Simon Tormey, Populismo: uma breve introdução. P. 158.
A literatura brasileira se enriquece com a
publicação de Esquema de Jessé Andarilho. Literatura e antropologia política se
entrelaçam numa história que impacta por expor como as camadas populares, sob
as margens das políticas públicas, exercem uma luta pela sobrevivência na
constante recorrência ao “jeitinho brasileiro”. Temos um romance que nos faz
reencontrar o clássico Carnavais, Malandros e Heróis (1979) de
Roberto DaMatta no personagem Daniel Piloto que de motorista de transporte
alternativo ascende ao universo da política sempre por caminhos distantes da
honestidade.
A interpretação da ascensão política do voto bolsonarista na Zona Oeste carioca por duas eleições seguidas é um desafio que ainda precisa ser mais bem pesquisado pelos especialistas em comportamento político e eleitoral. Entretanto, nessa ficção, há alguns indícios etnográficos que os investigadores têm condições de mensurar. Assim como Nestor Duarte (1902 – 1970) nos permitiu uma interpretação sobre o vaqueiro no sistema político baiano no romance Gado Humano (1937), Jessé Andarilho deixa indícios de que a mencionada “polarização afetiva” seria um mito carnavalizado num universo em que a variável constante é o conservadorismo da sociedade brasileira.
Essa era uma região marcadamente trabalhista
em tempos de Zona Rural da Guanabara (pré-1964) que se transfigurou num
oposicionismo emedebista-chaguista nos anos 70. Nos anos 80/90 se encantou pelo
“brizolismo” e seus sucessores até aderir ao Lula 1 e Lula 2. Em determinado
momento, esse perfil de populismo nas camadas populares transitou para um
populismo reacionário, marcado pelas relações com o poder mediadas pelo
clientelismo político em suas mais variadas formas, nas quais o serviço de
segurança se privatizou sob uma estrutura nem um pouco transparente e o mundo
político carioca vive em constante negociação com grupos paramilitares e
facções. O populismo se tornou um “mito” para solucionar os problemas de
representatividade política nos tempos contemporâneos.
Os bairros do hoje chamado “Extremo-Oeste”
carioca (região entre Santa Cruz e Campo Grande com seus arredores) aparecem
nesse romance mais que social, pois se trata de uma ficção visionária uma vez
que foram escritas pelo olhar de um autor como se fossem os registros de uma
pesquisa de campo. A antropologia política presente no romance ensinará a
muitos a saírem de suas interpretações simplistas ou marcadamente
“americanizadas”. Daniel Piloto é um Macunaíma que ascendeu a política no
século XXI enquanto que muitos jovens se veem sem alternativas democráticas
para além do “pé de meia” e o mito vermelho do Papai Noel.
Um livro que nos impacta ao relembrar aos
estudiosos dos meios acadêmicos que o universo da chamada “pós-verdade” não
seria uma novidade nas camadas populares. O “levar vantagem” por uma causa
considerada necessária a sua própria sobrevivência é uma chave constante
em Esquema, portanto os desafios de uma comunicação política não devem
estar em desfazer narrativas, mas reduzir as mazelas do cidadão comum em sua
luta pela sobrevivência. A “ditadura das necessidades” nos dias de precarização
do mundo do trabalho ainda eleva as qualidades dessa obra literária em que sua
condição ficcional nos faz perceber o quanto o mundo da política real se tornou
refém das narrativas sem compromisso com o debate programático.
As vésperas das eleições gerais de 2026,
temos uma importante contribuição para aqueles que desejam melhorar o perfil
democrático do Congresso Nacional. Não é ficar a repetir um mantra: “Vamos
ajudar elegendo democratas e progressistas”. Esquema nos ensina que
falta um aprendizado político a ser feito pelas militâncias, porém onde elas
estão? Algumas se deixaram seduzir por ficar nos gabinetes à distância das
camadas subalternas em busca de “likes” para seus memes. A política não se
profissionalizou pelos caminhos democráticos, mas pelas artimanhas de uma
oligarquização de núcleos dirigentes. Portanto, aqueles que se sentem à margem
da sociedade fazem do voto um “Esquema” financeiro ao invés de um momento
“Positivo”.
Livro resenhado: ANDARILHO, Jessé. Esquema. São Paulo: Companhia das Letras, 2025. 168 p.
*Vagner Gomes é doutorando do PPGCP/UNIRIO.
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