Folha de S. Paulo
Há clamor por autocontenção, mas a estrutura
de incentivos é o que importa
"No geral, juízes ambiciosos
filosoficamente são maus juízes." A afirmação é de Joseph Raz, em "The Politics of the Rule of Law",
clássico sobre a interseção entre a política e o império ou regra da lei. A
questão adquire suma importância em um quadro em que a ausência de
autocontenção dos juízes do STF passa a
ser tema de discussões cotidianas.
O último exemplo vem do ministro Flávio Dino, que debochou —em uma conjuntura crítica— das repercussões de sua decisão no mercado financeiro. Dele também aprendemos, na semana anterior, como funcionaria o sistema político brasileiro: "Nenhuma força política constrói hegemonia. Com o sistema estruturado como está, nenhuma força política governa o país". No que se seguiu proposta de mudanças como se agente político fosse. Aqui a ambição não é apenas filosófica. Estende-se sobre outros domínios.
Raz continua: "A exigência de
justificativas públicas fundamentadas não é uma demanda por grande sofisticação
filosófica". Trata-se de uma definição parcimoniosa. Ela não exclui a sofisticação
analítica do juiz que pode ser um acadêmico reconhecido; antes, delimita a
forma de justificação pública das decisões, o que tem grande impacto sobre sua
legitimidade. "É uma exigência de justificação com referência aos valores
e práticas compartilhados da cultura legal." Mas como falar de cultura
legal ou constitucional quando a jurisprudência é volátil e as interpretações
dependem em larga medida do julgador, como nas decisões recentes de Dias Toffoli?
Há clamor pela autocontenção. Mas, do ponto
de vista de uma análise positiva, o que efetivamente importa é a estrutura de
incentivos dos atores envolvidos. O hiperprotagonismo de agentes judiciais tem
causas estruturais. Como argumentam Ferejohn, Weingast e Chavez, quando forças rivais controlam
os poderes Executivo e Legislativo, as condições institucionais para a
autonomia do Judiciário ampliam-se. E vice-versa.
O grau de controle hegemônico do Executivo
sobre o Judiciário no Brasil é o menor da América
Latina em um estudo cobrindo um século. E isso independe do desenho
institucional. Historicamente Argentina,
Brasil, Chile e México copiaram
a fórmula dos Federalistas de nomeação dos Juízes da Suprema Corte pelo
Executivo, ratificação pelo Senado e vitaliciedade. Nos demais, prevaleceu a
escolha pelo Legislativo (em geral controlados pelo Executivo). Salvo Uruguai,
isso não resultou em tribunais independentes, pelo contrário. Embora mandatos
—em alguns países chegaram a apenas três anos— importem.
No Brasil, não escapou a Jacques Lambert, em 1966, que malgrado o golpe militar o
regime acatou habeas corpus em nome de um inimigo político (Miguel Arraes) e
optou pela solução rooseveltiana de aumentar a composição da corte, e não
destituir o tribunal tout court , como era comum na região. A partir de 1988, a
autonomia (relativa) foi brutalmente magnificada pela jurisdição criminal da
corte (como mostrei aqui) e por padrão personalístico de nomeações. O resto é
conhecido: tribunal e juízes hipertrofiados.
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