Folha de S. Paulo
Alvarenga e Ranchinho não ficaram ricos; seus
sucessores sertanejos são milionários e bolsonaristas
Há algumas semanas [5/7], escrevi sobre uma moda de viola, "O drama de Angélica", gravada em 1942 pela dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho. Muitos leitores se encantaram com os versos em proparoxítonas, que se antecipavam em 29 anos a "Construção" de Chico Buarque. Aproveitei para comentar que, um dia, no Brasil, as duplas sertanejas eram diferentes das de hoje, e a de Alvarenga (1912-78) e Ranchinho (1912-91), mais que todas. Sem se afastarem da então liturgia do gênero —chapéu de palha, camisa xadrez, pronúncia "errada"—, eles estavam na linha de frente da música popular.
Alvarenga e Ranchinho eram atrações fixas do
Cassino da Urca, contratados da Rádio Mayrink Veiga, a principal do Brasil nos
anos 1930 e parte dos 40, gravavam na Victor e se apresentavam em Portugal. Seu
repertório não incluía sofrências e xaropices —ao contrário, abarcava todos os
assuntos.
Em 1942, eles aderiram à campanha pela
entrada do Brasil na guerra e lançaram uma série de 78s r.p.m., de vários
autores, tratando dos tópicos nas manchetes: "Torpedeamento", sobre
os navios nacionais afundados pelos submarinos alemães, "Adeus,
Mariazinha", louvando a ida dos pracinhas para o exterior, "Abaixo o
chope", pregando o boicote à bebida alemã, "A farra dos três
patetas", sobre Hitler, Mussolini e Hiroíto, e muitos mais.
Eram artistas típicos daquele Brasil. Suas
camisas xadrez saíam das máquinas de anônimas costureiras, usavam calças
sociais, estilo Ducal, e seus chapéus eram de palha trançada à mão. Famosos e
bem sucedidos, não ficaram ricos e trabalharam até morrer. Bem diferentes de
seus sucessores de hoje, com camisas de franjas tipo Roy Rogers, gravatinhas de
cadarço, chapéus Stetsons vindos do Texas e jeans com perneiras de couro, sem
bunda, como as dos vaqueiros americanos.
É isso, a realidade mudou. O universo de
Alvarenga e Ranchinho tinha a ver com humildes jericos de quintal. O dos atuais
cantores sertanejos, milionários e bolsonaristas, com os rebanhos dos barões do
gado.
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