segunda-feira, 28 de julho de 2025

O Brasil de chapéu de palha – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Alvarenga e Ranchinho não ficaram ricos; seus sucessores sertanejos são milionários e bolsonaristas

Há algumas semanas [5/7], escrevi sobre uma moda de viola, "O drama de Angélica", gravada em 1942 pela dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho. Muitos leitores se encantaram com os versos em proparoxítonas, que se antecipavam em 29 anos a "Construção" de Chico Buarque. Aproveitei para comentar que, um dia, no Brasil, as duplas sertanejas eram diferentes das de hoje, e a de Alvarenga (1912-78) e Ranchinho (1912-91), mais que todas. Sem se afastarem da então liturgia do gênero —chapéu de palha, camisa xadrez, pronúncia "errada"—, eles estavam na linha de frente da música popular.

Alvarenga e Ranchinho eram atrações fixas do Cassino da Urca, contratados da Rádio Mayrink Veiga, a principal do Brasil nos anos 1930 e parte dos 40, gravavam na Victor e se apresentavam em Portugal. Seu repertório não incluía sofrências e xaropices —ao contrário, abarcava todos os assuntos.

Em 1942, eles aderiram à campanha pela entrada do Brasil na guerra e lançaram uma série de 78s r.p.m., de vários autores, tratando dos tópicos nas manchetes: "Torpedeamento", sobre os navios nacionais afundados pelos submarinos alemães, "Adeus, Mariazinha", louvando a ida dos pracinhas para o exterior, "Abaixo o chope", pregando o boicote à bebida alemã, "A farra dos três patetas", sobre Hitler, Mussolini e Hiroíto, e muitos mais.

Eram artistas típicos daquele Brasil. Suas camisas xadrez saíam das máquinas de anônimas costureiras, usavam calças sociais, estilo Ducal, e seus chapéus eram de palha trançada à mão. Famosos e bem sucedidos, não ficaram ricos e trabalharam até morrer. Bem diferentes de seus sucessores de hoje, com camisas de franjas tipo Roy Rogers, gravatinhas de cadarço, chapéus Stetsons vindos do Texas e jeans com perneiras de couro, sem bunda, como as dos vaqueiros americanos.

É isso, a realidade mudou. O universo de Alvarenga e Ranchinho tinha a ver com humildes jericos de quintal. O dos atuais cantores sertanejos, milionários e bolsonaristas, com os rebanhos dos barões do gado.

 

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