sábado, 2 de agosto de 2025

O Brasil na trincheira - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Nenhum país sofre um ataque similar, deflagrado por razões político-ideológicas

Trump pega leve com a China, a Rússia e até a Venezuela, que voltará a contar com a parceria Chevron-PDVSA. Pega pesado com os aliados, como Europa, Canadá e Japão, a quem impõe acordos comerciais desiguais.

Mas nenhum país sofre um ataque similar ao deflagrado contra o Brasil, que é sancionado por razões político-ideológicas. À tarifa-sanção soma-se a revogação de vistos de oito ministros do STF e a aplicação da Lei Magnitsky sobre Alexandre de Moraes. É hora de descer à trincheira e enfrentar o desafio.

Lula precisa contrariar seu hábito de capturar qualquer oportunidade para montar um palanque eleitoral. Tem a obrigação de trocar as vestes de candidato pelas de estadista. Só assim firmará um pacto de unidade nacional, isolando o bolsonarismo quinta-coluna.

O governo não precisa de ninguém para equilibrar o cálculo econômico negociador com o imperativo político de retaliar. Inteligência estratégica significa ajustar a mira nos pontos fracos: taxação das big techs, quebra de patentes farmacêuticas. Afirmação de soberania exige mais que discursos retumbantes: trata-se de aplicar contra-sanções, mesmo simbólicas, como a revogação de vistos de altas figuras selecionadas do governo Trump.

O pacto de unidade é necessário, porém, para uma confrontação que tende a se prolongar. Sem ordem nos gastos públicos, inexiste espaço responsável para oferecer crédito aos setores atingidos pela sanção tarifária, preservando empresas e empregos. O Congresso, dono de um tesouro em emendas, e o Judiciário, proprietário de um latifúndio de supersalários, têm que ser chamados ao dever de colocar a nação acima da corporação.

A Lei Magnitsky nasceu em 2012 para sancionar autoridades russas responsáveis pelo assassinato na prisão de um advogado que investigava corrupção governamental. Seu fundamento são os princípios de direitos humanos, que têm validade universal. Mas a aplicação inédita de seus dispositivos contra Moraes, juiz da corte suprema de uma democracia, representa um escárnio da política de direitos humanos.

Há uma lógica pervertida nisso: o governo que sanciona o STF em nome da liberdade de expressão é o mesmo que aprisiona estudantes estrangeiros pelo "crime" de exercer o direito de criticar a política externa dos EUA. Trump é o outro nome para hipocrisia.

Nada disso, porém, proporciona uma motivação legítima para ocultar o calcanhar exposto do STF. A concentração do poder de relatoria em Moraes, pelo inquérito sem fim sobre os ataques à democracia, as sentenças exorbitantes contra os idiotas úteis do 8 de janeiro e as múltiplas ordens de derrubada de perfis em redes sociais configuram justiça de exceção. O prosseguimento da excepcionalidade após a derrota da camarilha golpista mancha o sistema judicial brasileiro. Não é por acaso que as vozes do bolsonarismo, aturdidas diante da tarifa-sanção, celebraram em uníssono a declaração da Lei Magnitsky.

À Casa Branca não assiste o direito de se imiscuir em decisões, certas ou não, da Justiça brasileira. Contudo, a resistência a Trump só perde força quando insiste em equívocos graves. O papel do STF no pacto de unidade nacional vai além do prosseguimento inabalável do processo contra os golpistas: os juízes de preto precisam colocar sua própria casa em ordem. É isso que faz uma democracia confiante.

 

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