segunda-feira, 25 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

STF deve proteger criminosos com doenças mentais

O Globo

Ao avaliar decisão que acabou com manicômios judiciários, Corte não pode deixar pacientes abandonados

É delicado, mas fundamental, o julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o atendimento a criminosos acometidos por doenças mentais. Quatro ações, impetradas pela Associação Brasileira de Psiquiatria, pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e pelos partidos Podemos e União Brasil, pedem a decretação da inconstitucionalidade de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determinou, em 2023, o fechamento dos manicômios judiciais e a transferência de todos os presos neles internados para a rede de saúde pública. O argumento das ações é similar: não há condição de atender todos esses pacientes em hospitais públicos, e eles não podem ficar na rua.

É sem dúvida meritório o movimento que, desde os anos 1960, combate os manicômios. Lançado pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia, ele chegou ao Brasil nos anos 1970 e ganhou força na redemocratização. A fundamentação é tanto científica quanto humanitária. As vistorias do Conselho Federal de Psicologia (CFP) em unidades que recebem criminosos ou acusados acometidos por doenças mentais que serviram de base à resolução do CNJ revelaram um quadro estarrecedor.

A inspeção em 42 instituições, 24 delas Estabelecimentos de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (ECTPs), revelou que os internados passam fome, sede e sofrem maus-tratos. Em Cuiabá (MT), uma morte por excesso de medicação não foi sequer registrada. Em Pinhais (PR), foram feitas denúncias de suicídio e de uma morte depois de “demora e negligência no socorro à pessoa internada”, registrada como “por causas naturais”. Em Feira de Santana (BA), descobriu-se uma “sala vermelha” para punir internos com isolamento, também sem registro.

Seria um erro, contudo, considerar que fechar todas as instituições psiquiátricas que abrigam criminosos resolveria o problema. É preciso ter em mente que, sem garantias de que fiquem presos, haverá risco para a segurança de suas vítimas e de toda a sociedade. Por isso o importante é haver intervenção do poder público capaz de promover uma reforma profunda nesses estabelecimentos, pondo fim aos abusos. Em paralelo, devem aumentar os investimentos na rede dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), do SUS, de modo que tenham condições de dar acolhimento a todos.

O Brasil pode aprender com experiências como a do Reino Unido. Em 1983, Inglaterra e País de Gales adotaram a Lei da Saúde Mental, criando unidades de atendimento de saúde mental em alguns presídios. A transferência de presos aos hospitais de segurança especializados e sua volta ao presídio são monitoradas pelo Ministério da Justiça. Na França, a menção a criminosos com distúrbios mentais já aparecia no Código Penal de 1810. A partir de 1958, a lei francesa passou a prever o tratamento de presos “em estado de alienação mental” em comunidades psiquiátricas de hospitais.

O Brasil faz bem ao tentar conceder tratamento especial a esses presos. Só não pode acreditar que uma canetada bem-intencionada acabará, por si só, com a tragédia dos manicômios judiciais. Os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso já votaram pela manutenção da decisão do CNJ. Em boa hora, o ministro Flávio Dino pediu vista.

Falta de silos para armazenar grãos traz prejuízo ao agronegócio

O Globo

Rede de estocagem insuficiente obriga produtor a vender mais rápido, perdendo poder de barganha

O Brasil colherá neste ano 345 milhões de toneladas de grãos, mais uma safra recorde. O motivo de comemoração serve também para destacar problemas na logística de escoamento da produção, com destaque para a insuficiente capacidade de estocagem em silos e armazéns. Os quase 12 mil existentes conseguem guardar 62% da produção, deixando quase 40% ao relento. Apenas 16% dos produtores mantêm silos em suas propriedades.

Os Estados Unidos, concorrentes do Brasil na exportação de grãos, contam com capacidade estática de armazenamento de 680 milhões de toneladas, mais que 20% acima da produção estimada em 540,5 milhões de toneladas. Essa margem costuma ser citada como ideal em estudos acadêmicos e textos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).

