Rafael Carneiro / O Estado de S. Paulo
Militante do partido desde 1999, a esquerdista tem um perfil mais moderado e poderá enfrentar embates com a sua sigla
SANTIAGO - A escolha de
Jeannette Jara como candidata governista nas eleições
presidenciais do Chile, que serão realizadas no final do ano, marcam um
feito histórico. Pela primeira vez, desde a redemocratização, em 1990, o
Partido Comunista terá um candidato para disputar o principal cargo do
Executivo. No último domingo, 29, a ex-ministra do governo de Gabriel
Boric obteve 60,16% dos votos, derrotando com facilidade os seus
adversários.
Fundado em 1922, o Partido Comunista do Chile tem sua origem ligada aos movimentos trabalhistas e sociais do início do século 20, à difusão da filosofia política marxista e à Revolução Russa, de 1917. Após o fim da ditadura militar, quando foi considerado ilegal pelo governo de Augusto Pinochet, o partido ressurgiu no cenário político avançou de maneira lenta. Em 1999, fez oposição à Concertação (antiga coalizão de centro-esquerda), em 2010 conquistou cadeiras no parlamento e somente em 2014 conseguiu integrar um governo. Isso ocorreu no segundo mandato de Michelle Bachelet por meio da coalizão Nova Maioria. Ainda assim, sem protagonismo. Oito anos depois, o partido esteve na base que ajudou a eleger Boric.
“Apesar do triunfo do Partido Comunista,
acredito que ficou claro que a população votou por Jeannette Jara como pessoa e
não no partido propriamente dito. Agora, o desafio que ela tem, e que já teve
durante o processo eleitoral, é se mostrar alguém maior do que o PC. É claro
que isso gera tensão porque há posições mais radicais que lhe pedem para manter
a linha do ‘partido dos trabalhadores’ e, por outro lado, haverá vozes de
centro que vão pedir moderação nos seus discursos. Agora mais ainda”, afirma o
cientista político Cristóbal Rovira.
Ainda segundo o acadêmico da Universidad
Católica de Chile, Jara já tem um perfil moderado. “Ela não tem o discurso
comunista clássico sobre o povo, a ditadura do proletariado. O que ela tem
feito é se apresentar como uma chilena de classe média, que nunca fez parte da
elite, e isso acaba criando um vínculo emocional com parte da sociedade”,
acrescenta Rovira.
Nascida em 1974, em Santiago, Jeannette Jara
é advogada, administradora pública e desde o final da década de 90 milita no
Partido Comunista. Entre 2016 e 2018 foi subsecretária de Previdência Social do
segundo governo de Bachelet (2014-2018). Alguns anos mais tarde, já na gestão
de Boric, ocupou o cargo de ministra do Trabalho e Previdência Social, ganhando
destaque após a aprovação de leis importantes, como a diminuição na carga
horária de trabalho (de 45 horas para 40 horas semanais) e a reforma previdenciária.
Deixou a pasta em abril de 2025 para concorrer às eleições primárias.
Eleitor de Jara no último domingo, José
Miguel del Canto, 19, não temeu o frio de 5ºC e foi ao Estádio Nacional do
Chile para depositar seu voto. “Além dela ser muito carismática, as suas
propostas vão de encontro com o que eu quero para o país”, disse o estudante de
engenharia mecânica. Ele estava acompanhado dos pais e da namorada Francista,
que votava pela primeira vez. “Primeiro, me informei pela imprensa tradicional
porque acho bastante perigoso utilizar as redes sociais para isso, e vi os
debates na TV. Votei em Jara porque ela tem espírito de liderança e propostas
factíveis”, comentou a jovem de 18 anos.
Baixa participação
Sem a obrigação de votar, pouco mais de 1,4
milhões de chilenos foram às urnas. Um número aquém do que o governo esperava e
abaixo do registrado no pleito de 2021, o primeiro após a onda de protestos que
tomou conta do Chile em 2019. Na ocasião, 1,7 milhões de eleitores
participaram, apesar de todas as restrições impostas pela pandemia da covid-19.
De acordo com o jornal chileno The Clinic, um
dado que pode preocupar o governo a partir de agora é que Jeannette Jara obteve
825.095 votos, o equivalente a 5,3% do total de eleitores do país (15.499.071).
Somados os votos de todos os candidatos que concorreram nas eleições primárias,
esse índice chega a 9%.
“Ainda que Jara tenha ganhado com uma
diferença importante, o cenário nos mostra que os candidatos da esquerda e
centro-esquerda falam apenas para os seus eleitores. Agora, o desafio de Jara é
ampliar esse nicho e formar uma aliança maior. Para mim, isso é uma grande
incógnita”, salienta Rovira.
Reviravolta na corrida presidencial
Logo após a eleição de Jeannette Jara, uma
nova pesquisa eleitoral foi divulgada e apresentou mudanças significativas na
opinião do eleitorado chileno. Realizada pelo instituto Cadem, os números
mostram a comunista em segundo lugar nas intenções de voto, desbacando Evelyn
Matthei, até então considerada uma das favoritas para ocupar o Palácio La
Moneda. A candidata do Renovação Nacional já vinha em uma tendência de queda.
Jara aparece com 16% e perderia somente para
José Antonio Kast, de extrema direita, que tem 24%. Dessa forma, os dois
avançariam para um possível segundo turno. Neste cenário, a candidata do
governo seria derrotada por Kast, que venceria as eleições com mais de 20
pontos percentuais de diferença (50% contra 30%). Em 2021, o candidato do
Partido Republicano foi derrotado por Gabriel Boric.
Para Héctor Carvacho, pesquisador do Centro
de Estudos de Conflito e Coesão Social, existe a possibilidade de que Kast e
Matthei, dois representantes da direita, cheguem ao segundo turno. “O eleitor
de centro tem um sentimento anticomunista significativo e Matthei pode ter mais
espaço para crescer em direção a esses eleitores, que formam um grupo grande,
do que em direção à direita, onde já estão Kast e Johannes Kaiser (Partido
Nacional Libertário)”, afirma.
Cristóbal Rovira sinaliza que a campanha
eleitoral começa agora e com isso será possível ver até que ponto Matthei e
Jara são capazes de crescer para o centro. A respeito da esquerdista, ele
avalia que também é importante observar o quanto a coalizão que atualmente
apoia Boric se manterá ampla. “Ela tem que construir uma campanha que a
desvincule o máximo possível do ‘rótulo’ Parido Comunista, na qual se mostre
como liderança de uma ampla coalizão”, acrescenta.
Segundo o politólogo, o ponto fraco de Jara é
a política internacional, principalmente no que se refere a Cuba. “Ela ainda
segue presa à linha clássica do Partido Comunista chileno, que se diz um aliado
de Cuba e que o país é uma democracia. Isso é indefensável e, mais cedo ou mais
tarde, ela vai ter que desmentir o partido e isso provocará tensões”.
O primeiro turno das eleições presidenciais
do Chile está marcado para o dia 16 de novembro. Caso nenhum candidato consiga
a maioria absoluta de votos, o segundo turno será no dia 14 de dezembro. Além
de presidente da república, os chilenos vão eleger 23 senadores e renovar
completamente a Câmara dos Deputados. Dessa vez, o voto será obrigatório.
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