Gastos fora da meta estimulam crise fiscal
O Globo
Crescimento da dívida pública é
insustentável. Em breve, conta terá de ser paga por todos os brasileiros
Enquanto desfruta recuperação em seus índices de popularidade depois da reação ao tarifaço americano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua a estimular com o maior descaso uma crise fiscal da maior gravidade no futuro. No atual mandato, a dívida pública deverá crescer 10 pontos percentuais e chegar a 82% do Produto Interno Bruto (PIB) — ante média de 65% nos países emergentes. O governo insiste em dizer que cumpre as metas fiscais. Esquece, porém, que só tem conseguido atingi-las graças a artimanhas. A cada dificuldade, exclui gastos novos do cálculo (o padrão se repete com o socorro pelo tarifaço). A despesa não é computada, mas continua alimentando a dívida. Nas finanças públicas, narrativas fantasiosas não têm o condão de mudar a realidade.
“O Brasil tem hoje um ritmo de crescimento de
dívida, ligado ao problema fiscal, que é insustentável”, disse à GloboNews
Mansueto Almeida, ex-chefe do Tesouro e atual economista-chefe do banco BTG
Pactual. Considerando o resultado das contas
públicas e o serviço da dívida, o Brasil caminha para um
déficit nominal médio de 8,5% do PIB nos quatro anos do atual mandato — um dos
níveis mais altos do mundo.
O terceiro mandato de Lula deixará de contar
no cálculo das metas fiscais R$ 387,8 bilhões em gastos, de acordo com
reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Por certo, nem tudo é
responsabilidade do atual governo. O total inclui despesas que já estavam fora
das metas por regras anteriores ao arcabouço fiscal de 2023. É o caso do Fundeb
ou do calote dado no governo Jair
Bolsonaro nas dívidas reconhecidas pela Justiça sem
possibilidade de recurso — os precatórios. Nada disso, porém, apaga as digitais
do governo Lula nas demais despesas maquiadas. Elas estão por toda parte.
Assim que eleito, Lula patrocinou a Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, retirando R$ 145 bilhões do
cálculo da meta fiscal de 2023. No ano passado, os R$ 29 bilhões de auxílio aos
afetados pela enchente no Rio Grande do Sul também foram escamoteados. O mesmo
aconteceu com a restituição dos descontos indevidos a aposentados do INSS. A
exceção mais recente é o pacote de socorro aos exportadores para os Estados
Unidos, à espera de aprovação no Congresso.
Em sua defesa, o governo argumenta que gastos
extraordinários não devem ser considerados para avaliar sua responsabilidade
fiscal. Ora, o arcabouço já prevê uma banda de 0,25% do PIB em torno da meta
justamente para o Executivo acomodar choques inesperados. Se o governo
perseguisse o centro da meta — neste ano, equilíbrio entre receitas e despesas
—, poderia muito bem cumprir o prometido sem pedir ao Congresso mais uma
exceção. Infelizmente, a realidade teima em mostrar que o objetivo é gastar até
o limite e, caso ele seja ultrapassado, tentar ganhar no tapetão — seja
recorrendo ao Supremo, seja apresentando pedidos de exceção ao Congresso.
Embora o pacote contra o tarifaço tenha sido
anunciado com valor até modesto (R$ 9,5 bilhões), existe o risco de que seja
inchado no futuro. O economista Marcos Mendes chamou a atenção em artigo
recente para o trecho do Projeto de Lei que cita a possibilidade de
“eventualmente” haver necessidade de “aporte complementar”. Serão novos bilhões
fora da meta a aumentar a dívida já insustentável. Inevitavelmente um dia a
conta chegará — e terá de ser paga por todos os brasileiros.
Contratos irregulares de água e esgoto violam
Marco Legal do Saneamento
O Globo
Pelo menos 363 municípios ainda são servidos
por empresas sem capacidade de investimento exigida por lei
É frustrante que, cinco anos depois da
entrada em vigor do Marco Legal do Saneamento, 6,5% dos municípios brasileiros,
ou 363, ainda mantenham contratos irregulares para prestação de serviços de
abastecimento de água e coleta de esgoto, desrespeitando a legislação. A
constatação do Instituto Trata Brasil se baseia em dados do Sistema Nacional de
Informações em Saneamento Básico.
