terça-feira, 1 de julho de 2025

Partido Comunista do Chile terá protagonismo inédito após vitória de Jeannette Jara nas primárias

Rafael Carneiro / O Estado de S. Paulo

Militante do partido desde 1999, a esquerdista tem um perfil mais moderado e poderá enfrentar embates com a sua sigla

SANTIAGO - A escolha de Jeannette Jara como candidata governista nas eleições presidenciais do Chile, que serão realizadas no final do ano, marcam um feito histórico. Pela primeira vez, desde a redemocratização, em 1990, o Partido Comunista terá um candidato para disputar o principal cargo do Executivo. No último domingo, 29, a ex-ministra do governo de Gabriel Boric obteve 60,16% dos votos, derrotando com facilidade os seus adversários.

Fundado em 1922, o Partido Comunista do Chile tem sua origem ligada aos movimentos trabalhistas e sociais do início do século 20, à difusão da filosofia política marxista e à Revolução Russa, de 1917. Após o fim da ditadura militar, quando foi considerado ilegal pelo governo de Augusto Pinochet, o partido ressurgiu no cenário político avançou de maneira lenta. Em 1999, fez oposição à Concertação (antiga coalizão de centro-esquerda), em 2010 conquistou cadeiras no parlamento e somente em 2014 conseguiu integrar um governo. Isso ocorreu no segundo mandato de Michelle Bachelet por meio da coalizão Nova Maioria. Ainda assim, sem protagonismo. Oito anos depois, o partido esteve na base que ajudou a eleger Boric.

“Apesar do triunfo do Partido Comunista, acredito que ficou claro que a população votou por Jeannette Jara como pessoa e não no partido propriamente dito. Agora, o desafio que ela tem, e que já teve durante o processo eleitoral, é se mostrar alguém maior do que o PC. É claro que isso gera tensão porque há posições mais radicais que lhe pedem para manter a linha do ‘partido dos trabalhadores’ e, por outro lado, haverá vozes de centro que vão pedir moderação nos seus discursos. Agora mais ainda”, afirma o cientista político Cristóbal Rovira.

 

Ainda segundo o acadêmico da Universidad Católica de Chile, Jara já tem um perfil moderado. “Ela não tem o discurso comunista clássico sobre o povo, a ditadura do proletariado. O que ela tem feito é se apresentar como uma chilena de classe média, que nunca fez parte da elite, e isso acaba criando um vínculo emocional com parte da sociedade”, acrescenta Rovira.

Nascida em 1974, em Santiago, Jeannette Jara é advogada, administradora pública e desde o final da década de 90 milita no Partido Comunista. Entre 2016 e 2018 foi subsecretária de Previdência Social do segundo governo de Bachelet (2014-2018). Alguns anos mais tarde, já na gestão de Boric, ocupou o cargo de ministra do Trabalho e Previdência Social, ganhando destaque após a aprovação de leis importantes, como a diminuição na carga horária de trabalho (de 45 horas para 40 horas semanais) e a reforma previdenciária. Deixou a pasta em abril de 2025 para concorrer às eleições primárias.

Eleitor de Jara no último domingo, José Miguel del Canto, 19, não temeu o frio de 5ºC e foi ao Estádio Nacional do Chile para depositar seu voto. “Além dela ser muito carismática, as suas propostas vão de encontro com o que eu quero para o país”, disse o estudante de engenharia mecânica. Ele estava acompanhado dos pais e da namorada Francista, que votava pela primeira vez. “Primeiro, me informei pela imprensa tradicional porque acho bastante perigoso utilizar as redes sociais para isso, e vi os debates na TV. Votei em Jara porque ela tem espírito de liderança e propostas factíveis”, comentou a jovem de 18 anos.

Baixa participação

Sem a obrigação de votar, pouco mais de 1,4 milhões de chilenos foram às urnas. Um número aquém do que o governo esperava e abaixo do registrado no pleito de 2021, o primeiro após a onda de protestos que tomou conta do Chile em 2019. Na ocasião, 1,7 milhões de eleitores participaram, apesar de todas as restrições impostas pela pandemia da covid-19.

De acordo com o jornal chileno The Clinic, um dado que pode preocupar o governo a partir de agora é que Jeannette Jara obteve 825.095 votos, o equivalente a 5,3% do total de eleitores do país (15.499.071). Somados os votos de todos os candidatos que concorreram nas eleições primárias, esse índice chega a 9%.

“Ainda que Jara tenha ganhado com uma diferença importante, o cenário nos mostra que os candidatos da esquerda e centro-esquerda falam apenas para os seus eleitores. Agora, o desafio de Jara é ampliar esse nicho e formar uma aliança maior. Para mim, isso é uma grande incógnita”, salienta Rovira.

Reviravolta na corrida presidencial

Logo após a eleição de Jeannette Jara, uma nova pesquisa eleitoral foi divulgada e apresentou mudanças significativas na opinião do eleitorado chileno. Realizada pelo instituto Cadem, os números mostram a comunista em segundo lugar nas intenções de voto, desbacando Evelyn Matthei, até então considerada uma das favoritas para ocupar o Palácio La Moneda. A candidata do Renovação Nacional já vinha em uma tendência de queda.

Jara aparece com 16% e perderia somente para José Antonio Kast, de extrema direita, que tem 24%. Dessa forma, os dois avançariam para um possível segundo turno. Neste cenário, a candidata do governo seria derrotada por Kast, que venceria as eleições com mais de 20 pontos percentuais de diferença (50% contra 30%). Em 2021, o candidato do Partido Republicano foi derrotado por Gabriel Boric.

Para Héctor Carvacho, pesquisador do Centro de Estudos de Conflito e Coesão Social, existe a possibilidade de que Kast e Matthei, dois representantes da direita, cheguem ao segundo turno. “O eleitor de centro tem um sentimento anticomunista significativo e Matthei pode ter mais espaço para crescer em direção a esses eleitores, que formam um grupo grande, do que em direção à direita, onde já estão Kast e Johannes Kaiser (Partido Nacional Libertário)”, afirma.

Cristóbal Rovira sinaliza que a campanha eleitoral começa agora e com isso será possível ver até que ponto Matthei e Jara são capazes de crescer para o centro. A respeito da esquerdista, ele avalia que também é importante observar o quanto a coalizão que atualmente apoia Boric se manterá ampla. “Ela tem que construir uma campanha que a desvincule o máximo possível do ‘rótulo’ Parido Comunista, na qual se mostre como liderança de uma ampla coalizão”, acrescenta.

Segundo o politólogo, o ponto fraco de Jara é a política internacional, principalmente no que se refere a Cuba. “Ela ainda segue presa à linha clássica do Partido Comunista chileno, que se diz um aliado de Cuba e que o país é uma democracia. Isso é indefensável e, mais cedo ou mais tarde, ela vai ter que desmentir o partido e isso provocará tensões”.

O primeiro turno das eleições presidenciais do Chile está marcado para o dia 16 de novembro. Caso nenhum candidato consiga a maioria absoluta de votos, o segundo turno será no dia 14 de dezembro. Além de presidente da república, os chilenos vão eleger 23 senadores e renovar completamente a Câmara dos Deputados. Dessa vez, o voto será obrigatório.

 

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