quinta-feira, 21 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Gastos fora da meta estimulam crise fiscal

O Globo

Crescimento da dívida pública é insustentável. Em breve, conta terá de ser paga por todos os brasileiros

Enquanto desfruta recuperação em seus índices de popularidade depois da reação ao tarifaço americano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua a estimular com o maior descaso uma crise fiscal da maior gravidade no futuro. No atual mandato, a dívida pública deverá crescer 10 pontos percentuais e chegar a 82% do Produto Interno Bruto (PIB) — ante média de 65% nos países emergentes. O governo insiste em dizer que cumpre as metas fiscais. Esquece, porém, que só tem conseguido atingi-las graças a artimanhas. A cada dificuldade, exclui gastos novos do cálculo (o padrão se repete com o socorro pelo tarifaço). A despesa não é computada, mas continua alimentando a dívida. Nas finanças públicas, narrativas fantasiosas não têm o condão de mudar a realidade.

“O Brasil tem hoje um ritmo de crescimento de dívida, ligado ao problema fiscal, que é insustentável”, disse à GloboNews Mansueto Almeida, ex-chefe do Tesouro e atual economista-chefe do banco BTG Pactual. Considerando o resultado das contas públicas e o serviço da dívida, o Brasil caminha para um déficit nominal médio de 8,5% do PIB nos quatro anos do atual mandato — um dos níveis mais altos do mundo.

O terceiro mandato de Lula deixará de contar no cálculo das metas fiscais R$ 387,8 bilhões em gastos, de acordo com reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Por certo, nem tudo é responsabilidade do atual governo. O total inclui despesas que já estavam fora das metas por regras anteriores ao arcabouço fiscal de 2023. É o caso do Fundeb ou do calote dado no governo Jair Bolsonaro nas dívidas reconhecidas pela Justiça sem possibilidade de recurso — os precatórios. Nada disso, porém, apaga as digitais do governo Lula nas demais despesas maquiadas. Elas estão por toda parte.

Assim que eleito, Lula patrocinou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, retirando R$ 145 bilhões do cálculo da meta fiscal de 2023. No ano passado, os R$ 29 bilhões de auxílio aos afetados pela enchente no Rio Grande do Sul também foram escamoteados. O mesmo aconteceu com a restituição dos descontos indevidos a aposentados do INSS. A exceção mais recente é o pacote de socorro aos exportadores para os Estados Unidos, à espera de aprovação no Congresso.

Em sua defesa, o governo argumenta que gastos extraordinários não devem ser considerados para avaliar sua responsabilidade fiscal. Ora, o arcabouço já prevê uma banda de 0,25% do PIB em torno da meta justamente para o Executivo acomodar choques inesperados. Se o governo perseguisse o centro da meta — neste ano, equilíbrio entre receitas e despesas —, poderia muito bem cumprir o prometido sem pedir ao Congresso mais uma exceção. Infelizmente, a realidade teima em mostrar que o objetivo é gastar até o limite e, caso ele seja ultrapassado, tentar ganhar no tapetão — seja recorrendo ao Supremo, seja apresentando pedidos de exceção ao Congresso.

Embora o pacote contra o tarifaço tenha sido anunciado com valor até modesto (R$ 9,5 bilhões), existe o risco de que seja inchado no futuro. O economista Marcos Mendes chamou a atenção em artigo recente para o trecho do Projeto de Lei que cita a possibilidade de “eventualmente” haver necessidade de “aporte complementar”. Serão novos bilhões fora da meta a aumentar a dívida já insustentável. Inevitavelmente um dia a conta chegará — e terá de ser paga por todos os brasileiros.

Contratos irregulares de água e esgoto violam Marco Legal do Saneamento

O Globo

Pelo menos 363 municípios ainda são servidos por empresas sem capacidade de investimento exigida por lei

É frustrante que, cinco anos depois da entrada em vigor do Marco Legal do Saneamento, 6,5% dos municípios brasileiros, ou 363, ainda mantenham contratos irregulares para prestação de serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto, desrespeitando a legislação. A constatação do Instituto Trata Brasil se baseia em dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico.