A busca por maior capacidade de estocagem faz sentido em regiões temperadas, em que um grande volume de grãos é colhido em poucos meses. No Brasil, país tropical, as safras são colhidas praticamente durante todo o ano, peculiaridade que facilita o escoamento, segundo análise de Marlon de Souza e Guilherme Bastos, do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas. Mas isso não quer dizer, afirmam, que não haja necessidade de mais investimentos em silos.

Pouco mais de 10% dos silos no Brasil ficam nas propriedades rurais. O resto está em áreas urbanas, sob o controle de tradings e cooperativas. Estima-se que a capacidade de estocagem nas fazendas é de 40% na Argentina, 50% na União Europeia, 65% nos Estados Unidos e 80% no Canadá. Apenas as diferenças de clima não explicam a desproporção em relação ao Brasil. O próprio presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, reconhece que a capacidade de armazenamento está abaixo das necessidades: “A gente precisa investir mais, o setor privado mais ainda”.

Para estocar colheitas em condições adequadas, o principal obstáculo enfrentado pelo produtor é o custo de construir e operar os silos (mão de obra, energia e cuidados fitossanitários para controle de pragas e umidade). Na ponta do lápis, prefere não investir. Em compensação, é forçado a escoar logo a produção para grandes tradings e cooperativas, perdendo poder de barganha. “Depois de jogar o milho no chão, você tem de carregar, jogar na pá da carregadeira, jogar para dentro do caminhão, levar para o silo e, se ele não estiver padronizado, tem de padronizar”, disse o produtor Orcival Guimarães em reportagem recente do Jornal Nacional sobre a falta de armazenagem para grãos. Tudo isso gera mais custos.

O êxito da agricultura brasileira a partir dos anos 1970 desencadeou forte pressão sobre a frágil logística para estocagem e escoamento da produção. Até hoje faltam melhores estradas e ferrovias. Para a estocagem, há um programa do BNDES e do Banco do Brasil, destinado a financiar a construção ou ampliação de silos e armazéns. É evidente que ele não atinge sua finalidade e precisa ser aperfeiçoado.

Fed indica corte de juros que beneficia economia do Brasil

Valor Econômico

Há mais espaço para o recuo do dólar e o diferencial entre juros locais e os dos EUA se amplia, aumentando o apetite pelo risco e trazendo mais investimentos de curto prazo ao país

Da reunião tradicional com banqueiros centrais em Jackson Hole, nos Estados Unidos, os investidores sempre esperam alguma luz sobre o futuro, e ela veio no discurso de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), cujas decisões têm o poder de influenciar os rumos da política monetária ao redor do globo. O Fed sinalizou que pode ter chegado a hora de voltar a derrubar os juros, em entendimento que avança vários passos em relação à ata do banco, divulgada apenas dois dias antes. O motivo principal para a mudança, que não parecia claro quando o Fed se reuniu no fim de julho, segundo Powell: “o balanço de riscos parece estar mudando”. As bolsas subiram, o dólar voltou a se enfraquecer e os investidores sentiram-se mais convencidos de que haverá mais dois cortes dos fed funds (os juros básicos) até o fim do ano.

No último encontro do Fed, abriu-se divergência, com dois diretores contrários à decisão de manter os juros onde estavam, entre 4,25% e 4,5%, à espera de mais dados que resolvessem o difícil dilema sobre o que fazer quando os dois mandatos do banco, inflação e emprego, caminham em direções opostas. Por um lado, não há dúvidas de que existem pressões inflacionárias a caminho, após o tarifaço de Trump. O índice de preços ao produtor está subindo e a medida de inflação predileta do Fed, o núcleo dos gastos pessoais de consumo, encerrou julho em 2,9% (12 meses), distante da meta de 2%. Esse é o lado mais claro da equação.

