sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Contornos da nova ideologia econômica - Armando Castelar Pinheiro

Valor Econômico

É preciso ter um plano de ação. Ficar concentrado na polarização política não vai levar a isso

Esta semana entraram em vigor as novas tarifas sobre importações dos EUA, aí incluídas as aplicadas às compras de produtos brasileiros. Trata-se de uma mudança não trivial na política comercial americana e, de forma mais ampla, no comércio internacional. De acordo com o Budget Lab da Universidade de Yale, a tarifa média americana subiu de 2,42% em 2024, e de uma média de 2,5% em 1975-2024, para 17,35%, a mais alta taxa em 90 anos. No caso do Brasil, se calcula que a tarifa média é quase o dobro disso: 33%. E há mais por vir, com o presidente americano já prometendo para este mês tarifas sobre semicondutores e produtos farmacêuticos.

Três motivos são apontados para esse cavalo de pau. Um, o uso das tarifas como instrumento para forçar diferentes países a se alinharem aos interesses americanos. É o caso do Brasil, como também o da Índia, cujas exportações para os EUA vão passar a pagar tarifas de 50%, metade disso por o país comprar petróleo da Rússia. Outro motivo, arrecadar mais impostos, compensando parcialmente a redução de receitas resultante da “Big Beautiful Bill” aprovada mês passado. Por fim, e em linha com essa alteração na estrutura tributária, pretende-se expandir significativamente a produção da indústria americana, via amplo programa de substituição de importações.

Este último ponto foi racionalizado em entrevista recente de William Lee, economista-chefe do Milken Institute (bit.ly/40SRKav). Aí fica claro o reconhecimento de que essa política compromete a eficiência, com a produção doméstica, baseada em cadeias locais de valor, sendo mais cara do que a prevalecente no modelo anterior de livre comércio. Daí a necessidade das barreiras às importações, em que pese a expectativa de que esse custo caia com o tempo e seja mitigado pelo uso da inteligência artificial e da robótica. Seria o preço a pagar para garantir a autossuficiência necessária para promover a segurança nacional. A conferir, se o consumidor americano se contentará em pagar mais por esses produtos.

Forma-se nova e bem diferente configuração da economia global e o Brasil tem de se preparar para isso

Outro pilar dessa nova ideologia parece ser o uso de políticas fiscais expansionistas, com elevados gastos em defesa, como também deve ser ver nos próximos anos na Europa, sem a contrapartida de um aumento da carga tributária, que é rejeitado pelos eleitores. Isso implica aceitar manter elevados déficits públicos, com a consequente escalada da razão dívida pública/PIB. Ocorre que essa razão já está bastante alta, por conta do grande aumento da dívida pública, primeiro com a Crise Financeira Internacional de 2007-09 e, depois, com a pandemia.

A diferença em relação a esses dois períodos, porém, é que o custo do financiamento público está bem mais elevado, e, por bons motivos, em alta. Esse ponto é bem explorado em relatório recente da OCDE (bit.ly/4lagVfL). Considerando o agregado dos países da OCDE, vê-se que a dívida de mercado, apenas dos governos centrais, como proporção do PIB, “subiu de 82% (US$ 54 trilhões) em 2023 para 84% (US$ 55 trilhões) em 2024. Este valor, se projeta, deve crescer ainda mais, para 85% (US$ 59 bilhões) em 2025, mais de 10 pontos percentuais do que em 2019 e quase o dobro do nível de 2007”.

Dessa dívida, mais da metade foi emitida a taxas de juros inferiores às atuais taxas de mercado, sendo que quase 45% dela irá vencer até 2027. Isso elevará a despesa do setor público com juros, como já vem ocorrendo: as despesas com “pagamento de juros do governo em relação ao PIB aumentaram em cerca de dois terços dos países da OCDE em 2024, atingindo 3,3% no agregado, um aumento de 0,3 ponto percentual em comparação com 2023”.

Alguns países, em especial os EUA, mas não só, têm tentado mitigar esse problema encurtando o prazo das novas emissões de dívidas, em especial com o recurso às T-bills, papéis com prazo de um ano ou menos, que pagam taxas mais baixas de juros. Essas taxas são bastante influenciadas pela política monetária, o que ajuda a explicar outro traço dessa nova ideologia: a forte pressão feita pelo presidente Trump, igual à que fez o presidente Lula no Brasil em 2023-24, para que os presidentes do banco central baixem as taxas de juros, a despeito das pressões inflacionárias. Também neste caso, o resultado pode ser uma maior tolerância com a inflação.

De forma mais ampla, a pressão fiscal deve levar à busca de formas de repressão financeira, via regulações e controles sobre o fluxo de capitais, que permitam aos governos, em especial o americano, se financiar a custo mais baixo. Isso tem surgido em algumas declarações de autoridades americanas, com ênfase na ideia de que essa conta seja paga pelos estrangeiros. Medidas nessa direção não deveriam surpreender. Isso naturalmente comprometeria o uso do dólar como moeda de troca global, o que talvez explique as críticas do governo Trump ao desenvolvimento de meios de pagamento não lastreados na moeda americana.

Fica claro que caminhamos para uma nova e bem diferente configuração da economia global. O Brasil, como outros países na mesma situação, precisam se preparar para isso, entendendo como essas transformações o afetam e onde residem seus interesses. É preciso ter um plano de ação. Ficar concentrado na polarização política não vai levar a isso.

 

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