Segundo o Trata Brasil, 6,7 milhões vivem nesses municípios. Os contratos são considerados irregulares quando as companhias estaduais não conseguem comprovar capacidade econômico-financeira ou não buscam formas de investir para universalizar os serviços — um dos problemas que levaram à mudança na legislação. Estatais ineficientes sem capacidade de investir, movidas mais por critérios políticos que técnicos, contribuíam para os péssimos indicadores de saneamento.

A maior parte desses municípios fica nas regiões Norte e Nordeste, as mais carentes. Os estados com mais contratos irregulares são Paraíba (152), Tocantins (45) e Bahia (23). Chega a ser perverso que os mais necessitados sejam privados de serviços básicos comuns noutras regiões. O abismo é evidente nos números. Nas cidades com contratos irregulares, apenas 64% têm acesso a água encanada (ante 83% nos demais), e meros 27,3% são servidos por coleta de esgoto (ante 58% onde há contratos regulares).

Pode-se argumentar que os municípios menores têm dificuldades intrínsecas para ampliar a cobertura de água e esgoto. Mas o próprio Marco do Saneamento prevê a formação de blocos de cidades para que o serviço seja prestado de forma regional. A criação de consórcios pode atrair investimentos por meio de parcerias público-privadas. Mais que problema de gestão, parece haver entrave político. “São diferentes prefeitos, diferentes governadores. É difícil chegar a um consenso”, disse ao GLOBO Luana Pretto, presidente executiva do Trata Brasil. “Quem mais sofre é a população.”

O Marco do Saneamento, que ampliou a participação da iniciativa privada no setor, foi um alento. Mas ainda há muito a avançar. Da população brasileira, 17% ainda não tem acesso a água potável. Quase 45% não é servida por coleta de esgoto. A nova legislação prevê que, até 2033, 99% tenham água e 90% esgotamento sanitário. O último objetivo está muito distante e, pelo ritmo dos investimentos, fica a cada dia mais difícil que seja cumprido. Mas isso não é desculpa para que governos federal, estaduais e municipais deixem de se esforçar. Pelo contrário.

Existe uma ideia perniciosa, infelizmente ainda bastante disseminada, segundo a qual obras de saneamento não interessam a políticos, porque não aparecem e não dão votos. Mas não é questão de visibilidade. Levar água potável aos brasileiros e implantar sistemas de coleta e tratamento de esgoto reduz o risco de doenças — em especial em crianças —, acaba com o cenário repugnante dos valões a céu aberto e melhora a qualidade de vida. Políticos deveriam saber que tratar o cidadão com dignidade também dá voto.

Reforma administrativa traz avanços e merece apoio

Valor Econômico

Propostas valorizam servidores públicos e podem melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população brasileira

O Estado brasileiro tem uma folha de salários que rivaliza com a de países desenvolvidos. Não é que haja funcionários demais, mas há enorme disparidade de remuneração dos servidores do Estado em um país que já é dos mais desiguais do mundo. A qualidade de serviços básicos vitais, como educação, saúde e segurança, é muito ruim, com carência de pessoal e baixa remuneração no atendimento direto à população e folga de pessoal em cargos de gabinete bem remunerados. Há décadas se tenta realizar uma reforma administrativa que dê racionalidade, economicidade e produtividade à máquina do Estado, sem sucesso. Agora há uma nova chance, que não deveria ser desperdiçada, com o projeto com relatoria a cargo do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ). Ele contém várias das boas ideias, consolidadas nos debates ao longo do tempo, sobre como melhorar a gestão do Estado.

União, Estados e municípios tornaram-se uma Babel de carreiras dificilmente administrável. Apenas no Executivo existem 309 delas, como apontaram o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, Carlos Sundfeld e Ana Carla Abrão em estudo propondo a reforma do RH do Estado. Gestão e governança são um dos quatro eixos das propostas do relator. Elas organizam a entrada no serviço público, por meio de um concurso nacional unificado que deveria abranger Estados e municípios. Além de suprir carências de recursos para seleção destinada a entes federativos pobres, estabelece um necessário nível mínimo de capacitação compatível com as exigências da máquina pública.