Powell, no entanto, deu mais ênfase à perspectiva do mercado de trabalho, a mais duvidosa. A criação de vagas declinou muito nos últimos três meses, o que ficou claro com a revisão feita pelo Bureau de Estatísticas do Trabalho, que suscitou a fúria de Donald Trump e demissão da chefe do Departamento. Segundo o presidente do Fed, o ritmo de oferta de novas vagas se reduziu de uma média de 168 mil em 2024 para apenas 35 mil nas últimas leituras. Os dados não permitem uma única interpretação diante da situação de pleno emprego da economia americana.

O estoque de trabalhadores disponíveis é menor, assim como o número de abertura de vagas se reduz. As batidas de Trump contra os imigrantes reduziram a oferta de mão de obra, aquela que, no período anterior de aquecimento da economia, havia contribuído para que os salários não se tornassem combustível para a inflação quando os índices de preços subiram a 9% ao ano.

Powell, em Jackson Hole, salientou que o mercado de trabalho vive uma “espécie curiosa de equilíbrio”, com uma redução tanto da oferta como da demanda por trabalhadores. Mas foi além das conclusões da ata, em um passo decisivo, sinalizar a mudança de instância de política monetária. A situação “inusual”, para ele, “sugere que os riscos baixistas para o emprego estão crescendo” e, se esses riscos se materializarem, “eles poderão crescer rapidamente na forma de fortes demissões e aumento do desemprego”.

Powell viu o balanço de riscos mais desfavorável para o emprego do que para a inflação. Ainda que com ressalvas, ele apontou que a chance de a inflação decorrente do tarifaço ser temporária - o nível de preços subiria com o aumento dos custos, mas se estabilizaria quando as tarifas estivessem normalizadas nos preços. O risco de as tarifas impulsionarem dinâmica inflacionária mais ampla deve ser “monitorado, segundo Powell. Mas a ameaça de os salários ajudarem a estimular a alta de preços foi tida como improvável porque “o mercado de trabalho não está particularmente apertado e encara crescentes riscos de enfraquecimento”.

Com isso, Powell foi à frente da avaliação constante da ata, em que uma maioria dos membros do Fed viu risco altista predominante da inflação, vários deles apontaram que o balanço de riscos estava equilibrado e dois participantes viram no emprego o maior risco. A tensão entre riscos de inflação em alta e de emprego em baixa exige, segundo o presidente do Fed, um novo equilíbrio entre os dois. Em um passo ousado, Powell disse que o fato de os juros estarem a 1 ponto percentual da taxa neutra (que não estimula nem contrai a economia) do que estavam há um ano, e de que há estabilidade da taxa de desemprego, permite ao Fed “proceder com cautela” na mudança da instância monetária. Juros restritivos e a mudança no balanço de riscos “asseguram” o ajuste da política em direção a juros menores.

Ainda que o Fed se mantenha dependente dos dados futuros, as chances de corte de juros em setembro se tornaram esmagadoras. A distensão monetária ajuda o Brasil em um momento difícil. Há mais espaço para o recuo do dólar, que auxilia a derrubar a inflação. O diferencial entre juros locais e os dos EUA se amplia, aumentando o apetite pelo risco e trazendo mais investimentos de curto prazo ao país. Ele também abre espaço para redução da taxa Selic sem ameaçar o fluxo de capitais, em um período em que o déficit em conta corrente está em alta. Para que tudo isso ocorra, é preciso que o Fed mantenha a avaliação e que se evitem ruídos domésticos que impeçam o dólar de flutuar para baixo, como mais estímulos à economia que freiem a queda dos preços.

Rever subsídios é essencial para a justiça tributária

Folha de S. Paulo

Relatório mostra queda modesta do volume exorbitante de benefícios concedidos pela União

Agraciados são, em grande, setores politicamente influentes e não há avaliação de ganhos concretos para a sociedade

A recente divulgação pelo Tesouro Nacional de uma queda modesta do volume de subsídios benefícios tributários, financeiros e creditícios da União não deixa de trazer certo alívio, mas revela a persistência de uma deturpação histórica das finanças públicas brasileiras.

