de uma guerra por procuração. A própria ONU falhou em
estruturar uma logística humanitária eficiente e em manter a neutralidade de
algumas de suas agências em Gaza. A cadeia de culpados, portanto, é extensa –
mas o presidente Lula prefere enxergar só um: Israel.
A adesão à tese do genocídio não só ignora
essa complexidade, como banaliza a própria definição de genocídio. A acusação
exige a demonstração de intenção deliberada de exterminar um povo – e não há
evidências disso em Gaza. Crimes de guerra podem e devem ser investigados. Mas
chamá-los de genocídio, sem base jurídica robusta, é um abuso retórico que
desonra a memória das vítimas de genocídios reais, como os judeus no
Holocausto, os armênios no Império Otomano e os tutsis em Ruanda.
Há um paradoxo sombrio em acusar de genocídio
justamente um Estado criado após a tentativa sistemática de aniquilação do povo
judeu, enquanto se ignora que o Hamas, por estatuto e prática, defende
exatamente isso. Lula parece indiferente a essa ironia. Para ele, o vocabulário
da guerra importa menos que o espetáculo da retórica. Ao repetir chavões sobre
opressores e oprimidos, ricos e pobres, Norte e Sul, busca se afirmar como
líder do chamado “Sul Global” – uma ambição que combina voluntarismo diplomático,
nostalgia terceiro-mundista e oportunismo geopolítico.
Essa conduta tem custos. Ao tomar parte de
forma escancarada, o Brasil se afasta do papel tradicional de mediador
confiável. Dificulta o diálogo com Israel, tensiona a relação com os EUA e
compromete sua credibilidade em fóruns multilaterais. Em vez de buscar
construir pontes, Lula opta por engrossar o coro de regimes autoritários
antiocidentais, como Irã, Rússia e Venezuela, cuja adesão ao “humanismo” é
seletiva e cínica.
A diplomacia brasileira já viveu dias de
equilíbrio, respeito aos direitos humanos e pragmatismo inteligente. Hoje, é
arrastada por um projeto pessoal que confunde convicção com dogma, justiça com
propaganda e liderança com aplauso fácil. A acusação contra Israel não fará
avançar a paz nem aliviará o sofrimento dos palestinos. Mas servirá para
alimentar uma narrativa ideológica que sacrifica a razão, distorce os fatos e
desmoraliza o Brasil.
Tapete vermelho para os brucutus
O Estado de S. Paulo
Enquanto os vândalos do MST invadem sedes do
Incra, Lula os recebe no Palácio do Planalto
No mesmo dia em que a cúpula do Movimento dos
Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) visitava o presidente Lula da Silva no
Palácio do Planalto, muitos dos seus integrantes se espalhavam pelo Brasil para
executar aquilo em que se especializaram: vandalismo. A pretexto de forçar o
mesmo governo que lhe beija a mão a fazer a reforma agrária, os baderneiros
ocuparam as sedes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) em 21 Estados e no Distrito Federal. Foram 17 mil sem-terra
mobilizados, segundo o movimento, protestando – vamos chamar assim – por
ocasião da chamada Semana Camponesa.
É o método de sempre. De um lado, a
convicção, herdada de longa data, de que a desordem e a força bruta constituem
o melhor instrumento para reivindicar direitos. De outro, a audácia de quem se
sente protegido pelo presidente-companheiro ao cometer crimes em série em nomes
de uma certa “justiça social”. Há décadas, Lula demonstra apoio – ora tácito,
ora explícito – à truculência do MST, que costuma cobrar respeito pelos seus
direitos enquanto atropela os direitos alheios.
Ainda que, vez ou outra, o petista peça
moderação a quem nunca foi moderado, sua tibieza facilita a delinquência
disfarçada de ação política. Se já seria grave Lula agir assim na condição de
líder oposicionista, passa a ser afronta como presidente da República, papel
que lhe deveria exigir o mais pleno respeito às leis e à convivência
democrática no campo e nas cidades. O convescote no Palácio, no mesmo dia das
invasões, torna mais vergonhoso esse casamento.