Os salários da administração pública não têm relação com a função. Um auxiliar administrativo pode receber R$ 12,3 mil no Incra e R$ 21,3 mil nas agências reguladoras. Há carreiras em que a remuneração inicial é alta, a pouca distância de seu teto. A ideia do relator é enxugar carreiras e unificar salários em um prazo de dez anos. Os salários iniciais serão a metade dos do topo da carreira, com vários níveis de progressão, a serem atingidos por avaliação de desempenho.

É algo corriqueiro no setor privado, mas a avaliação de desempenho, com critérios técnicos e transparentes, seria quase uma revolução no setor público brasileiro. Ela existe, mas seus resultados são irrelevantes, porque feita pro forma, para cumprir exigências burocráticas. Em boa parte das funções do Estado o critério informal é o do tempo na função, ultrapassado, mas que desperta até hoje saudades em algumas carreiras, que recebiam aumentos por quinquênio, pela simples permanência no serviço. São perenes as tentativas de ressuscitá-lo, em especial no Judiciário.

A avaliação de desempenho, além de permitir promoções por mérito, tornará possível a demissão por aproveitamento reiteradamente insatisfatório. Segundo Pedro Paulo, o objetivo da reforma não é o enxugamento de pessoal ou o fim da estabilidade, mas a Constituição arrola demissão por desempenho insatisfatório. Seu projeto pretende disciplinar também o uso de temporários em todos os níveis da administração, limitando os contratos a 5 anos, com uma quarentena de 12 meses para a recontratação e a formação de um banco de funcionários para atender eventuais necessidades de Estados e municípios. Com isso pretende dar regras a empregos necessários que durante um bom tempo foram usados para fugir aos limites de gastos com pessoal fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Uma proposta importante, e polêmica por mexer na autonomia dos municípios, estabelece limites para o número de secretarias das prefeituras e vereadores das cidades em que mais de 50% de seus recursos não sejam próprios, mas provenientes de repasses. Não são incomuns os casos de prefeituras em que a arrecadação é suficiente apenas para pagar salários de funcionários e os da Câmara Municipal.

A reforma administrativa não mira economia de recursos, mas é óbvio que ela pode poupar bilhões de reais aos cofres públicos. A proposta coíbe os supersalários ao procurar fechar dezenas de brechas pelas quais se infiltram pretensas verbas indenizatórias, que fazem as remunerações ultrapassar bastante o teto do funcionalismo e escapar do Imposto de Renda. Projeto da Câmara não votado, por exemplo, pretendia “limitar” as indenizações a nada menos de 30 casos. As indenizações terão de ser aprovadas em lei, com comprovação de seu caráter “temporário e não repetitivo”, diz Pedro Paulo. A proposta põe fim às férias de 60 dias de juízes e magistrados, em muitos casos não gozadas e transformadas em remuneração.

Há enormes obstáculos à aprovação da reforma e o mais conhecido é o poderoso lobby dos servidores públicos, em especial os do Judiciário. Além disso, temas polêmicos como esse já estarão tramitando em um ano eleitoral, com Legislativo e Executivo pouco dispostos a desagradar a setores do eleitorado. O governo Lula deveria colocar empenho em sua aprovação, retirando o estigma de que a reforma pretende punir os funcionários públicos, quando na verdade ela pode levar à melhoria de salários, menos injustiça nas remunerações, valorização dos servidores e, seu objetivo último, melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população brasileira.

Ativismo de Dino cria uma barafunda

Folha de S. Paulo

No afã de proteger o colega Moraes de sanções aplicadas pelos EUA, ministro coloca sistema financeiro do país em dilema

Medidas são erradas não por questões jurisdicionais, mas por violar a Lei Magnitsky, concebida para punir ditadores; julgamento de Bolsonaro é legítimo

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, foi ativista e imprevidente em sua tentativa de proteger o colega Alexandre de Moraes de sanções aplicadas pelos Estados Unidos pela Lei Magnitsky.