No primeiro recuo em quatro anos, os subsídios totais passaram de R$ 697,3 bilhões em 2023 (equivalentes a 6,1% do Produto Interno Bruto) para R$ 678 bilhões em 2024 (5,78% do PIB). Do total, a ampla maioria (83,1%, ou 4,8% do PIB) é de natureza tributária —exceções às regras impostas aos contribuintes comuns.

A diminuição se deveu principalmente ao fim da desoneração dos combustíveis, que custou R$ 31,2 bilhões aos cofres públicos em 2023, e a menos benefícios creditícios, que foram de R$ 86,5 bilhões para R$ 49,8 bilhões.

As benesses tributárias permaneceram praticamente estáveis, em torno de R$ 560 bilhões, enquanto as financeiras chegaram a aumentar, impulsionadas por assunções de dívidas e juros favorecidos com verba orçamentária.

Em grande parte, esses volumes exorbitantes derivam de administrações petistas anteriores, quando o governo expandiu fortemente as isenções e renúncias fiscais como ferramenta de estímulo econômico.

Em 2015, sob a ruína orçamentária produzida por Dilma Rousseff, os subsídios atingiram um pico de 6,66% do PIB, mais que o dobro do patamar observado em 2003.

Após breve queda durante a gestão de Michel Temer (MDB), houve novo crescimento durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e uma estabilização em patamar elevado neste terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no qual novas desonerações somam custos projetados em R$ 261,2 bilhões até 2027.

Muitas dessas rubricas são mantidas e até ampliadas por dinâmicas políticas que transcendem ideologias partidárias. Criada em caráter temporário nos anos 1960, a Zona de Franca de Manaus se perpetua graças a um poderoso lobby político e empresarial; o Simples Nacional, concebido para micro e pequenas empresas, multiplicou seu raio de alcance.

Os esforços para conter o sangramento fiscal têm sido frustrados. Em 2016, a emenda constitucional que instituiu o teto de gastos federais sinalizou a necessidade de revisão de subsídios para conter o déficit público.

Posteriormente, estabeleceu-se uma meta de redução gradual dos benefícios para no máximo de 2% do PIB até 2029, exigindo o envio de um plano de corte pelo Executivo. Nada disso se mostrou impositivo na prática.

Os excessivos benefícios fiscais, que equivalem a quase 20% da arrecadação federal, englobam privilégios concedidos a grupos politicamente influentes, sem avaliação de ganhos reais para a sociedade. Revê-los é medida fundamental em busca da justiça tributária, sem a necessidade de elevar uma carga que consome um terço da renda dos brasileiros.

Falta de livro didático expõe Orçamento insustentável

Folha de S. Paulo

Programa federal meritório na educação sofre com insuficiência de recursos mesmo em meio a uma expansão inaudita dos gastos

Quem examina as contas da União percebe que não está em curso nada parecido com um arrocho fiscal; despesas deverão superar receitas em R$ 70 bi neste ano

Alunos do ensino básico correm o risco de ficar sem todos os livros didáticos necessários no próximo ano. O Ministério da Educação anunciou que não pôde comprar todas as obras necessárias por falta de verbas —e isso num governo que expandiu de forma inaudita os gastos públicos.

Era necessário adquirir 240 milhões de exemplares, mas ficou faltando uma parcela estimada em 52 milhões, conforme noticiou a Folha. A lacuna compreende livros de história, geografia, ciências e artes para os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º), além de apostilas dessas disciplinas para os anos iniciais. Em nota, o MEC relatou que foi preciso definir prioridades.

Estas parecem corretas: a garantia da oferta integral do material relativo a língua portuguesa e matemática, ou seja, os conteúdos mais essenciais nessa fase do ensino. A pasta, entretanto, havia afirmado apenas dois meses antes que estavam assegurados os recursos para atender as demandas em todas as disciplinas —o que dá ideia do tumulto instalado no Orçamento federal.