Mas isso não é tudo. Chama a atenção a
providencial adequação do discurso à conveniência das circunstâncias. Dois dias
antes, o movimento divulgou uma carta aberta na qual não só cobrava avanços na
reforma agrária como dizia que “soberania nacional só é possível com soberania
alimentar”, fazendo alusão evidente à campanha que Lula e o PT encampam em
defesa da soberania do Brasil após o tarifaço do presidente dos EUA, Donald
Trump.
É a marotagem de quem sabe que a bandeira da
reforma agrária faz cada vez menos sentido em um país que é hoje uma das
maiores potências agrícolas do planeta. Já foi o tempo em que o MST invadia
“latifúndios improdutivos”, nome habitualmente usado para qualificar qualquer
fazenda que ocupa. O jeito é procurar outra clientela, conforme o momento e a
oportunidade: anos atrás, por exemplo, durante o governo de Michel Temer, além
da questão fundiária, o MST passou a reivindicar outras pautas, como o combate ao
desemprego e à corrupção – não a corrupção do PT, claro, já que seus líderes
permaneceram mudos enquanto denúncias contra os governos petistas jorravam pelo
Brasil.
Em resposta ao MST, o Ministério do
Desenvolvimento Agrário argumentou que o País “retomou o ritmo dos dois
primeiros governos do presidente Lula”, citando mais de 13 mil novos lotes para
assentamentos. Não é de hoje que líderes do movimento se queixam do trabalho do
ministro Paulo Teixeira. Seria louvável constatar que Lula apenas os ignora, ou
finge ignorá-los. O problema é que o petista também se omite diante da ação,
dos métodos e dos argumentos exibidos por esse grupelho liberticida.
Aliança rara nos EUA pressiona contra o
tarifaço
Correio Braziliense
Trata-se de um raro momento em que
congressistas norte-americanos se aliam, ainda que por conveniência, à defesa
da soberania brasileira
A uma semana do início do tarifaço de Donald
Trump contra o Brasil, cresce em Washington o coro de vozes contrárias à
decisão do presidente americano de impor tarifas de 50% sobre as exportações
brasileiras em razão do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Não se
trata apenas de divergências partidárias ou de uma disputa interna entre
democratas e republicanos. A carta enviada por 11 senadores democratas a Trump,
liderada por Tim Kaine e Jeanne Shaheen, explicita o desconforto com o uso
abusivo do poder econômico dos Estados Unidos para interferir diretamente no
sistema judicial de um país soberano.
Os senadores lembram que a ameaça tarifária
não está vinculada a desequilíbrios comerciais, uma vez que os EUA mantêm
superavit com o Brasil desde 2007 — foram US$ 7,4 bilhões em 2024. Tampouco se
trata de proteger empregos americanos ou corrigir assimetrias de mercado. O
objetivo declarado por Trump, como reiterado em carta ao presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, é pressionar o Judiciário brasileiro a encerrar o processo
contra Jair Bolsonaro, acusado de conspirar para anular as eleições de 2022 e
liderar uma tentativa de golpe de Estado.
A crítica dos parlamentares americanos, além
da dimensão moral ou institucional, aponta um cálculo de risco econômico e
estratégico: o comércio bilateral movimenta mais de US$ 40 bilhões anuais e
sustenta cerca de 130 mil empregos nos EUA. Uma guerra comercial elevaria
custos para famílias e empresas americanas, além de gerar eventuais represálias
brasileiras. Trump já prometeu retaliar ainda mais o Brasil, caso o presidente
Lula aplique a Lei da Reciprocidade, criando um círculo vicioso de taxações que
poderia chegar a 100% sobre diversos produtos.
Há um contencioso geopolítico perigoso. Ao
empurrar o Brasil para o confronto, Trump abre caminho para que Pequim amplie
sua influência na América Latina. A carta dos senadores lembra que empresas
estatais chinesas investem pesadamente em portos e ferrovias no Brasil, e que o
distanciamento entre Brasília e Washington favoreceria a integração do país à
Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road). Em outras palavras, o gesto em
defesa de Bolsonaro acabaria por contrariar interesses estratégicos dos EUA.
