Valor Econômico
Na avaliação de um ministro, sanção não foi o desfecho de uma escalada de ameaças contra a soberania brasileira mas o começo
A manifestação de duas senadoras democratas, Jeanne Shaheen, de New Hampshire, e Elizabeth Warren, de Massachusetts, sinalizou, a integrantes do primeiro escalão do governo, não apenas o alcance pretendido por Trump como a chance de uma ação do Brasil vir a ter apoio da oposição americana. Nesta nota, as senadoras classificam de “absurda” a sanção contra Moraes por meio da Lei Magnitsky, por desvirtuar finalidade de coibir “abusos sérios aos direitos humanos” ao redor do mundo.
“Isso não é apenas um abuso limítrofe de um
instrumento de política externa americana: é alvejar um ministro do Supremo
Tribunal Federal que está conduzindo o julgamento de um ex-presidente acusado
de planejar um golpe contra os resultados de uma eleição democrática no
Brasil”, diz a nota, que relaciona a sanção ao tarifaço contra produtos
essenciais aos EUA.
“Como se insurgir contra um sistema judicial independente na
quarta maior democracia do mundo pode fazer a América mais segura, forte e mais
próspera?”, prosseguem as senadoras antes de concluírem: “Este é mais um
exemplo de que o presidente Trump prioriza os interesses políticos de seus
aliados contra os interesses do povo americano”.
Se a manifestação sinaliza para o apoio político da oposição
americana a uma atuação do governo brasileiro em defesa de Alexandre de Moraes,
ainda não se sabe que caminhos serão seguidos. As possibilidades, que começaram
a ser discutidas no jantar oferecido na noite de quinta-feira pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva aos ministros do Supremo Tribunal Federal, com as
presenças do advogado-geral da União, Jorge Messias, e do ministro da Justiça,
Ricardo Lewandowski, serão delineadas a partir da avaliação de Moraes sobre o
caminho preferencial a ser seguido.
Não há um único. O procurador da República Vladimir Aras, um dos
maiores conhecedores da Lei Magnitsky, no Brasil, vê nas sanções aplicadas
contra procuradores e juízes do Tribunal Penal Internacional (TPI) os
precedentes que mais se assemelham ao caso Moraes. A ex-procuradora do TPI,
Fatou Bensouda, sancionada pela Magnitsky no primeiro governo Trump só foi
excluída da sanção pelo sucessor, Joe Biden.
Há outros casos, também relacionados ao TPI, em que dois
especialistas americanos em direitos humanos foram impedidos de se comunicar
com outro procurador do tribunal sancionado Karim Khan. Recorreram à justiça
federal do Estado de Maine com base na Primeira Emenda à Constituição dos EUA,
ou seja, como uma ofensa à liberdade de expressão. Ambos os casos trazem Trump
usando uma lei aprovada para sancionar violadores de direitos humanos contra
profissionais incumbidos de defendê-los frente às violações perpetradas em Gaza
pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
Na frente doméstica, em defesa do direito do ministro de usar os serviços de
empresas americanas, de cartões de crédito ou comércio eletrônico, por exemplo,
Aras diz que o embasamento é o da ordem pública. Da mesma maneira que as
plataformas digitais Rumble e Truth Social entraram com um processo para
proibir os efeitos de decisão de Moraes lá, expediente desnecessário uma vez
que o Ministério da Justiça já havia avisado ao seu homólogo americano que a
decisão não tinha efeito extraterritorial, o mesmo se aplica à aplicação de lei
americana no território nacional. “A aplicação de uma lei americana no Brasil
violaria a ordem pública”, diz Aras.
Para o procurador, o Brasil estaria mais protegido se tivesse
uma lei, como a União Europeia, que bloqueia o efeito extraterritorial de
sanções americanas. A lei europeia é de 1996. O governo brasileiro não planeja
encampar nenhuma iniciativa nesse sentido, seja por projeto de lei, seja por
medida provisória. De toda maneira, se uma lei dessa já estivesse em vigor,
empresas de cartão de crédito, frente à opção de pagar multa em dólar pela
desobediência a uma lei americana ou em reais pelo desacato a uma lei
brasileira, tenderiam à segunda opção.
Restam a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte
Internacional de Justiça. Ambas têm baixa efetividade, mas o recurso a uma, a
outra ou a ambas pode ser um imperativo da necessidade de o Brasil demonstrar
que não aceitará este caso como precedentes de outras ofensivas de Trump contra
a soberania nacional.
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