Ativista porque, em primeiro lugar, tomou sua decisão num processo que nada tem a ver com a Magnitsky ou com Moraes —o caso de prefeituras mineiras e capixabas que cobram em cortes britânicas indenização pelo desastre de Mariana (MG).

Seu despacho antecipa a ação específica para tratar das sanções americanas, que está a cargo do ministro Cristiano Zanin —o qual, sabiamente, optara por um rito mais ortodoxo, ouvindo a Procuradoria-Geral da República e, até aqui, sem recorrer a decisões monocráticas.

Dino foi imprevidente porque, mesmo que a intenção tenha sido a de dar aos bancos e outras empresas um argumento jurídico para não sancionar Moraes, criou uma barafunda com repercussões não apenas no mundo da Justiça mas também nos mercados e no relacionamento diplomático entre Brasil e EUA.

Não é impossível que o despacho do magistrado agrave o embate entre o Supremo e o governo de Donald Trump, o que poderia gerar novas e mais pesadas sanções para brasileiros.

Daí não se segue, é claro, que o Brasil deva ceder às chantagens de Trump. Mas não havia a menor necessidade de, numa canetada monocrática e no lugar errado, abrir uma caixa de Pandora.

A decisão de Dino é essencialmente um gesto político. Em termos técnicos, ela apenas reafirmou uma obviedade jurídica, a de que leis estrangeiras não têm eficácia automática no Brasil.

Mas, ao notificar Banco Central, Febraban e outras entidades que nada tinham a ver com o caso de Mariana, ela levou bancos a um dilema: ou desafiam o STF ou correm sérios riscos econômicos por não acatar a Magnitsky.

Não é uma questão de jurisdição. Os EUA não pretendem que sua legislação vigore no Brasil. O que a norma prevê são penalidades para instituições que atuem nos EUA sem cumprir a lei.

Secundariamente, podem-se punir empresas americanas que se relacionem com quem não aplica as sanções. É o que basta para causar tumulto para negócios que não têm como se desligar de um sistema global que necessariamente passa pelos EUA.

Convenha-se que isso não é muito diferente do que fez Moraes quando exigiu que big techs americanas, para atuar no Brasil, acatassem determinações da Justiça brasileira cuja consecução implicava ações em território americano, onde estão os servidores dessas empresas.

As sanções contra Moraes são erradas não por questões jurisdicionais, mas por violar o próprio espírito da Lei Magnitsky, concebida para punir ditadores e grandes criminosos. Moraes e seus colegas, apesar de muitas decisões contestáveis, cumprem sua função ao julgar Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado.

Exigir qualidade nos cursos de medicina

Folha de S. Paulo

MEC punirá faculdades com maus resultados em exame para tentar evitar formação deficiente; proliferação é risco a pacientes

Batalha pela saúde é contínua, mas a profissão, diante da missão de zelar pela vida, não é atividade para ser regulada apenas pelo mercado

Não é de hoje que meios acadêmicos e órgãos de classe discutem estabelecer parâmetros ante a propagação indiscriminada de faculdades de medicina pelo país, sob o risco de formação inadequada desses novos profissionais. É alvissareiro, portanto, o anúncio do Ministério da Educação de que irá suspender o vestibular e vetar a ampliação de cursos mal avaliados.

Por meio do Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed), que será aplicado no dia 19 de outubro aos estudantes do último ano, as universidades que registrarem conceito 1 ou 2 na prova, em uma escala até 5, passarão por uma "supervisão estratégica" em 2026, relatou o ministro Camilo Santana.

Ainda segundo o MEC, cursos com conceito 2 terão redução de vagas para o ingresso; já a instituição com nota 1 não poderá receber novos alunos. Estão previstas, ainda, suspensão de contratos de financiamento estudantil, como o Fies, e participação no Prouni, que concede bolsas integrais e parciais na graduação.

Caso mantenha nota baixa em testes posteriores, o curso poderá até mesmo ser extinto. O plano do ministério inclui visitas técnicas para vistoriar as faculdades —que poderão apresentar defesa, mas sem prazo determinado para afastar as punições.