Trata-se de um raro momento em que
congressistas norte-americanos se aliam, ainda que por conveniência, à defesa
da soberania brasileira. Os senadores deixam claro que a prioridade dos EUA
deveria ser fortalecer relações econômicas mutuamente benéficas e apoiar
democracias, não interferir em processos judiciais para proteger amigos
pessoais do presidente. Nomes de peso do Partido Democrata, como Dick Durbin,
Kirsten Gillibrand e Adam Schiff, e vozes moderadas, como a de Mark Warner,
subscrevem o documento. Parlamentares republicanos, sobretudo ligados ao
agronegócio e à indústria importadora, compartilham dessa visão, ainda que
silenciosamente.
No Brasil visto por eles, o gesto serve como
contraponto ao discurso de que o país estaria isolado. Mostra que, dentro dos
EUA, existe um campo político democrático sensível aos custos econômicos e aos
riscos institucionais dessa aventura tarifária. Essa pressão pode não ser
suficiente para conter a intransigência da Casa Branca, mas serve para
deslegitimar aos olhos do mundo e dos brasileiros a narrativa mentirosa de
Trump de que o Brasil explora a economia norte-americana e não é uma
democracia.
Por ora, o que se vê é um presidente que usa
seu poder econômico e militar como instrumento de chantagem. Para Kaine,
Shaheen e seus colegas, Trump ameaça não apenas os laços comerciais com o
Brasil, mas a própria credibilidade dos EUA. Um tarifaço imposto por razões
pessoais pode custar caro para a imagem de liderança global pretendida por
Washington.
As negociações com os EUA vão progredir?
O Povo (CE)
O governo brasileiro age corretamente
mantendo a disposição para o diálogo ao tempo em que traça uma linha que não
admitirá que seja ultrapassada: a de aceitar exigências que ofendam a soberania
brasileira
A Casa Branca parece ter enviado um sinal,
ainda fraco, que pretende negociar com o Palácio do Planalto, depois de impor
um tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros importados pelos Estados
Unidos.
O aumento das tarifas, que deve começar a
vigorar em agosto, caso fracassem as negociações, pode ser classificado como
uma chantagem contra o governo brasileiro.
A decisão americana foi divulgada fora dos
canais diplomáticos, em uma carta com mentiras e exigências políticas,
misturadas a questões econômicas.
O documento foi rechaçado pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, sempre cuidando em destacar que o Brasil estava
aberto a negociações.
Agora, o vice-presidente, Geraldo Alckmin,
que acumula o cargo de ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio,
manteve um diálogo, por telefone, com o secretário de Comércio dos Estados
Unidos (EUA), Howard Lutnick. É o primeiro contato entre duas autoridades de
primeiro escalão dos dois governos, desde o anúncio da taxação.
Alckmin não adiantou qual tema foi
especificamente tratado com Lutnick, mas disse que foram abordados "todos
os pontos" — e classificou o diálogo como "positivo", destacando
o interesse do Brasil em negociar.
No entanto, deixou claro que a orientação do
presidente Lula era isolar as negociações da "contaminação política"
ou ideológica, centrando a conversa na busca de propostas para a questão
comercial.
Uma comitiva suprapartidária de senadores
brasileiros desembarca em Washington este fim de semana. Eles vão se reunir com
parlamentares e empresários americanos para encontrar aliados na tentativa de
reverter o tarifaço. Iniciativas em busca de um acordo não faltam.
Alguns analistas avaliam que o Brasil tem
pouca chance em um possível enfrentamento com o presidente americano Donald
Trump, e teria muito mais a perder.
Mas, na avaliação do professor de Relações
Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Oliver Stuenkel, esse tipo de
pressão funciona em países "muito dependentes dos Estados Unidos,
extremamente frágeis". Países muito diferentes do Brasil, na visão de
Stuenkel, como disse em entrevista ao jornal Valor Econômico.
Segundo ele, os diplomatas americanos têm a
expectativa de que o Brasil "se comporte como um país da América
Central". Ou mesmo como o México que, "apesar de ser um país grande,
é muito dependente dos Estados Unidos". O que não é o caso do Brasil, diz
ele.
O fato é que o governo Lula com alguns senões
aqui outros acolá conduz as negociações de forma correta, mantendo a disposição
para o diálogo, ao tempo em que traça uma linha que não admitirá que seja
ultrapassada: a de aceitar exigências que ofendam a soberania brasileira.
É o mínimo que um país livre pode fazer,
quando ataques estrangeiros visam desmoralizar suas instituições democráticas.
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