Segundo o Trata Brasil, 6,7 milhões vivem
nesses municípios. Os contratos são considerados irregulares quando as
companhias estaduais não conseguem comprovar capacidade econômico-financeira ou
não buscam formas de investir para universalizar os serviços — um dos problemas
que levaram à mudança na legislação. Estatais ineficientes sem capacidade de
investir, movidas mais por critérios políticos que técnicos, contribuíam para
os péssimos indicadores de saneamento.
A maior parte desses municípios fica nas
regiões Norte e Nordeste, as mais carentes. Os estados com mais contratos
irregulares são Paraíba (152), Tocantins (45)
e Bahia (23).
Chega a ser perverso que os mais necessitados sejam privados de serviços
básicos comuns noutras regiões. O abismo é evidente nos números. Nas cidades
com contratos irregulares, apenas 64% têm acesso a água encanada (ante 83% nos
demais), e meros 27,3% são servidos por coleta de esgoto (ante 58% onde há
contratos regulares).
Pode-se argumentar que os municípios menores
têm dificuldades intrínsecas para ampliar a cobertura de água e esgoto. Mas o
próprio Marco do Saneamento prevê a formação de blocos de cidades para que o
serviço seja prestado de forma regional. A criação de consórcios pode atrair
investimentos por meio de parcerias público-privadas. Mais que problema de
gestão, parece haver entrave político. “São diferentes prefeitos, diferentes
governadores. É difícil chegar a um consenso”, disse ao GLOBO Luana Pretto,
presidente executiva do Trata Brasil. “Quem mais sofre é a população.”
O Marco do Saneamento, que ampliou a
participação da iniciativa privada no setor, foi um alento. Mas ainda há muito
a avançar. Da população brasileira, 17% ainda não tem acesso a água potável.
Quase 45% não é servida por coleta de esgoto. A nova legislação prevê que, até
2033, 99% tenham água e 90% esgotamento sanitário. O último objetivo está muito
distante e, pelo ritmo dos investimentos, fica a cada dia mais difícil que seja
cumprido. Mas isso não é desculpa para que governos federal, estaduais e
municipais deixem de se esforçar. Pelo contrário.
Existe uma ideia perniciosa, infelizmente ainda bastante disseminada, segundo a qual obras de saneamento não interessam a políticos, porque não aparecem e não dão votos. Mas não é questão de visibilidade. Levar água potável aos brasileiros e implantar sistemas de coleta e tratamento de esgoto reduz o risco de doenças — em especial em crianças —, acaba com o cenário repugnante dos valões a céu aberto e melhora a qualidade de vida. Políticos deveriam saber que tratar o cidadão com dignidade também dá voto.
Reforma administrativa traz avanços e merece
apoio
Valor Econômico
Propostas valorizam servidores públicos e
podem melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população brasileira
O Estado brasileiro tem uma folha de salários
que rivaliza com a de países desenvolvidos. Não é que haja funcionários demais,
mas há enorme disparidade de remuneração dos servidores do Estado em um país
que já é dos mais desiguais do mundo. A qualidade de serviços básicos vitais,
como educação, saúde e segurança, é muito ruim, com carência de pessoal e baixa
remuneração no atendimento direto à população e folga de pessoal em cargos de
gabinete bem remunerados. Há décadas se tenta realizar uma reforma
administrativa que dê racionalidade, economicidade e produtividade à máquina do
Estado, sem sucesso. Agora há uma nova chance, que não deveria ser
desperdiçada, com o projeto com relatoria a cargo do deputado Pedro Paulo
(PSD-RJ). Ele contém várias das boas ideias, consolidadas nos debates ao longo
do tempo, sobre como melhorar a gestão do Estado.
União, Estados e municípios tornaram-se uma
Babel de carreiras dificilmente administrável. Apenas no Executivo existem 309
delas, como apontaram o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, Carlos
Sundfeld e Ana Carla Abrão em estudo propondo a reforma do RH do Estado. Gestão
e governança são um dos quatro eixos das propostas do relator. Elas organizam a
entrada no serviço público, por meio de um concurso nacional unificado que
deveria abranger Estados e municípios. Além de suprir carências de recursos
para seleção destinada a entes federativos pobres, estabelece um necessário
nível mínimo de capacitação compatível com as exigências da máquina pública.
