O Globo
Consequências de aquiescer com o emprego
extensivo de sanções podem atingir até os que hoje celebram castigos impostos a
Alexandre de Moraes
Mesmo aqueles que fazem severos reparos às
decisões de Alexandre de Moraes nos processos por ele relatados deveriam se
preocupar com as consequências da aplicação da Lei Magnitsky contra o ministro,
ainda mais se prevalecer a extensão que alguns querem dar às sanções.
Para além do inaceitável precedente de uma nação pressionando outra a rever decisões de Poder Judiciário autônomo e independente deturpando o escopo de uma lei, os demais reflexos do tipo de submissão que pode ser exigido das instituições financeiras são um risco gravíssimo à soberania nacional e à segurança de todo o sistema bancário. Isso não diz respeito apenas a Moraes, mas a todas as autoridades e empresas e a cada cidadão brasileiro. Uma vez que se ceda sem resistência, qualquer um pode ser alvo.
Até agora não se sabe ao certo o alcance das
vedações impostas ao ministro. Embora não tenha sido determinado seu banimento
financeiro, as instituições passaram a traçar cenários catastrofistas, que vão
do fechamento de agências no exterior até o rompimento de contratos entre
bancos e big techs para a gestão de dados na nuvem, caso o mantenham em seus
registros, até para receber seus vencimentos.
A decisão do ministro Flávio Dino numa ação
que trata de outro assunto veio para conter esse barata-voa, antes de tudo.
Havia indignação entre os ministros do Supremo Tribunal Federal com o que
entenderam como capitulação prévia dos bancos, e o recado foi claro: não havia
hipótese de fazerem a aplicação draconiana de uma lei estrangeira em solo
nacional sem que houvesse contraordem.
A reação do mercado à decisão de Dino mostra
o grau de pavor diante do imponderável: os próximos passos do governo Donald
Trump. É disseminada a percepção segundo a qual, com a aproximação do
julgamento de Jair Bolsonaro, novas medidas podem ser anunciadas contra o
Brasil nos planos político e econômico.
É por isso que a resposta brasileira a esse
estado de coisas precisa ser coordenada, racional e altiva, como escrevi na
minha coluna mais recente. No caso da réplica à Lei Magnitsky, mais efetiva que
a decisão de Dino seria a aprovação, pelo Congresso Nacional, de leis
antissancionatórias como as de que dispõe a União Europeia. O principal desses
instrumentos, o Estatuto de Bloqueio, visa a neutralizar os efeitos
extraterritoriais de sanções impostas por outros países contra membros da UE e
a proteger empresas do bloco. Há, ainda, um arcabouço de medidas de
contracoerção, que desencorajam o tipo de uso da força praticado pelos Estados
Unidos contra o Brasil em diferentes frentes.
Se um país do tamanho e da importância
estratégica do Brasil não conseguir discutir de forma séria e urgente um plano
de soberania que vá além da bravata e do gogó, as consequências serão cada vez
mais difíceis de prever. E podem se voltar até contra aqueles que, de forma
pueril, celebram hoje os castigos impostos a Alexandre de Moraes.
Parece improvável que empresas como as
provedoras de tecnologia ou as bandeiras de cartões de crédito cerrem fileiras
de forma categórica ao lado do governo Trump na defesa intransigente de uma
única pessoa, chamada Jair Bolsonaro, abrindo mão de contratos milionários com
bancos e empresas brasileiras e de um mercado consumidor do tamanho do
brasileiro.
Ou governo, Legislativo e STF entendem que
precisam dar uma resposta firme, uníssona e articulada, que contemple múltiplos
fatores, ou a crise poderá se agravar muito. É preciso, de cara, colocar de pé
um plano de soberania digital que tire do radar a ameaça de que um motim das
big techs possa levar a um apagão de dados e afetar a segurança e a economia
nacionais.
O Brasil é grande demais para ficar à mercê
dos caprichos de Trump e dos grilos falantes que têm acesso aos ouvidos de seus
funcionários graduados.
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