O meritório Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que atende a rede pública em todos os níveis de governo, precisaria de R$ 3,5 bilhões neste ano, uma fatia minúscula dos gastos totais previstos do Tesouro Nacional, de R$ 2,42 trilhões (sem incluir juros da dívida). Apenas R$ 2 bilhões estão autorizados, porém.

Quem examina as contas da União percebe que não está em curso nada parecido com um arrocho fiscal. As despesas deverão superar as receitas em R$ 70 bilhões neste ano; foi concedido reajuste salarial aos servidores públicos ao custo de R$ 17,9 bilhões em 2025, R$ 26,7 bilhões em 2026 e R$ 29,1 bilhões em 2027.

O problema está no modelo de ajuste orçamentário definido pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foram estabelecidas restrições —frouxas, diga-se— para a expansão do gasto total, mas grande parte dos desembolsos não está sujeita a elas. É o caso, especialmente, de aposentadorias e benefícios assistenciais vinculados ao salário mínimo.

O resultado é que, mesmo sem o reequilíbrio orçamentário e a contenção da dívida pública, programas de execução não obrigatória vão sendo estrangulados para o cumprimento do teto legal e das metas fiscais.

O PNLD, por exemplo, vem sendo comprimido desde o ano retrasado.

A própria área técnica do Executivo calcula que, nessa toada, a máquina federal ficará sem recursos mínimos para seu custeio no início do próximo governo. Os sintomas já se fazem presentes.

O silêncio dos universitários

O Estado de S. Paulo

Pesquisa mostra que metade dos alunos evita discutir temas polêmicos nas universidades por temer perseguição e retaliação. O câmpus, que deveria ser o lugar das ideias, virou usina de dogmas

As universidades vieram à luz como templos da liberdade intelectual, carregando já no nome a promessa de brilhar como um “universo” de saberes, onde ideias rivais se enfrentam sem medo, dogmas são desafiados e consensos só existem enquanto resistem ao fogo do debate. Mas essa promessa foi traída. O câmpus, que deveria ser laboratório do pluralismo, tornou-se casamata da intolerância.

Professores e alunos admitem que se calam por medo das patrulhas ideológicas. Segundo uma pesquisa do Instituto Sivis, 47% dos estudantes brasileiros consultados relutam em discutir assuntos controversos. Os mais afetados são os estudantes que se consideram de centro: 57% deles se autocensuram, contra 43% dos alunos de esquerda e 39% dos de direita. Discussões políticas (39%) lideram o cardápio de temas que costumam ser evitados.

A mordaça não vem de decreto nem da polícia, mas do medo de ser linchado nas redes sociais, sabotado pelos pares, hostilizado em sala de aula. A autocensura se tornou forma mentis. O preço de pensar fora da cartilha é a difamação, o cancelamento e até o veto a pesquisas ou à docência.

Naturalmente, há fanatismos de direita rondando os portões da universidade, tentando minar a legitimidade da ciência e instrumentalizar a ignorância. Mas a verdade incômoda é que, dentro dos muros, os maiores carrascos da liberdade não são reacionários caricatos, e sim a esquerda iliberal hegemônica nas humanidades. Sob a máscara da “inclusão” e da “justiça social”, essa nova ortodoxia impôs um código de fé progressista, em que divergências são escorchadas como blasfêmia. A universidade, que deveria ser antídoto contra o pensamento único, abastardou-se em sua encarnação mais zelosa.

Uma academia sem dissenso não forma lideranças democráticas: fabrica inquisidores de toga acadêmica, adestrados para silenciar o adversário em vez de refutá-lo. A retórica do respeito a grupos marginalizados virou desculpa para marginalizar dissidentes. A depauperação do debate interno repercute na sociedade: onde a discordância vira ofensa, a política degenera em polarização tóxica. Ao abdicar da liberdade acadêmica, a universidade legitima o populismo que diz combater, abrindo espaço para que demagogos de direita se apresentem como paladinos da “verdade proibida”.