Os salários da administração pública não têm
relação com a função. Um auxiliar administrativo pode receber R$ 12,3 mil no
Incra e R$ 21,3 mil nas agências reguladoras. Há carreiras em que a remuneração
inicial é alta, a pouca distância de seu teto. A ideia do relator é enxugar
carreiras e unificar salários em um prazo de dez anos. Os salários iniciais
serão a metade dos do topo da carreira, com vários níveis de progressão, a
serem atingidos por avaliação de desempenho.
É algo corriqueiro no setor privado, mas a
avaliação de desempenho, com critérios técnicos e transparentes, seria quase uma
revolução no setor público brasileiro. Ela existe, mas seus resultados são
irrelevantes, porque feita pro forma, para cumprir exigências burocráticas. Em
boa parte das funções do Estado o critério informal é o do tempo na função,
ultrapassado, mas que desperta até hoje saudades em algumas carreiras, que
recebiam aumentos por quinquênio, pela simples permanência no serviço. São
perenes as tentativas de ressuscitá-lo, em especial no Judiciário.
A avaliação de desempenho, além de permitir
promoções por mérito, tornará possível a demissão por aproveitamento
reiteradamente insatisfatório. Segundo Pedro Paulo, o objetivo da reforma não é
o enxugamento de pessoal ou o fim da estabilidade, mas a Constituição arrola
demissão por desempenho insatisfatório. Seu projeto pretende disciplinar também
o uso de temporários em todos os níveis da administração, limitando os
contratos a 5 anos, com uma quarentena de 12 meses para a recontratação e a
formação de um banco de funcionários para atender eventuais necessidades de Estados
e municípios. Com isso pretende dar regras a empregos necessários que durante
um bom tempo foram usados para fugir aos limites de gastos com pessoal fixados
pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Uma proposta importante, e polêmica por mexer
na autonomia dos municípios, estabelece limites para o número de secretarias
das prefeituras e vereadores das cidades em que mais de 50% de seus recursos
não sejam próprios, mas provenientes de repasses. Não são incomuns os casos de
prefeituras em que a arrecadação é suficiente apenas para pagar salários de
funcionários e os da Câmara Municipal.
A reforma administrativa não mira economia de
recursos, mas é óbvio que ela pode poupar bilhões de reais aos cofres públicos.
A proposta coíbe os supersalários ao procurar fechar dezenas de brechas pelas
quais se infiltram pretensas verbas indenizatórias, que fazem as remunerações
ultrapassar bastante o teto do funcionalismo e escapar do Imposto de Renda.
Projeto da Câmara não votado, por exemplo, pretendia “limitar” as indenizações
a nada menos de 30 casos. As indenizações terão de ser aprovadas em lei, com
comprovação de seu caráter “temporário e não repetitivo”, diz Pedro Paulo. A
proposta põe fim às férias de 60 dias de juízes e magistrados, em muitos casos
não gozadas e transformadas em remuneração.
Há enormes obstáculos à aprovação da reforma e o mais conhecido é o poderoso lobby dos servidores públicos, em especial os do Judiciário. Além disso, temas polêmicos como esse já estarão tramitando em um ano eleitoral, com Legislativo e Executivo pouco dispostos a desagradar a setores do eleitorado. O governo Lula deveria colocar empenho em sua aprovação, retirando o estigma de que a reforma pretende punir os funcionários públicos, quando na verdade ela pode levar à melhoria de salários, menos injustiça nas remunerações, valorização dos servidores e, seu objetivo último, melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população brasileira.
Ativismo de Dino cria uma barafunda
Folha de S. Paulo
No afã de proteger o colega Moraes de sanções
aplicadas pelos EUA, ministro coloca sistema financeiro do país em dilema
Medidas são erradas não por questões
jurisdicionais, mas por violar a Lei Magnitsky, concebida para punir ditadores;
julgamento de Bolsonaro é legítimo
O ministro Flávio Dino,
do Supremo Tribunal Federal, foi ativista e imprevidente em sua tentativa de
proteger o colega Alexandre de
Moraes de sanções aplicadas pelos Estados
Unidos pela Lei Magnitsky.