A multiplicação vertiginosa foi aferida pelo Censo da Educação Superior. Dados relativos a 2023 apontam que havia 46.152 vagas de medicina em cursos privados, além de 14.403 em escolas públicas. Já em 2012, eram somente 10.217 disponíveis no primeiro modelo e 7.424 no segundo.

À primeira vista, pode ser questionável criar mecanismos para conter a formação de profissionais num país que tem grave déficit de acesso à assistência médica, sobretudo em áreas remotas.

Ocorre que essa leva de novos médicos tem se mostrado ineficaz para equilibrar a distribuição regional. O Brasil tem 2,6 profissionais por mil habitantes, índice semelhante ao dos EUA, mas a cobertura no Distrito Federal, por exemplo, é cinco vezes a do Pará.

Ou seja: o país ampliou a formação de médicos, mas boa parte tem se estabelecido em serviços privados em capitais e grandes centros, com nível de proficiência no mínimo questionável.

Muitas dessas instituições mais recentes não dispõem de professores qualificados e enfrentam limitação de ambulatórios e hospitais para treinamento —e não cabe ao SUS exercer esse papel.

A batalha pela universalização da saúde é contínua, mas a medicina, diante da missão de zelar pela vida, não é atividade para ser regulada apenas pelo mercado.

A tirania das liminares no Supremo

O Estado de S. Paulo

Decisões monocráticas como a de Dino deveriam ser exceções, mas se tornaram regra. Quando um só ministro fabrica regras de alto impacto, sem debate colegiado, corrói a legitimidade do STF

Lá se vão três dias desde que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino manipulou uma decisão sobre os desastres de Mariana e Brumadinho (MG) para tentar blindar seu colega Alexandre de Moraes dos efeitos de sanções econômicas impostas pelos EUA, precipitando o pânico no sistema financeiro. Mais uma vez, um único magistrado fabricou regras de alto impacto político e econômico, sem debate colegiado, deixando a sociedade e os agentes públicos num limbo jurisdicional. Não se trata de episódio isolado, mas de um vício sistêmico que corrói a legitimidade da Corte: o monocratismo e o abastardamento da colegialidade.

O Supremo tornou rotineiro o que deveria ser absolutamente excepcional. Em 2023, nada menos que 83% de suas decisões foram individuais. Isso prostitui a lógica de um tribunal constitucional, cuja autoridade se funda na pluralidade de vozes e na força persuasiva de deliberações colegiadas. Quando um togado decide sozinho sobre temas que envolvem bilhões de reais, a elegibilidade de candidatos ou a liberdade de ex-presidentes, não há democracia nem segurança jurídica que resistam.

Exemplos são abundantes. O inquérito das fake news, conduzido por Moraes, concentrou em suas mãos poderes de investigação, acusação e julgamento, atropelando garantias processuais e alimentando recriminações de arbitrariedade. Em 2014, Luiz Fux concedeu, por liminar, auxílio-moradia a todos os juízes e procuradores, e só a revogou em 2018, após um acordo de aumento salarial – um caso claro de chantagem corporativa. Há anos Dias Toffoli vem anulando condenações da Lava Jato, em choque com decisões colegiadas anteriores e em benefício de criminosos confessos. Cada uma dessas decisões simboliza o desvio: de guardiões da Constituição, ministros se convertem em protagonistas dotados de um poder pessoal sem contrapesos.

A previsibilidade jurídica – condição para investimentos, contratos e confiança institucional – evapora quando um só ministro pode, por anos, suspender leis ou decretos sem prazo de revisão. Pior: quando finalmente chegam ao plenário, tais decisões quase sempre são confirmadas, não pela força dos argumentos, mas pelo constrangimento de reverter efeitos já consolidados. Em 2023, Ricardo Lewandowski suspendeu trechos da Lei das Estatais, abrindo caminho para nomeações políticas em empresas públicas pelo governo (do qual hoje é ministro). Em uma decisão teratológica, o colegiado reabilitou meses depois os dispositivos, mas manteve as nomeações a pretexto, ora vejam, da “segurança jurídica”. Assim, questões de magnitude nacional acabam, na prática, decididas por um único indivíduo.

