Valor Econômico
Dificuldade não significa que o Brasil sairá da mesa de negociações com os EUA
Até a próxima segunda-feira, administração
pública e empresas brasileiras enviarão ao Representante Comercial dos EUA
(USTR, na sigla em inglês), suas manifestações a respeito da investigação
aberta por aquele órgão a respeito de supostas práticas brasileiras que
estariam prejudicando a competitividade das empresas americanas. Entre elas, o
Pix e o comércio na 25 de Março, passando pelo desmatamento, o combate à
corrupção e a regulação das plataformas digitais.
Uma audiência pública está marcada para 3 de setembro e o desfecho do processo preocupa: pode resultar na aplicação de mais tarifas no comércio, entre outras punições.
Essa investigação, que ocorre sob a Seção 301
da Lei do Comércio de 1974, é apenas um dos riscos que estão no radar do
comércio bilateral. Tarifas mais altas podem resultar também de outras frentes,
como as investigações em curso no âmbito da Seção 232 envolvendo segurança nacional
dos EUA ou o risco de aplicação de sanções contra países que transacionam com a
Rússia.
Banco Central e Itamaraty preparam
manifestações para enviar ao USTR. Além disso, o setor privado brasileiro deve
fazê-lo. Já que o processo é inevitável, a ideia é tentar participar dele da
forma mais construtiva possível. É, ao menos, um ambiente no qual supostamente
a conversa é técnica, e não política.
No mais, o diálogo entre governos está mais
travado do que nunca. A esperança de iniciar uma interlocução por intermédio do
secretário do Tesouro, Scott Bessent, foi frustrada nesta semana com o
cancelamento da reunião que teria com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Ontem, o ministro disse que as assessorias seguem em contato, mas a bola está
com os americanos.
A dificuldade não significa que o Brasil
sairá da mesa de negociações. O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, mantém a disposição em
dialogar, assim como Haddad e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.
Há temas de interesse dos americanos que
poderiam ser usados como base para retomar um relacionamento construtivo com o
Brasil. Por exemplo: os minerais críticos, as big techs e os data centers.
Haddad tem insistido que os dois países deveriam buscar mais comércio, e não
menos, e indicado essas áreas como possíveis novas frentes de cooperação.
No setor privado, são inúmeras as cobranças
no sentido de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva telefonar para o
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Ao mesmo tempo, há sérias dúvidas
quanto ao resultado dessa iniciativa a essa altura do campeonato.
Lula tem acenado para outra direção, ao
reforçar a interlocução com os parceiros do Brics. Na noite de terça-feira,
manteve conversa de cerca de uma hora com o presidente da China, Xi Jinping, e
um dos pontos foi a defesa do multilateralismo. Na semana passada, telefonou
para o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. Dialogou com o presidente da
Rússia, Vladimir Putin, no último fim de semana.
A ausência de um canal do governo brasileiro
com a Casa Branca e a compreensão que as dificuldades no comércio bilateral
vieram para ficar acenderam um sinal de alerta no setor privado brasileiro. As
empresas brasileiras que têm relação com americanas fazem o que podem para
proteger suas operações do tarifaço de 50%. Ao mesmo tempo, o plano é fazer uma
atuação mais organizada em Washington. Daí a ideia de ter uma “presença” na
capital americana.
“Nós vamos estar presentes toda semana lá,
fazendo algumas reuniões, alguns encontros, a partir de agora”, disse à coluna
o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos
(ApexBrasil), Jorge Viana. “Reunir o pessoal de lá, interessado nos produtos
brasileiros, com o pessoal de cá, que exporta esses produtos.” O trabalho é uma
parceria da Apex com a Câmara Americana do Comércio para o Brasil (Amcham
Brasil).
Em entrevista ao jornal “O Globo”, o deputado
Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse que mantém reuniões semanais na Casa Branca e
que trabalharia para impedir o diálogo do governo brasileiro lá. Haddad o
responsabilizou pelo cancelamento da reunião com Bessent.
De acordo com a CNN, o filho do ex-presidente
Jair Bolsonaro foi chamado para encontros na Casa Branca esta semana.
Nos bastidores do setor privado, acredita-se
que a interlocução entre empresas lá e cá ajudou a formatar a lista que deixou
de fora do tarifaço 44,6% das exportações brasileiras para o mercado americano.
No entanto, avalia-se ser essencial o diálogo entre governos.
Enquanto a interlocução não destrava, o
governo trabalha em instrumentos de apoio às empresas afetadas pelo tarifaço.
Ontem à tarde, preparava-se o anúncio para as 11h30 de hoje, no Palácio do
Planalto. Houve um atraso na reta final das discussões, para “ajustes”.
Como as medidas serão dosadas, é possível que
o pacote seja tachado de insuficiente. No entanto, é preciso ir com calma. O
bullying tarifário está só começando.
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