Ativista porque, em primeiro lugar, tomou sua
decisão num processo que nada tem a ver com a Magnitsky ou com Moraes —o caso
de prefeituras mineiras e capixabas que cobram em cortes britânicas indenização
pelo desastre de
Mariana (MG).
Seu despacho antecipa a ação específica para
tratar das sanções americanas, que está a cargo do ministro Cristiano
Zanin —o qual, sabiamente, optara por um rito mais ortodoxo,
ouvindo a Procuradoria-Geral da República e, até aqui, sem recorrer a decisões
monocráticas.
Dino foi imprevidente porque, mesmo que a
intenção tenha sido a de dar aos bancos e outras empresas um argumento jurídico
para não sancionar Moraes, criou uma barafunda com repercussões não apenas no
mundo da Justiça mas também
nos mercados e no relacionamento diplomático entre Brasil e
EUA.
Não é impossível que o despacho do magistrado
agrave o embate entre o Supremo e o governo de Donald Trump,
o que poderia gerar novas e mais pesadas sanções para brasileiros.
Daí não se segue, é claro, que o Brasil deva
ceder às chantagens de Trump. Mas não havia a menor necessidade de, numa
canetada monocrática e no lugar errado, abrir uma caixa de Pandora.
A decisão de Dino é essencialmente um gesto
político. Em termos técnicos, ela apenas reafirmou uma obviedade jurídica, a de
que leis estrangeiras não têm eficácia automática no Brasil.
Mas, ao notificar Banco Central,
Febraban e outras entidades que nada tinham a ver com o caso de Mariana, ela
levou bancos a um dilema: ou desafiam o STF ou
correm sérios riscos econômicos por não acatar a Magnitsky.
Não é uma questão de jurisdição. Os EUA não
pretendem que sua legislação vigore no Brasil. O que a norma prevê são
penalidades para instituições que atuem nos EUA sem cumprir a lei.
Secundariamente, podem-se punir empresas
americanas que se relacionem com quem não aplica as sanções. É o que basta para
causar tumulto para negócios que não têm como se desligar de um sistema global
que necessariamente passa pelos EUA.
Convenha-se que isso não é muito diferente do
que fez Moraes quando exigiu que big techs americanas, para atuar no Brasil,
acatassem determinações da Justiça brasileira cuja consecução implicava ações
em território americano, onde estão os servidores dessas empresas.
As sanções contra Moraes são erradas não por
questões jurisdicionais, mas por violar o próprio espírito da Lei Magnitsky,
concebida para punir ditadores e grandes criminosos. Moraes e seus colegas,
apesar de muitas decisões contestáveis, cumprem sua função ao julgar Jair
Bolsonaro (PL) por tentativa de
golpe de Estado.
Exigir qualidade nos cursos de medicina
Folha de S. Paulo
MEC punirá faculdades com maus resultados em
exame para tentar evitar formação deficiente; proliferação é risco a pacientes
Batalha pela saúde é contínua, mas a profissão, diante da missão de zelar pela vida, não é atividade para ser regulada apenas pelo mercado
Não é de hoje que meios acadêmicos e órgãos
de classe discutem estabelecer parâmetros ante a propagação indiscriminada de
faculdades de medicina pelo
país, sob o risco de formação inadequada desses novos profissionais. É
alvissareiro, portanto, o anúncio do Ministério da Educação de
que irá suspender o
vestibular e vetar a ampliação de cursos mal avaliados.
Por meio do Exame
Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed), que será
aplicado no dia 19 de outubro aos estudantes do último ano, as universidades
que registrarem conceito 1 ou 2 na prova, em uma escala até 5, passarão por uma
"supervisão estratégica" em 2026, relatou o ministro Camilo
Santana.
Ainda segundo o MEC, cursos com
conceito 2 terão redução de vagas para o ingresso; já a instituição com nota 1
não poderá receber novos alunos. Estão previstas, ainda, suspensão de contratos
de financiamento estudantil, como o Fies,
e participação no Prouni,
que concede bolsas integrais e parciais na graduação.
Caso mantenha nota baixa em testes
posteriores, o curso poderá até mesmo ser extinto. O plano do ministério inclui
visitas técnicas para vistoriar as faculdades —que poderão apresentar defesa,
mas sem prazo determinado para afastar as punições.