Alexandre de Moraes anda se jactando de que não perdeu nenhum dos mais de 700 recursos contra suas ordens nos inquéritos e julgamentos das tramas golpistas. Mas isso soa menos como demonstração de autoridade e mais como sintoma de perversão estrutural. Se um tribunal jamais corrige decisões individuais que se prolongam no tempo, é porque a colegialidade foi esvaziada e substituída por uma homologação automática.

Decisões monocráticas deveriam restringir-se a hipóteses de urgência extrema, imediatamente submetidas ao plenário. Não se trata de enfraquecer a Corte, mas de fortalecê-la. Sua autoridade deriva do colegiado, não da vontade individual de cada ministro. É no debate entre 11 magistrados, e não na vontade de um só, que se forja a legitimidade democrática de suas sentenças.

Persistir nessa rota é arriscar a credibilidade do tribunal. Pesquisas registram a queda vertiginosa da confiança popular, e não por sua defesa do Estado de Direito, mas pelos abusos cometidos a pretexto dela. Ao insistir no monocratismo, o STF torna-se alvo fácil – e frequentemente legítimo – para políticos que o acusam de ativismo e autoritarismo.

A democracia brasileira não precisa de vigilantes iluminados, mas de juízes que cumpram a lei com modéstia institucional. O Supremo não pode continuar a ser, ao mesmo tempo, tribunal e palco de performances pessoais. Se não recuperar a centralidade da colegialidade, arrisca-se a perder aquilo que sem o qual nenhum Poder republicano sobrevive: o respeito e a confiança da sociedade.

Frente ampla do oportunismo

O Estado de S. Paulo

Presidente do PT espera reeditar a ‘frente ampla pela democracia’ que elegeu Lula em 22, agora a pretexto de defender a soberania nacional. Mas essa patranha petista não cola mais

Na véspera do lançamento da federação União Brasil-PP, o presidente do PT, Edinho Silva, reuniu num jantar alguns dos principais caciques partidários do País, juntando quadros que, em tese, compõem a chamada “frente ampla” que o lulopetismo tenta reeditar. Oficialmente o jantar foi organizado para comemorar a sua posse como novo presidente do PT; na prática, foi uma forma de o comissariado petista começar a montar o que vem defendendo – uma frente ampla como a que se viu em 2022, destinada agora a se unir em favor da democracia e da soberania brasileira ante a ação de Donald Trump e do bolsonarismo contra o Brasil. Acredita quem quer, porque o convescote só deixou ainda mais claro o que já parecia evidente havia algum tempo: hoje é quase impossível ao lulopetismo repetir a façanha da última disputa presidencial.

Exemplos não faltam. Depois de abraçar Edinho no jantar, no dia seguinte o presidente do PP, Ciro Nogueira, usou o palanque de oficialização da federação para repetir as críticas severas que tem feito a Lula, ao governo e ao PT. Na mesma data, o Republicanos se dividiu: enquanto se uniam a Lula em almoço o presidente da sigla, Marcos Pereira, o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, e o presidente da Câmara, Hugo Motta, o governador Tarcísio de Freitas discursava no ato de instalação da federação. No União Brasil, a divisão não é menos aparente. Seu presidente, Antonio Rueda, é um duro adversário do lulopetismo e de seu ideário, e enfático defensor de uma candidatura oposicionista. O PSD de Gilberto Kassab, igualmente, já deixou claro que ou seguirá com candidatura própria ou apoiará outra frente ampla, a da direita. Enquanto isso, morubixabas petistas enviam flores a outros símbolos da frente ampla de 2022, as ministras Simone Tebet e Marina Silva, potenciais candidatas ao Senado ou à Câmara dos Deputados.