A degradação não foi imposta de fora para dentro. Foi construída por anos de covardia institucional e conformismo ideológico. Diretores coniventes com protestos truculentos; colegiados que chancelam cursos com uma versão única da História; professores que se calam para não perder prestígio ou verbas. A cultura do cancelamento floresce porque encontrou terreno fértil na militância disfarçada de docência e no silêncio cúmplice da administração.

Há antídotos. Universidades que adotam a neutralidade institucional – recusando-se a endossar causas políticas ou manifestos partidários – preservam maior diversidade intelectual. Experiências internacionais mostram que regras de convivência, centradas na defesa intransigente da liberdade de expressão, criam ambientes mais férteis para a ciência e mais resilientes a modismos ideológicos. No Brasil, manifestos de intelectuais que denunciam a asfixia do pluralismo são sinais tímidos, mas encorajadores, de resistência. Porém, só terão efeito se acompanhados de reformas institucionais: desde códigos de conduta que protejam vozes divergentes até currículos que ofereçam perspectivas contrastantes, em vez de catecismos disfarçados de disciplinas.

A liberdade de se expressar não é luxo nem bandeira partidária. É a quintessência da vida acadêmica. Sem ela, a universidade deixa de ser espaço de investigação crítica e se converte em megafone de dogmas; deixa de formar cidadãos esclarecidos e passa a moldar militantes biônicos – alienando todo o resto. Uma universidade que cancela palestras, silencia teses e criminaliza a divergência trai sua missão e se torna caricatura de si mesma. Ou as universidades resgatam sua vocação para o livre debate e experimentação de ideias, ou continuarão a se desmoralizar – e se desfigurar – como tribunais ideológicos. E quem perde não são só os acadêmicos – é a própria democracia brasileira.

O mundo flerta com a dominância fiscal

O Estado de S. Paulo

Eficácia das políticas monetárias mundo afora está em xeque diante do crescente endividamento de grande parte dos países, o que deve aumentar pressão sobre os BCs para reduzir juros

Relativamente frequente no Brasil, o debate sobre dominância fiscal, condição em que os elevados níveis de endividamento e déficits de um dado país acabam por comprometer a eficácia das políticas monetárias dos bancos centrais, vem ganhando tração em esfera global.

Nesse contexto, não é coincidência que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a despeito da inflação acima da meta de 2%, venha pressionando o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) a reduzir as taxas de juros, o que traria alívio às despesas do governo com a crescente dívida pública norte-americana.

Justiça seja feita a Trump, a trajetória da dívida dos EUA é de aceleração desde pelo menos meados dos anos 2000. Além disso, a emergência sanitária provocada pela pandemia de covid-19 obrigou países do mundo todo a gastar mais, ou seja, recorrer ao endividamento, para mitigar o efeito da restrição de circulação de pessoas.

Mas se o presidente americano não é o criador do atual endividamento dos Estados Unidos, muito menos da covid-19, muitas ações de Trump neste segundo mandato, como a guerra tarifária e a perseguição aos imigrantes, são indutoras de inflação, o que por óbvio limita a capacidade do Fed de reduzir juros.

Combinado a isso, a grande peça legislativa do governo Trump até agora, a chamada Big Beautiful Bill, vai acarretar um aumento significativo da dívida do país, para o maior nível desde a 2.ª Guerra Mundial, uma vez que a extensiva redução de impostos aprovada pelo Congresso diminuirá as receitas do governo em trilhões de dólares. De acordo com o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês), a relação dívida/PIB dos Estados Unidos chegará a 118,5% por volta de 2035.

Assim sendo, embora o desejo de Trump de reduzir os custos do serviço da dívida seja compreensível, as ações dele em nada contribuem para que tal cenário saia do papel. Na realidade, o que Trump vem promovendo é uma política fiscal expansionista, tal como faz o Brasil, forçando o Fed a agir como o “vilão” que mantém os juros altos.