A multiplicação vertiginosa foi aferida pelo
Censo da Educação Superior. Dados relativos a 2023 apontam que havia 46.152
vagas de medicina em cursos privados, além de 14.403 em escolas públicas. Já em
2012, eram somente 10.217 disponíveis no primeiro modelo e 7.424 no segundo.
À primeira vista, pode ser questionável criar
mecanismos para conter a formação de profissionais num país que tem grave
déficit de acesso à assistência médica, sobretudo em áreas remotas.
Ocorre que essa leva de novos médicos tem se
mostrado ineficaz para
equilibrar a distribuição regional. O Brasil tem 2,6 profissionais
por mil habitantes, índice semelhante ao dos EUA, mas a cobertura no Distrito
Federal, por exemplo, é cinco vezes a do Pará.
Ou seja: o país ampliou a formação de
médicos, mas boa parte tem se estabelecido em serviços privados em capitais e
grandes centros, com nível de proficiência no mínimo questionável.
Muitas dessas instituições mais recentes não
dispõem de professores qualificados e enfrentam limitação de ambulatórios e
hospitais para treinamento —e não cabe ao SUS exercer esse papel.
A batalha pela universalização da saúde é contínua, mas a medicina, diante da missão de zelar pela vida, não é atividade para ser regulada apenas pelo mercado.
A tirania das liminares no Supremo
O Estado de S. Paulo
Decisões monocráticas como a de Dino deveriam
ser exceções, mas se tornaram regra. Quando um só ministro fabrica regras de
alto impacto, sem debate colegiado, corrói a legitimidade do STF
Lá se vão três dias desde que o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino manipulou uma decisão sobre os
desastres de Mariana e Brumadinho (MG) para tentar blindar seu colega Alexandre
de Moraes dos efeitos de sanções econômicas impostas pelos EUA, precipitando o
pânico no sistema financeiro. Mais uma vez, um único magistrado fabricou regras
de alto impacto político e econômico, sem debate colegiado, deixando a
sociedade e os agentes públicos num limbo jurisdicional. Não se trata de
episódio isolado, mas de um vício sistêmico que corrói a legitimidade da Corte:
o monocratismo e o abastardamento da colegialidade.
O Supremo tornou rotineiro o que deveria ser
absolutamente excepcional. Em 2023, nada menos que 83% de suas decisões foram
individuais. Isso prostitui a lógica de um tribunal constitucional, cuja
autoridade se funda na pluralidade de vozes e na força persuasiva de
deliberações colegiadas. Quando um togado decide sozinho sobre temas que
envolvem bilhões de reais, a elegibilidade de candidatos ou a liberdade de
ex-presidentes, não há democracia nem segurança jurídica que resistam.
Exemplos são abundantes. O inquérito das fake
news, conduzido por Moraes, concentrou em suas mãos poderes de investigação,
acusação e julgamento, atropelando garantias processuais e alimentando
recriminações de arbitrariedade. Em 2014, Luiz Fux concedeu, por liminar,
auxílio-moradia a todos os juízes e procuradores, e só a revogou em 2018, após
um acordo de aumento salarial – um caso claro de chantagem corporativa. Há anos
Dias Toffoli vem anulando condenações da Lava Jato, em choque com decisões
colegiadas anteriores e em benefício de criminosos confessos. Cada uma dessas
decisões simboliza o desvio: de guardiões da Constituição, ministros se
convertem em protagonistas dotados de um poder pessoal sem contrapesos.
A previsibilidade jurídica – condição para
investimentos, contratos e confiança institucional – evapora quando um só
ministro pode, por anos, suspender leis ou decretos sem prazo de revisão. Pior:
quando finalmente chegam ao plenário, tais decisões quase sempre são
confirmadas, não pela força dos argumentos, mas pelo constrangimento de
reverter efeitos já consolidados. Em 2023, Ricardo Lewandowski suspendeu
trechos da Lei das Estatais, abrindo caminho para nomeações políticas em
empresas públicas pelo governo (do qual hoje é ministro). Em uma decisão
teratológica, o colegiado reabilitou meses depois os dispositivos, mas manteve
as nomeações a pretexto, ora vejam, da “segurança jurídica”. Assim, questões de
magnitude nacional acabam, na prática, decididas por um único indivíduo.