Ou seja, o prato principal das promessas de Edinho Silva, feitas em nome do demiurgo petista, corre o risco de azedar ainda na degustação. Não é improvável que se resuma a isto: jantares de confraternização, apoios localizados, ou no máximo a construção de palanques nos Estados, sem espaço para que os partidos de centro se integrem à coligação governista. É um caminho natural para uma coalizão que jamais existiu. Como se sabe, Lula ganhou a eleição de 2022 embalado pela pregação de união nacional em defesa da democracia contra o bolsonarismo. Mas a tal frente ampla só durou até a posse, pois logo foi dragada pela natureza lulopetista de concentração de poder e de visão econômica perdulária e estatista. E foi assim que Lula colecionou índices medíocres de popularidade até reanimar sua base graças à truculência de Donald Trump e Jair Bolsonaro, que lhe deram a chance de reeditar o discurso decisivo de três anos atrás.

A patranha não cola mais. Diálogos e afagos à parte, centristas e moderados em geral sabem que o lulopetismo não cumpriu a promessa de um governo de frente ampla democrática. Entregou ministérios fracos e esvaziados para os sócios de direita e de centro-direita. Foi incapaz de formular e implementar ideias que fossem além da habitual cartilha petista. Não demonstrou vontade e habilidade para, de fato, formar uma coalizão no Congresso. Não distribuiu poder e recursos de forma proporcional entre as diversas forças políticas da coalizão. Tornou mais difícil o que já seria complicado, dada a mudança na correlação de forças na sociedade e no Legislativo, que aumentou o controle sobre o Orçamento.

A frente ampla, para dar certo, pressupunha a liderança de uma versão brasileira de Nelson Mandela, líder que, mesmo após 27 anos de prisão, dialogou com seus algozes em nome da união e da pacificação da África do Sul. Uma coalizão, para funcionar de fato, requer eficiência na sua gestão política, e não a concentração de poder num partido inversamente proporcional à sua capacidade de agregar apoios. Nada disso se viu nem se verá. Seria esperar demais de um partido e de uma liderança que nunca esconderam suas pretensões hegemônicas e seus programas retrógrados. Essa é a quadratura do círculo de Edinho Silva, que precisará de muito mais do que jantares para reeditar a proeza de 2022. Ou deixará claro o que até aqui parece óbvio: a tese da frente ampla é mero artifício usado como arma eleitoral. Oportunismo puro.

Pressa temerária

O Estado de S. Paulo

Compra do Banco Master pelo BRB exige cautela, o que faltou ao Legislativo do DF

Bastou uma tarde para que a Câmara Legislativa do Distrito Federal aprovasse um projeto de lei de última hora que autoriza o Banco de Brasília (BRB) – um banco público, cabe ressaltar – a comprar 100% das ações preferenciais e 49% das ações ordinárias do Banco Master, instituição financeira envolta em uma série de suspeitas.

A mais recente delas é uma investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) segundo a qual o Master investiu R$ 2,1 bilhões em empresas sem capacidade econômica de gerar retorno dos investimentos, o que “pode comprometer severamente a solidez patrimonial da instituição financeira”, de acordo com relatório da própria CVM obtido com exclusividade pelo Estadão.

Ainda conforme a investigação, essas operações podem ter inflado artificialmente o patrimônio do Master para torná-lo mais atrativo em uma negociação. O BRB anunciou a intenção de adquirir parte do Master no fim de março.

O Banco Master ganhou notoriedade por pegar os recursos que os clientes investiam em produtos como CDBs, remunerados com taxas bem acima das de mercado, e aplicar em ativos como precatórios, cujo risco de postergação de pagamento é bastante elevado.

Tais práticas acabaram por gerar preocupação quanto a um desequilíbrio no Fundo Garantidor de Créditos (FGC), espécie de seguro ao investidor usado como chamariz pelo Master para atrair clientes. Para o mercado, o que o Master fazia provocava assimetrias no FGC. Não por acaso, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou, recentemente, regras mais rígidas para instituições financeiras que contam com a cobertura do FGC.

Pairam ainda sobre o Master suspeitas de práticas abusivas na concessão de crédito consignado a aposentados e pensionistas. Fornecedores também acusam o banco de dar calote.

Diante desse preocupante histórico, que ganha novos capítulos dia após dia, era de se esperar que o parlamento distrital do DF ao menos devotasse mais tempo para autorizar o BRB a comprar um banco tão encalacrado quanto o Master.

