quinta-feira, 3 de julho de 2025

Os fatos nas palavras - Merval Pereira

O Globo

A partir do momento em que um deputado se recusou a ser ministro, partiu-se o cristal. Acredito que o governo Lula, para este Congresso, está acabado

O Brasil, onde na teoria vigora o regime presidencialista, na prática hoje exercita um sistema semiparlamentarista, tendo já passado pelo hiperpresidencialismo muito recentemente. O povo brasileiro já reafirmou sua preferência pelo presidencialismo em pesquisas e plebiscitos. Parece fadada ao insucesso a tentativa de mudar o regime para o parlamentarismo, que já adotamos numa emergência política depois da renúncia do presidente Jânio Quadros, para que o vice João Goulart fosse aceito pelos militares.

Há ainda propostas para adotarmos o semipresidencialismo, que vige em Portugal e na França. Todos esses regimes são tentativas de superar problemas político-partidários que nos perseguem, pois não conseguimos alcançar um equilíbrio institucional que permita ao país se desenvolver. O hiperpresidencialismo recente anulava o Congresso, que era manipulado pelos presidentes por meio da distribuição de emendas parlamentares, cargos públicos e até ministérios. Regimes presidencialistas como os Estados Unidos têm uma divisão de Poderes bastante rígida, tanto que um parlamentar que queira virar ministro (secretário por lá) de um governo precisa abrir mão do mandato que ganhou nas urnas para representar os eleitores. No Brasil, há muito tempo o presidencialismo tem uma porta giratória por onde entram e saem políticos, num vaivém constante entre Executivo e Legislativo.

Esses movimentos são encobertos por uma cegueira deliberada. Por que um senador ou deputado federal gostaria de indicar o presidente de uma estatal ou virar ministro de Estado num governo que nem mesmo é de sua tendência política? Nos Estados Unidos, abrindo mão do mandato, mostra que decidiu ajudar o país noutro Poder, provido pelo presidente, não pelo voto popular. Aqui no Brasil, tudo isso foi mudando tão lentamente que ninguém notou: o Congresso vinha se livrando do jugo do Executivo, ganhando autonomia funcional e dotação orçamentária hoje capaz de torná-lo independente do presidente da República e seus ministros.

Assim como no simulacro de hiperpresidencialismo, também o semiparlamentarismo fake distorce as bases da democracia republicana. Recente pesquisa Quaest revela uma visão negativa do conjunto dos deputados sobre o governo Lula. Aparentemente, ele não contará com nenhuma boa vontade do Congresso. Sabia-se que o Parlamento era de oposição, de centro-direita, mas as respostas revelam que os parlamentares simplesmente perderam o interesse pelo governo. A partir do momento em que um deputado se recusou a ser ministro, partiu-se o cristal. Acredito que o governo Lula, para este Congresso, está acabado.

Os parlamentares se preparam para eleger um novo presidente em 2026, no lugar de Lula. A tática do governo de tentar jogar a opinião pública contra o Congresso nunca funcionou, pois, como já disse um antigo presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, em momento de retórica exacerbada, “esta Casa sempre faz o que o povo quer”. Pode estar sendo exitosa momentaneamente, mas o governo não é tão popular assim para capitanear um movimento que emparede os congressistas.

Por mais que se possa criticar o Congresso, não se pode abrir mão dele, uma das peças fundamentais da democracia. Não se pode anulá-lo, dizendo que é um poder que só trata dos ricos. Vamos ficar com um presidente isolado ou que quer anular o Congresso? Não faz sentido. Não é assim que a banda toca na democracia. O governo precisa encontrar uma saída, e Lula fez bem em recorrer ao STF na questão do IOF, porque tem razão. Mas é uma questão delicada, e o Supremo tentará a conciliação. Fora da negociação política, a radicalização não leva a lugar nenhum. Ou a um impasse que não ajuda o país.

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