Alexandre de Moraes anda se jactando de que
não perdeu nenhum dos mais de 700 recursos contra suas ordens nos inquéritos e
julgamentos das tramas golpistas. Mas isso soa menos como demonstração de
autoridade e mais como sintoma de perversão estrutural. Se um tribunal jamais
corrige decisões individuais que se prolongam no tempo, é porque a
colegialidade foi esvaziada e substituída por uma homologação automática.
Decisões monocráticas deveriam restringir-se
a hipóteses de urgência extrema, imediatamente submetidas ao plenário. Não se
trata de enfraquecer a Corte, mas de fortalecê-la. Sua autoridade deriva do
colegiado, não da vontade individual de cada ministro. É no debate entre 11
magistrados, e não na vontade de um só, que se forja a legitimidade democrática
de suas sentenças.
Persistir nessa rota é arriscar a
credibilidade do tribunal. Pesquisas registram a queda vertiginosa da confiança
popular, e não por sua defesa do Estado de Direito, mas pelos abusos cometidos
a pretexto dela. Ao insistir no monocratismo, o STF torna-se alvo fácil – e
frequentemente legítimo – para políticos que o acusam de ativismo e
autoritarismo.
A democracia brasileira não precisa de
vigilantes iluminados, mas de juízes que cumpram a lei com modéstia
institucional. O Supremo não pode continuar a ser, ao mesmo tempo, tribunal e
palco de performances pessoais. Se não recuperar a centralidade da
colegialidade, arrisca-se a perder aquilo que sem o qual nenhum Poder republicano
sobrevive: o respeito e a confiança da sociedade.
Frente ampla do oportunismo
O Estado de S. Paulo
Presidente do PT espera reeditar a ‘frente
ampla pela democracia’ que elegeu Lula em 22, agora a pretexto de defender a
soberania nacional. Mas essa patranha petista não cola mais
Na véspera do lançamento da federação União
Brasil-PP, o presidente do PT, Edinho Silva, reuniu num jantar alguns dos
principais caciques partidários do País, juntando quadros que, em tese, compõem
a chamada “frente ampla” que o lulopetismo tenta reeditar. Oficialmente o
jantar foi organizado para comemorar a sua posse como novo presidente do PT; na
prática, foi uma forma de o comissariado petista começar a montar o que vem
defendendo – uma frente ampla como a que se viu em 2022, destinada agora a se
unir em favor da democracia e da soberania brasileira ante a ação de Donald
Trump e do bolsonarismo contra o Brasil. Acredita quem quer, porque o
convescote só deixou ainda mais claro o que já parecia evidente havia algum
tempo: hoje é quase impossível ao lulopetismo repetir a façanha da última
disputa presidencial.
Exemplos não faltam. Depois de abraçar Edinho
no jantar, no dia seguinte o presidente do PP, Ciro Nogueira, usou o palanque
de oficialização da federação para repetir as críticas severas que tem feito a
Lula, ao governo e ao PT. Na mesma data, o Republicanos se dividiu: enquanto se
uniam a Lula em almoço o presidente da sigla, Marcos Pereira, o ministro de
Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, e o presidente da Câmara, Hugo Motta,
o governador Tarcísio de Freitas discursava no ato de instalação da federação.
No União Brasil, a divisão não é menos aparente. Seu presidente, Antonio Rueda,
é um duro adversário do lulopetismo e de seu ideário, e enfático defensor de
uma candidatura oposicionista. O PSD de Gilberto Kassab, igualmente, já deixou
claro que ou seguirá com candidatura própria ou apoiará outra frente ampla, a
da direita. Enquanto isso, morubixabas petistas enviam flores a outros símbolos
da frente ampla de 2022, as ministras Simone Tebet e Marina Silva, potenciais
candidatas ao Senado ou à Câmara dos Deputados.
