Folha de S. Paulo
O desenho institucional minimiza os riscos de
tirania, mas é vulnerável a maiorias políticas
Steven Levitsky, o autor de "Como as
Democracias Morrem", recentemente afirmou que "o Brasil é hoje um
sistema mais democrático do que os EUA". A provocação de Seymour M Lipset
—"quem conhece apenas um país, não conhece país algum"— é um convite
a sempre ampliarmos o escopo dos casos em nossas análises. Lipset é autor do
clássico "O Excepcionalismo Americano" (1996). Nele traça as
origens e a evolução da ideia de que os EUA são uma nação distinta das demais e
que a democracia americana é modelo institucional a ser emulado.
Em "Uma Democracia Diferente", Lijphart, Shugart, Grofman e Taylor escrutinizaram este modelo comparando-o com outras 31 democracias avançadas e concluem que os EUA estão longe de representar modelo bem-sucedido: "Os Estados Unidos não são apenas uma variação do tema democrático; são um tipo distintamente diferente de democracia." E mais contundente: "O sistema americano funciona apesar de seu desenho institucional, e não por causa dele."
Quais as singularidades do modelo? Segundo os
autores "o presidente americano governa com menos responsabilidade formal
perante o Legislativo do que praticamente qualquer outro chefe de governo
democrático." Esta afirmação será surpreendente
para muitos.
Afinal, o desenho institucional da democracia
mais antiga do mundo, mais do que qualquer outro, está assentado no princípio
da separação de poderes, como já discuti aqui
na coluna.
Por outro lado, mostram que "o congresso
americano é um dos legislativos mais fortes e independentes do mundo
democrático, especialmente o Senado", operando com mais independência do
Executivo do que em outras democracias. A combinação de bicameralismo, um forte
sistema de comissões e separação de poderes resulta em um processo legislativo
com muitos pontos de veto. Mas nada disso transparece sob Trump.
O problema é que o sistema é vulnerável a
maiorias. E Trump é majoritário no Senado e na Câmara. Em 2026 haverá eleição
de meio de mandato —cujo objetivo é precisamente aumentar as chances de
desalinhamento político com o executivo— e poderá haver mudança. A ver.
O ator com poder de veto em um cenário como
este é o judiciário e "nenhuma outra democracia confere tanto poder
duradouro a juízes quanto os Estados Unidos." Sim, foi neste país que o
controle da constitucionalidade foi inventado. Mas Trump teve e oportunidade de
nomear três juízes da Suprema Corte e ela é majoritariamente republicana. A
combinação de fatores excepcionais sugere assim um excepcionalismo da
presidência de Trump mais que do modelo americano.
É preciso distinguir, no entanto, as ameaças
e bravatas de Trump, de suas ações antidemocráticas efetivas e seu tsunami de
medidas estapafúrdias. Seu desmonte do regime liberal de comércio
internacional, por exemplo, nada tem de antidemocrático per se.
Penso que ainda é cedo para bater o martelo
sobre o impacto efetivo de suas medidas sobre a democracia americana para além
da obvia degradação da vida política no país pois a Suprema Corte ainda não
decidiu sobre questões chave como as alterações nos direitos de cidadania e
prerrogativas do executivo em relação ao orçamento e a tarifas.
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA)
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