Folha de S. Paulo
Além de gerar inflação, tarifaço deverá
reduzir potencial de crescimento dos EUA
O dólar norte-americano
registrou, ao longo do primeiro semestre deste ano, uma desvalorização de 10%
diante de uma cesta de outras moedas fortes, como euro e iene. Foi a maior
perda de valor já registrada na primeira metade de um ano desde 1973.
O principal fator responsável por isso é a política econômica que vem sendo adotada pelo governo Donald Trump. O tarifaço contra praticamente todos os países do mundo, inclusive aliados de longa data, irá não apenas gerar mais inflação e menos crescimento a curto prazo mas também poderá reduzir o potencial de crescimento a médio e longo prazo —tornando os EUA menos atrativos para os capitais internacionais.
Também deverá impactar negativamente o
crescimento americano a "caça às bruxas" aos imigrantes (principal
fator que vinha diferenciando, favoravelmente, os EUA ante vários outros países
avançados, nos quais aspectos demográficos têm freado o crescimento) e às
universidades norte-americanas (berço de parte relevante das inovações geradas
pelo país).
Na mesma linha, a aprovação
recente do Obba ("One Big Beautiful Bill") irá elevar
expressivamente o déficit fiscal e a dívida norte-americana nos próximos anos,
aumentando o risco de solvência fiscal e, portanto, as taxas de juros de
longo prazo exigidas pelo mercado para financiar o governo dos EUA —algo que
também irá elevar o custo do crédito para o setor privado naquele país.
Mas Trump ainda não está satisfeito. Ele
parece atuar deliberadamente e com toda a força para acabar com aquilo que é
denominado de "privilégio exorbitante". Esse privilégio está
associado ao fato de que o dólar dos EUA, ao menos até recentemente, era
percebido como um "porto
seguro" para os investidores globais, sobretudo em momentos de maior
incerteza política e econômica.
Esse privilégio não surgiu do nada: se até
1971 o que dava valor ao dólar dos EUA era principalmente o lastro em ouro,
desde então ele passou a ser uma moeda fiduciária, que atingiu o status de
principal divisa de reserva justamente pela confiança dos agentes de que ele
desempenharia muito bem, em escala global, os três principais atributos de uma
moeda, unidade de conta, meio de pagamento e reserva de valor.
Portanto, a posição privilegiada do dólar
norte-americano reflete, dentre outras coisas, o reconhecimento de que ele (bem
como os ativos denominados nele) é seguro e confiável, pois o banco central dos
EUA, o Fed (Federal Reserve), dispõe de um elevado grau de independência para
cumprir seu mandato, que envolve manter a inflação em torno de 2% ao ano e a
economia operando próxima do pleno emprego (mesmo que as ações necessárias para
isso desagradem ao governante em exercício).
Trump vem ameaçando a independência do Fed,
ao sinalizar à luz do dia que pretende trocar o presidente do banco, Jerome
Powell, antes da hora (o mandato dele expira em meados de 2026) ou que pretende
interferir nas decisões de política monetária (por exemplo, por meio da
nomeação, desde já, do substituto de Powell, de modo a criar um presidente
"sombra", o qual constrangeria a atuação independente dos integrantes
do comitê de política monetária). Assim, a maior ameaça ao status atual dólar
norte-americano não são o Brics (e uma eventual moeda alternativa para as
transações entre esses países), e sim o próprio Trump.
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