quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Há mais coisas no ar, por Merval Pereira

O Globo

A missão do avião americano foi autorizada pelo governo brasileiro numa hora dessas?

Há um avião misterioso pousando em aeroportos brasileiros e navios rumo à costa da Venezuela, levantando todo tipo de teorias conspiratórias. Sendo Donald Trump presidente dos Estados Unidos, todas podem ser verdadeiras. Os Estados Unidos invadirão a Venezuela a pretexto de combater o governo de Nicolás Maduro, a quem acusam de chefiar cartel de narcotráfico? A missão do avião americano foi autorizada pelo governo brasileiro numa hora dessas? Faz parte de alguma negociação secreta ou demonstração de boa vontade brasileira?

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino não precisava transformar em decisão com efeito vinculante sua posição pessoal sobre a aplicação da Lei Magnitsky contra seu colega, o ministro Alexandre de Moraes, mesmo porque a causa de que era relator tratava de uma disputa judicial na Inglaterra. A decisão de Dino, embora pareça uma defesa da soberania, é inútil em relação à Lei Magnitsky, que não tem vigência no território brasileiro. Ela vale no exterior, para instituições financeiras que tenham relação comercial com Moraes.

Se um banco brasileiro fizer qualquer tipo de transação internacional com ele — cartão de crédito ou transferências bancárias —, será punido pelo governo dos Estados Unidos. Simples assim. Não existe interferência nenhuma nas ações internas no Brasil. As leis brasileiras valem para os bancos brasileiros em território nacional. Se um deles arriscar uma transação internacional com o ministro e tentar escapar da lei nos Estados Unidos, pode até fazer, mas não vai dar certo. Os Estados Unidos sempre usaram essas sanções extraterritoriais.

Um exemplo do cotidiano são os charutos cubanos, que não podiam ser vendidos em lojas duty free cujos proprietários tivessem relações comerciais com os Estados Unidos. Durante muitos anos, não se vendia charuto cubano em duty free do Brasil, porque a empresa tinha lojas nos aeroportos de várias cidades americanas e sofreria as sanções lá. Pode-se dizer que é uma interferência do mais forte sobre o mais fraco, mas é assim, não tem como mudar. A solução é difícil, porque a questão de Trump é política, não comercial nem econômica. A troco de defender os direitos humanos, faz chantagem para defender Bolsonaro.

Sem querer, Dino colocou os bancos e instituições financeiras brasileiras em situação de ter de escolher a quem desobedecer, às leis brasileiras ou às americanas. Ontem mesmo Moraes reforçou que as instituições brasileiras poderão ser punidas caso se recusem a obedecer às decisões do Supremo. Só pode ser mais uma das brincadeiras de Dino — ele é conhecido como bem-humorado e irônico — dizer que não sabia que era tão poderoso a ponto de derrubar a Bolsa de Valores brasileira e a cotação do dólar.

Dino tem noção exata do peso de uma decisão do STF, pelo menos assim esperamos. A solução seria discutir num tribunal internacional a validade da aplicação da Lei Magnitsky no caso de Moraes. É evidente que o governo Trump usa indevidamente uma lei feita para punir criminosos, traficantes internacionais e ofensores dos direitos humanos com intuito político, e vários especialistas internacionais, inclusive o autor da lei original e coautor da lei atual, ampliada no governo Obama, têm criticado esse uso arbitrário da legislação.

Um questionamento direto sobre a validade da Magnitsky está em mãos do ministro Cristiano Zanin, que conversa com representantes do sistema financeiro para tentar uma saída que não os prejudique, mas também preserve a soberania nacional. Tarefa quase impossível, pois o que Trump quer mesmo é pressionar o governo brasileiro para tentar neutralizar o julgamento de seu “amigo” Jair Bolsonaro. Como dizia o Barão de Itararé, há mais coisas no ar do que aviões de carreira.

 

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