O problema é que a eficácia do remédio amargo do juro alto exige a cooperação do paciente, que precisa fazer sua parte disciplinando os gastos e aprimorando as receitas. Não é o que vem ocorrendo nos Estados Unidos nem no Brasil. E também não está acontecendo nem na Alemanha, outrora exemplo de austeridade. Preocupados com as intenções belicosas do autocrata russo Vladimir Putin, os alemães vem aumentando os gastos com defesa, o que na prática ocorre por meio de endividamento.

Em março, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já alertava para os níveis recordes de endividamento global. Na ocasião, a entidade estimou que a relação dívida/PIB nos países da organização atingiria 85% no final deste ano. Desde então, a guerra comercial de Trump, bem como os ataques do presidente ao que ele entende ser a “lerdeza” do Fed para baixar os juros, só se intensificaram, aumentando o grau de incerteza da economia global.

De certa forma, o mundo vai ficando cada vez mais como o Brasil, e não de uma maneira que possa nos orgulhar. Cada vez mais endividados, os países mais ricos podem ceder à tentação de pressionar seus bancos centrais a reduzir juros, o que no caso específico dos Estados Unidos já se converteu em bullying fartamente documentado.

Ainda que o desfecho dessa situação seja imprevisível, a tendência é de que países altamente endividados, como é o caso de muitas nações africanas, naveguem por águas turbulentas ao menos nos próximos meses. Com o mundo ocupado com o endividamento e as pressões crescentes sobre os bancos centrais dos países ricos, o apelo de longo prazo de parte das nações da África por um algum mecanismo de alívio coletivo de dívida tende a ser mais uma vez ignorado.

Já ao Brasil não convém tratar as dificuldades das nações desenvolvidas como um sinal de que as coisas vão bem por aqui. O País já lida com juros e dívida elevadíssimos. Se o mundo realmente estiver caminhando para um cenário de dominância fiscal generalizada, o Brasil não escapará.

Um código eleitoral horrível

O Estado de S. Paulo

CCJ do Senado fragiliza o que há de bom e reaviva bobagens como o tal ‘voto impresso’

Ao aprovar o novo Código Eleitoral, mudando para muito pior o que já veio ruim da Câmara, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado não só apostou numa agenda que o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou inconstitucional, como abriu a porteira para fragilizar a fiscalização dos partidos nas campanhas eleitorais e, de quebra, ainda descredenciar a Lei da Ficha Limpa.

O texto aprovado libera o autofinanciamento de campanha, atalho fácil para o desequilíbrio de candidaturas, e enfraquece a fiscalização das eleições ao restringir a atuação da Justiça Eleitoral, deixando-a limitada à checagem de aspectos formais das prestações de contas. Também garante maior liberdade no uso de verbas partidárias e altera duplamente as regras previstas na Lei da Ficha Limpa: de um lado, limita a inelegibilidade de políticos condenados a até oito anos, estabelecendo, para seu início, a data de decisão judicial (hoje, o prazo começa a contar a partir do final do cumprimento da pena imposta ou do mandato para o qual o político foi eleito, o que, na prática, resulta em mais de oito anos); de outro, para a cassação do diploma, do registro ou do mandato de um candidato que se beneficiou de compra de voto, passa a ser necessária uma “aferição da gravidade das circunstâncias”, sugerindo um dispensável nexo causal entre a compra de votos e o resultado da eleição.

O mais grave, contudo, foi a retomada do infame “voto impresso”, aquele que os bolsonaristas reivindicam sempre que tentam deslegitimar o processo eleitoral em razão das urnas eletrônicas. O texto prevê que a urna deve imprimir cada voto em uma cédula que será depositada “em local previamente lacrado” e determina que a votação do eleitor só acaba depois de conferir a cédula gerada.

Mas os bolsonaristas são incansáveis. Segundo o senador Carlos Portinho (PL-RJ), “o voto impresso é um ponto de divergência nacional e eu acho que a gente tem que pacificar o País”. Inexiste tal divergência: pesquisas realizadas na eleição passada verificaram que mais de 80% dos eleitores confiam nas urnas eletrônicas. Se realmente estivessem interessados em “pacificar o País”, os bolsonaristas parariam de usar a falsa polêmica sobre as urnas eletrônicas como pretexto para lançar dúvidas sobre eleições em que são derrotados.