Não foi, porém, o que se viu. Inicialmente ignorado pelo governo do DF, cujo entendimento era de que os deputados distritais não precisavam ser consultados sobre o negócio, estimado em R$ 2 bilhões, o Legislativo local só ganhou a oportunidade de avaliar a importante operação porque o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) assim o determinou – e por duas vezes.

Mas ao contrário do Banco Central (BC), que há meses vem recebendo documentos e dando o tempo necessário para que seu corpo técnico avalie se a compra de parte do Master pelo BRB se justifica, os deputados distritais do DF aprovaram o projeto de lei que autoriza a compra sem praticamente fazer aquilo que é função do Legislativo: debater.

Resta esperar que o BC, que tem a palavra final sobre a aquisição do Master pelo BRB, siga atuando com a parcimônia demonstrada até aqui e, sem nenhuma pressa, avalie a viabilidade de um negócio que, à luz das revelações que não param de surgir, mostra-se cada vez mais complexo.

MEC acerta com ações sobre cursos de Medicina

O Povo (CE)

O Ministério da Educação precisa levar à frente as iniciativas anunciadas, aplicando-as com rigor, de modo a corrigir os erros que hoje se apresentam, deixando funcionar somente os cursos em condições de oferecer formação de qualidade

O ministro da Educação, Camilo Santana (PT-CE), anunciou, nesta quarta-feira, que o Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (EnaMed) será aplicado pela primeira vez em outubro deste ano. Lançado em abril, a prova tem o propósito de avaliar a qualidade dos cursos de Medicina no País.

A partir de agora, o EnaMed será obrigatório para o estudante que quiser participar do Exame Nacional de Residências (Enare). Portanto, será um incentivo para comparecerem ao EnaMed. E a decisão do MEC já fez efeito. Durante todo o ano de 2024, houve 32 mil inscrições no EnaMed, número que subiu para 96 mil nos sete primeiros meses de 2025.

Segundo Camilo Santana, "o grande objetivo" do EnaMed é melhorar a formação médica, a par de outras medidas que serão aplicadas. Entre elas, mais rigor no monitoramento e visitas presenciais de fiscais do MEC nos cursos, a partir de 2026.

O resultado da avaliação é que vai determinar as providências que terão de ser tomadas pelos cursos mal avaliados, em uma escala que vai de 1 (nota mínima) até 5 (máxima).

As punições que serão tomadas em relação aos cursos mal avaliados variam conforme o índice obtido pelo curso. As sanções podem incluir redução de vagas de ingresso (nota 2), chegando à suspensão do curso (nota 1). Os conceitos 1 e 2 ainda terão suspensos os contratos de financiamento estudantil (Fies) e o de bolsas (Prouni). Caso não haja melhora ou as medidas exigidas pelo MEC não forem cumpridas, os cursos poderão ser extintos.

Segundo a Radiografia das Escolas Médicas no Brasil, publicada pelo portal do Conselho Federal de Medicina, além da falta de estrutura adequada para o funcionamento de muitos cursos, existe um "aumento desenfreado no número de faculdades e de vagas nos últimos anos". A partir de 2010, foram criadas 210 novas escolas médicas em todo o território nacional, sendo 150 particulares e 60 públicas.

Age corretamente o MEC ao apertar a fiscalização sobre as faculdades de Medicina que proliferam pelo Brasil, boa parte delas funcionando precariamente. Um controle rigoroso da qualidade dos cursos reduzirá o risco de médicos receberem o diploma sem a formação adequada para atender à população.

Mesmo com altas mensalidades, há uma grande demanda pelos cursos de Medicina. Devido a isso, constituem-se um mercado de alta rentabilidade, atraindo a iniciativa privada. Por óbvio, não se pede ao mercado que faça benemerência, mas quando se trata da vida humana, o lucro não pode ser o único objetivo.

Portanto, o MEC precisa levar à frente as iniciativas anunciadas, aplicando-as com rigor, de modo a corrigir os erros que hoje se apresentam, deixando a funcionar somente os cursos em condições de oferecer formação de qualidade.

 


 

 

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