Folha de S. Paulo
Nenhum país sofre um ataque
similar, deflagrado por razões político-ideológicas
Trump pega leve com a China,
a Rússia e até a Venezuela, que voltará a contar com a parceria Chevron-PDVSA.
Pega pesado com os aliados, como Europa, Canadá e Japão, a quem impõe acordos
comerciais desiguais.
Mas nenhum país sofre um ataque similar ao deflagrado contra o Brasil, que é sancionado por razões político-ideológicas. À tarifa-sanção soma-se a revogação de vistos de oito ministros do STF e a aplicação da Lei Magnitsky sobre Alexandre de Moraes. É hora de descer à trincheira e enfrentar o desafio.
Lula precisa contrariar seu
hábito de capturar qualquer oportunidade para montar um palanque eleitoral. Tem
a obrigação de trocar as vestes de candidato pelas de estadista. Só assim
firmará um pacto de unidade nacional, isolando o bolsonarismo quinta-coluna.
O governo não precisa de
ninguém para equilibrar o cálculo econômico negociador com o imperativo
político de retaliar. Inteligência estratégica significa ajustar a mira nos
pontos fracos: taxação das big techs, quebra de patentes farmacêuticas.
Afirmação de soberania exige mais que discursos retumbantes: trata-se de
aplicar contra-sanções, mesmo simbólicas, como a revogação de vistos de altas
figuras selecionadas do governo Trump.
O pacto de unidade é
necessário, porém, para uma confrontação que tende a se prolongar. Sem ordem
nos gastos públicos, inexiste espaço responsável para oferecer crédito aos
setores atingidos pela sanção tarifária, preservando empresas e empregos. O
Congresso, dono de um tesouro em emendas, e o Judiciário, proprietário
de um latifúndio de supersalários, têm que ser chamados ao dever de colocar a
nação acima da corporação.
A Lei Magnitsky nasceu em
2012 para sancionar autoridades russas responsáveis pelo assassinato na prisão
de um advogado que investigava corrupção governamental. Seu fundamento são os
princípios de direitos humanos, que têm validade universal. Mas a aplicação
inédita de seus dispositivos contra Moraes, juiz
da corte suprema de uma democracia, representa um escárnio da política de
direitos humanos.
Há uma lógica pervertida
nisso: o governo que sanciona o STF em nome da
liberdade de expressão é o mesmo que aprisiona estudantes estrangeiros pelo
"crime" de exercer o direito de criticar a política externa dos EUA.
Trump é o outro nome para hipocrisia.
Nada disso, porém,
proporciona uma motivação legítima para ocultar o calcanhar exposto do STF. A
concentração do poder de relatoria em Moraes, pelo inquérito sem fim sobre os
ataques à democracia, as sentenças exorbitantes contra os idiotas úteis do 8 de
janeiro e as múltiplas ordens de derrubada de perfis em redes sociais
configuram justiça de exceção. O prosseguimento da excepcionalidade após a
derrota da camarilha golpista mancha o sistema judicial brasileiro. Não é por
acaso que as vozes do bolsonarismo, aturdidas diante da tarifa-sanção,
celebraram em uníssono a declaração da Lei Magnitsky.
À Casa Branca não assiste o
direito de se imiscuir em decisões, certas ou não, da Justiça brasileira.
Contudo, a resistência a Trump só perde força quando insiste em equívocos
graves. O papel do STF no pacto de unidade nacional vai além do prosseguimento
inabalável do processo contra os golpistas: os juízes de preto precisam colocar
sua própria casa em ordem. É isso que faz uma democracia confiante.
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