Ademais, como acertadamente sublinhou o relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), “estamos incorrendo em uma inconstitucionalidade pela segunda vez”, lembrando que se trata do mesmo texto aprovado em 2015 no Congresso que o STF considerou inconstitucional.

A aprovação na CCJ é uma etapa prévia à deliberação final no plenário do Senado, até ser novamente votada na Câmara dos Deputados, que analisa as alterações feitas pelos senadores, para enfim o novo Código Eleitoral passar a reger o processo eleitoral brasileiro a partir de 2026. Até lá, portanto, há um caminho considerável para corrigir os graves equívocos da comissão e derrubar algumas das péssimas ideias aprovadas, em especial aquelas que só ajudam os inimigos da democracia.

Anuário do Ceará e o compromisso de informar

O Povo (CE)

Na noite desta segunda, 25 de agosto, a sociedade cearense recebe mais uma edição do Anuário do Ceará, uma obra de vigor, renovada ano após ano, porque é assim a dinâmica que nos move. É certo afirmar que o Anuário do Ceará reúne as informações mais relevantes sobre o Estado. Porém o livro é muito mais do que isso. É um mapa que norteia, a partir dos dados, e ajuda a entender o Ceará, também por análises. É um condutor de excelência para pesquisadores, estudantes, empresários, políticos, investidores e para o público em geral, que almeja conhecer mais sobre o cenário cearense em seus diversos setores.

É válido sempre lembrar a marca sesquicentenária da publicação impressa mais antiga em circulação no Estado, que é o Anuário do Ceará. A primeira edição data do ano de 1872, criada com o nome de "Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do Ceará". O POVO passou a editar o Anuário em 2002. Assim, reúne as duas mais antigas publicações em circulação no Ceará. O POVO foi responsável pela reformulação editorial da obra. Hoje, o livro é uma realização da Fundação Demócrito Rocha (FDR), sob a promoção do O POVO.

O projeto gráfico é um destaque surpreendente a cada edição, inspirado em um tema escolhido especialmente para a obra. O Anuário do Ceará 2025-2026 celebra os 75 anos da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), completados em 2025. Com textos, gráficos, fotos e ilustrações, a obra detalha o histórico da Fiec, as principais frentes, os setores atendidos e os desafios enfrentados por todos os gestores.

Outra feliz novidade desta edição é o capítulo exclusivo dedicado à Região do Cariri, área de riqueza cultural e simbólica inestimável, que empresta elementos, tonalidades e formas ao projeto gráfico da obra. A atenção dada ao Cariri não é à toa. A Rádio O POVO CBN Cariri, em funcionamento há quase sete anos, é um instrumento para dar vazão às necessidades da região, para ser mediadora dos eventos do Cariri, mas, sobretudo, para reafirmar a grandeza e a profundidade dos valores ali presentes.

Além de ser uma obra que é fonte de pesquisa, o Anuário é um instrumento de deleite em forma e em conteúdo. É uma obra em constante atualização na sua edição digital, mas também um livro de admiração por suas imagens, ilustrações e projeto gráfico. Atende a um público que demanda consulta ágil e pesquisa confiável, mas contempla quem quer se satisfazer com o prazer estético.

Assim, com a marca da Fundação Demócrito Rocha e a chancela do O POVO, nasce a edição 2025-2026 do Anuário do Ceará, um compromisso, animado a cada obra, de levar informação jornalística de qualidade em 680 páginas.

Desde 1928, quando Demócrito Rocha fundou O POVO, assumimos a responsabilidade de, em várias plataformas, informar, formar e qualificar o debate. Quase 100 anos depois, O POVO continua, a cada dia, com a missão de ser um espaço democrático e coletivo. E o Anuário do Ceará é mais um exemplo disso. 

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