sábado, 12 de julho de 2025

Trump vai unir o Brasil? - Mariliz Pereira Jorge

Folha de S. Paulo

É melhor país polarizado se juntar por interesse nacional do que por fantasia ideológica

Foi preciso um tarifaço disparado com sotaque novaiorquino e topete tingido para o Brasil cogitar, mesmo que por instantes, uma trégua ideológica. Donald Trump, ídolo de uma ala da direita brasileira que tem orgulho de mugir em inglês, pode acabar provocando a primeira reconciliação entre petistas, isentões e bolsonaristas desde que a polarização virou o esporte nacional, com torcida organizada, juiz comprado e zero fair play.

Trump, que conduz diplomacia com a sutileza de uma geladeira velha barulhenta, resolveu mirar sua artilharia econômica no Brasil. Uma bomba tributária com endereço certo. Alvo: o agronegócio, aquele mesmo que muitos tratam como sinônimo de patriotismo e motor da pátria que alimenta o mundo. Sobrou para o aço, para os aviões da Embraer, para o boi, para a soja e para o orgulho de muita gente que decorou a frase "agro é tech, agro é pop, agro é tudo".

E aí começou o curto-circuito. De repente, a turma que gritava "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" precisa escolher entre a bandeira que beija e o gringo que idolatra. É quase como pedir a um adolescente que escolha entre o iPhone e o TikTok: um curto-circuito emocional.

Como explicar para a tia do Zap, aquela que coleciona figurinhas da Michele Bolsonaro e vídeos de exorcismo anticomunista, que o Trump não é "dos nossos"? Nunca foi. Não acorda pensando no futuro do agronegócio brasileiro, não defende valores cristãos nem luta contra o comunismo. Ele apenas faz o que sempre fez: proteger os próprios interesses. E agora está usando a economia brasileira como moeda de troca para blindar seu velho aliado: Jair Bolsonaro. Quem paga a conta é o Brasil.

O velho símbolo da soberania nacional, o uniforme da seleção e das passeatas golpistas, anda suando frio. Agora, talvez a camiseta de futebol volte a ser só... Uma camiseta. Quando o ataque vem de um ídolo conservador, com o mesmo discurso reaça que tanto agrada essa turma, o Zé das Couves começa a perceber que ser patriota de verdade não é gritar contra inimigos imaginários, é defender o país de quem ameaça, de fato, os nossos interesses.

Nos últimos tempos, o patriotismo virou um software binário. Ou você era "patriota", com bandeirinha no nome e assinatura "Deus, Pátria, Família e Mico-Leão-Dourado", ou era traidor: aquele que ousava criticar militares, desconfiava da cloroquina e preferia Paulo Freire ao Olavo de Carvalho.

Mas eis que Trump reaparece e exige uma atualização urgente nesse sistema. Afinal, é pra ser patriota ou é pra passar pano? Dá pra colocar bandeirinha brasileira no perfil sem parecer infiltrado no grupo do Zé Trovão? É permitido cantar "230 milhões em ação" sem soar como se estivesse prestes a invadir o STF? Ou, como diria o coach mais sensato do Brasil, aquele motorista de táxi que já leu Augusto Cury, você quer ter razão ou quer ser feliz?

Com o tarifaço, o país vive um raro momento de consenso. Do Leblon a Roraima, do barzinho progressista ao grupo do agro no Telegram, todo mundo achou um inimigo comum. Pela primeira vez em anos, a esquerda e a direita se olham, desconfiadas, mas unidas na indignação, ainda que estejam disputando de que é a culpa do delírio trumpista: "Bolsonaro maldito! Lula desgraçado!"

Talvez, no fim, Trump acabe fazendo pelo Brasil o que nenhum político local conseguiu: um lampejo de lucidez coletiva. Uma pausa no Fla-Flu ideológico para lembrar que, no fundo, ninguém gosta de tomar prejuízo nem de ser feito de bobo. E se for isso que nos une, que seja. Melhor se juntar por interesse nacional do que por fantasia ideológica.

Talvez eu esteja sonhando demais. Pronto, acordei.

 

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