Valor Econômico
É preciso ter um plano de ação. Ficar
concentrado na polarização política não vai levar a isso
Esta semana entraram em vigor as novas tarifas sobre importações dos EUA, aí incluídas as aplicadas às compras de produtos brasileiros. Trata-se de uma mudança não trivial na política comercial americana e, de forma mais ampla, no comércio internacional. De acordo com o Budget Lab da Universidade de Yale, a tarifa média americana subiu de 2,42% em 2024, e de uma média de 2,5% em 1975-2024, para 17,35%, a mais alta taxa em 90 anos. No caso do Brasil, se calcula que a tarifa média é quase o dobro disso: 33%. E há mais por vir, com o presidente americano já prometendo para este mês tarifas sobre semicondutores e produtos farmacêuticos.
Três motivos são apontados para esse cavalo
de pau. Um, o uso das tarifas como instrumento para forçar diferentes países a
se alinharem aos interesses americanos. É o caso do Brasil, como também o da
Índia, cujas exportações para os EUA vão passar a pagar tarifas de 50%, metade
disso por o país comprar petróleo da Rússia. Outro motivo, arrecadar mais
impostos, compensando parcialmente a redução de receitas resultante da “Big
Beautiful Bill” aprovada mês passado. Por fim, e em linha com essa alteração na
estrutura tributária, pretende-se expandir significativamente a produção da
indústria americana, via amplo programa de substituição de importações.
Este último ponto foi racionalizado em
entrevista recente de William Lee, economista-chefe do Milken Institute (bit.ly/40SRKav). Aí fica
claro o reconhecimento de que essa política compromete a eficiência, com a
produção doméstica, baseada em cadeias locais de valor, sendo mais cara do que
a prevalecente no modelo anterior de livre comércio. Daí a necessidade das
barreiras às importações, em que pese a expectativa de que esse custo caia com
o tempo e seja mitigado pelo uso da inteligência artificial e da robótica.
Seria o preço a pagar para garantir a autossuficiência necessária para promover
a segurança nacional. A conferir, se o consumidor americano se contentará em
pagar mais por esses produtos.
Forma-se nova e bem diferente configuração da
economia global e o Brasil tem de se preparar para isso
Outro pilar dessa nova ideologia parece ser o
uso de políticas fiscais expansionistas, com elevados gastos em defesa, como
também deve ser ver nos próximos anos na Europa, sem a contrapartida de um
aumento da carga tributária, que é rejeitado pelos eleitores. Isso implica
aceitar manter elevados déficits públicos, com a consequente escalada da razão
dívida pública/PIB. Ocorre que essa razão já está bastante alta, por conta do
grande aumento da dívida pública, primeiro com a Crise Financeira Internacional
de 2007-09 e, depois, com a pandemia.
A diferença em relação a esses dois períodos,
porém, é que o custo do financiamento público está bem mais elevado, e, por
bons motivos, em alta. Esse ponto é bem explorado em relatório recente da OCDE
(bit.ly/4lagVfL).
Considerando o agregado dos países da OCDE, vê-se que a dívida de mercado,
apenas dos governos centrais, como proporção do PIB, “subiu de 82% (US$ 54
trilhões) em 2023 para 84% (US$ 55 trilhões) em 2024. Este valor, se projeta,
deve crescer ainda mais, para 85% (US$ 59 bilhões) em 2025, mais de 10 pontos
percentuais do que em 2019 e quase o dobro do nível de 2007”.
Dessa dívida, mais da metade foi emitida a
taxas de juros inferiores às atuais taxas de mercado, sendo que quase 45% dela
irá vencer até 2027. Isso elevará a despesa do setor público com juros, como já
vem ocorrendo: as despesas com “pagamento de juros do governo em relação ao PIB
aumentaram em cerca de dois terços dos países da OCDE em 2024, atingindo 3,3%
no agregado, um aumento de 0,3 ponto percentual em comparação com 2023”.
Alguns países, em especial os EUA, mas não
só, têm tentado mitigar esse problema encurtando o prazo das novas emissões de
dívidas, em especial com o recurso às T-bills, papéis com prazo de um ano ou
menos, que pagam taxas mais baixas de juros. Essas taxas são bastante
influenciadas pela política monetária, o que ajuda a explicar outro traço dessa
nova ideologia: a forte pressão feita pelo presidente Trump, igual à que fez o
presidente Lula no Brasil em 2023-24, para que os presidentes do banco central
baixem as taxas de juros, a despeito das pressões inflacionárias. Também neste
caso, o resultado pode ser uma maior tolerância com a inflação.
De forma mais ampla, a pressão fiscal deve
levar à busca de formas de repressão financeira, via regulações e controles sobre
o fluxo de capitais, que permitam aos governos, em especial o americano, se
financiar a custo mais baixo. Isso tem surgido em algumas declarações de
autoridades americanas, com ênfase na ideia de que essa conta seja paga pelos
estrangeiros. Medidas nessa direção não deveriam surpreender. Isso naturalmente
comprometeria o uso do dólar como moeda de troca global, o que talvez explique
as críticas do governo Trump ao desenvolvimento de meios de pagamento não
lastreados na moeda americana.
Fica claro que caminhamos para uma nova e bem
diferente configuração da economia global. O Brasil, como outros países na
mesma situação, precisam se preparar para isso, entendendo como essas
transformações o afetam e onde residem seus interesses. É preciso ter um plano
de ação. Ficar concentrado na polarização política não vai levar a isso.
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