Ou seja, o prato principal das promessas de
Edinho Silva, feitas em nome do demiurgo petista, corre o risco de azedar ainda
na degustação. Não é improvável que se resuma a isto: jantares de
confraternização, apoios localizados, ou no máximo a construção de palanques
nos Estados, sem espaço para que os partidos de centro se integrem à coligação
governista. É um caminho natural para uma coalizão que jamais existiu. Como se
sabe, Lula ganhou a eleição de 2022 embalado pela pregação de união nacional em
defesa da democracia contra o bolsonarismo. Mas a tal frente ampla só durou até
a posse, pois logo foi dragada pela natureza lulopetista de concentração de
poder e de visão econômica perdulária e estatista. E foi assim que Lula
colecionou índices medíocres de popularidade até reanimar sua base graças à
truculência de Donald Trump e Jair Bolsonaro, que lhe deram a chance de
reeditar o discurso decisivo de três anos atrás.
A patranha não cola mais. Diálogos e afagos à
parte, centristas e moderados em geral sabem que o lulopetismo não cumpriu a
promessa de um governo de frente ampla democrática. Entregou ministérios fracos
e esvaziados para os sócios de direita e de centro-direita. Foi incapaz de
formular e implementar ideias que fossem além da habitual cartilha petista. Não
demonstrou vontade e habilidade para, de fato, formar uma coalizão no
Congresso. Não distribuiu poder e recursos de forma proporcional entre as
diversas forças políticas da coalizão. Tornou mais difícil o que já seria
complicado, dada a mudança na correlação de forças na sociedade e no
Legislativo, que aumentou o controle sobre o Orçamento.
A frente ampla, para dar certo, pressupunha a
liderança de uma versão brasileira de Nelson Mandela, líder que, mesmo após 27
anos de prisão, dialogou com seus algozes em nome da união e da pacificação da
África do Sul. Uma coalizão, para funcionar de fato, requer eficiência na sua
gestão política, e não a concentração de poder num partido inversamente
proporcional à sua capacidade de agregar apoios. Nada disso se viu nem se verá.
Seria esperar demais de um partido e de uma liderança que nunca esconderam suas
pretensões hegemônicas e seus programas retrógrados. Essa é a quadratura do círculo
de Edinho Silva, que precisará de muito mais do que jantares para reeditar a
proeza de 2022. Ou deixará claro o que até aqui parece óbvio: a tese da frente
ampla é mero artifício usado como arma eleitoral. Oportunismo puro.
Pressa temerária
O Estado de S. Paulo
Compra do Banco Master pelo BRB exige
cautela, o que faltou ao Legislativo do DF
Bastou uma tarde para que a Câmara
Legislativa do Distrito Federal aprovasse um projeto de lei de última hora que
autoriza o Banco de Brasília (BRB) – um banco público, cabe ressaltar – a
comprar 100% das ações preferenciais e 49% das ações ordinárias do Banco
Master, instituição financeira envolta em uma série de suspeitas.
A mais recente delas é uma investigação da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM) segundo a qual o Master investiu R$ 2,1
bilhões em empresas sem capacidade econômica de gerar retorno dos
investimentos, o que “pode comprometer severamente a solidez patrimonial da
instituição financeira”, de acordo com relatório da própria CVM obtido com
exclusividade pelo Estadão.
Ainda conforme a investigação, essas
operações podem ter inflado artificialmente o patrimônio do Master para
torná-lo mais atrativo em uma negociação. O BRB anunciou a intenção de adquirir
parte do Master no fim de março.
O Banco Master ganhou notoriedade por pegar
os recursos que os clientes investiam em produtos como CDBs, remunerados com
taxas bem acima das de mercado, e aplicar em ativos como precatórios, cujo
risco de postergação de pagamento é bastante elevado.
Tais práticas acabaram por gerar preocupação
quanto a um desequilíbrio no Fundo Garantidor de Créditos (FGC), espécie de
seguro ao investidor usado como chamariz pelo Master para atrair clientes. Para
o mercado, o que o Master fazia provocava assimetrias no FGC. Não por acaso, o
Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou, recentemente, regras mais rígidas
para instituições financeiras que contam com a cobertura do FGC.
Pairam ainda sobre o Master suspeitas de
práticas abusivas na concessão de crédito consignado a aposentados e
pensionistas. Fornecedores também acusam o banco de dar calote.
Diante desse preocupante histórico, que ganha
novos capítulos dia após dia, era de se esperar que o parlamento distrital do
DF ao menos devotasse mais tempo para autorizar o BRB a comprar um banco tão
encalacrado quanto o Master.
Não foi, porém, o que se viu. Inicialmente
ignorado pelo governo do DF, cujo entendimento era de que os deputados
distritais não precisavam ser consultados sobre o negócio, estimado em R$ 2
bilhões, o Legislativo local só ganhou a oportunidade de avaliar a importante
operação porque o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
(TJDFT) assim o determinou – e por duas vezes.
Mas ao contrário do Banco Central (BC), que
há meses vem recebendo documentos e dando o tempo necessário para que seu corpo
técnico avalie se a compra de parte do Master pelo BRB se justifica, os
deputados distritais do DF aprovaram o projeto de lei que autoriza a compra sem
praticamente fazer aquilo que é função do Legislativo: debater.
Resta esperar que o BC, que tem a palavra final sobre a aquisição do Master pelo BRB, siga atuando com a parcimônia demonstrada até aqui e, sem nenhuma pressa, avalie a viabilidade de um negócio que, à luz das revelações que não param de surgir, mostra-se cada vez mais complexo.
MEC acerta com ações sobre cursos de Medicina
O Povo (CE)
O Ministério da Educação precisa levar à
frente as iniciativas anunciadas, aplicando-as com rigor, de modo a corrigir os
erros que hoje se apresentam, deixando funcionar somente os cursos em condições
de oferecer formação de qualidade
O ministro da Educação, Camilo Santana
(PT-CE), anunciou, nesta quarta-feira, que o Exame Nacional de Avaliação da
Formação Médica (EnaMed) será aplicado pela primeira vez em outubro deste ano.
Lançado em abril, a prova tem o propósito de avaliar a qualidade dos cursos de
Medicina no País.
A partir de agora, o EnaMed será obrigatório
para o estudante que quiser participar do Exame Nacional de Residências
(Enare). Portanto, será um incentivo para comparecerem ao EnaMed. E a decisão
do MEC já fez efeito. Durante todo o ano de 2024, houve 32 mil inscrições no
EnaMed, número que subiu para 96 mil nos sete primeiros meses de 2025.
Segundo Camilo Santana, "o grande
objetivo" do EnaMed é melhorar a formação médica, a par de outras medidas
que serão aplicadas. Entre elas, mais rigor no monitoramento e visitas
presenciais de fiscais do MEC nos cursos, a partir de 2026.
O resultado da avaliação é que vai determinar
as providências que terão de ser tomadas pelos cursos mal avaliados, em uma
escala que vai de 1 (nota mínima) até 5 (máxima).
As punições que serão tomadas em relação aos
cursos mal avaliados variam conforme o índice obtido pelo curso. As sanções
podem incluir redução de vagas de ingresso (nota 2), chegando à suspensão do
curso (nota 1). Os conceitos 1 e 2 ainda terão suspensos os contratos de
financiamento estudantil (Fies) e o de bolsas (Prouni). Caso não haja melhora
ou as medidas exigidas pelo MEC não forem cumpridas, os cursos poderão ser
extintos.
Segundo a Radiografia das Escolas Médicas no
Brasil, publicada pelo portal do Conselho Federal de Medicina, além da falta de
estrutura adequada para o funcionamento de muitos cursos, existe um
"aumento desenfreado no número de faculdades e de vagas nos últimos
anos". A partir de 2010, foram criadas 210 novas escolas médicas em todo o
território nacional, sendo 150 particulares e 60 públicas.
Age corretamente o MEC ao apertar a
fiscalização sobre as faculdades de Medicina que proliferam pelo Brasil, boa
parte delas funcionando precariamente. Um controle rigoroso da qualidade dos
cursos reduzirá o risco de médicos receberem o diploma sem a formação adequada
para atender à população.
Mesmo com altas mensalidades, há uma grande
demanda pelos cursos de Medicina. Devido a isso, constituem-se um mercado de
alta rentabilidade, atraindo a iniciativa privada. Por óbvio, não se pede ao
mercado que faça benemerência, mas quando se trata da vida humana, o lucro não
pode ser o único objetivo.
Portanto, o MEC precisa levar à frente as
iniciativas anunciadas, aplicando-as com rigor, de modo a corrigir os erros que
hoje se apresentam, deixando a funcionar somente os cursos em condições de
oferecer formação de qualidade.
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