Folha de S. Paulo
País sonhava ser imune ao
jogo bruto da economia e da política mundiais, agora piorado
A agressão do governo
de Donald
Trump contra o Brasil parece nos ter acordado
de um sonho tranquilo. Isto é, da fantasia de que o país fazia tempo não
corria grandes riscos de sofrer ataques diretos no jogo bruto da política
mundial (como em 1964).
Sujeitos às idas e vindas da
economia mundial e a ações e derivas dos países dominantes sempre estivemos,
levados pelas correntes da geoconomia e geopolítica, de um modo inadvertido,
para ser gentil.
A dúvida agora é saber se vamos voltar a dormir, se é que Trump e outros fatores de conflito mundial não vão nos deixar insones. Vamos ter de pensar naquele clichê, na nossa "inserção mundial". Temos de pensá-lo agora em marcha forçada, em situação mais perigosa, em um mundo em rápida degradação no que diz às relações políticas, de força bruta, talvez guerra, e de racionalidade econômica alguma.
Uma medida da nossa posição
na economia mundial pode ser a do total das exportações brasileiras nas
exportações mundiais. É medida precária, limitada, mas serve para estas curtas
e modestas colunas de jornal.
Considere-se a participação
brasileira nas exportações do mundo de 1982, desde quando há dados melhores, a
2001, quando a China entrava
na Organização Mundial de Comércio e crescia como nunca se viu na história. Foi
em média de 1,06% do total. Nas duas décadas seguintes, ficou em torno de 1,2%.
De 2022 a 2024, pós-pandemia, a participação brasileira foi para os picos da
série, para 1,44%.
As exportações brasileiras
aumentaram por causa da ascensão da China. O aumento da oferta de produtos foi
possível por causa de vantagens típicas do país, desenvolvidas por meio de
pesquisa científica e tecnológica —trata-se do tão sabido e excelente
caso da Embrapa; depois, da Petrobras.
De início, entre 1990 e
2000, a participação brasileira fica estagnada também porque o comércio
internacional crescia em ritmo muito maior do que o do PIB mundial: 2,3 vezes.
Perdemos esse bonde. Na década seguinte, essa relação cai para perto de 1,5, mas
ainda é forte. De 2011 a 2023, o comércio cresce menos do que o PIB mundial:
0,9.
Tamanho não é o único
documento do comércio. Nesse período de liberalização e expansão comercial,
houve deslocamento de produção para a Ásia e
desenvolvimento maior das tais "cadeias globais de valor". Isto é,
fazer um produto depende da importação de insumos, partes, peças e serviços de
vários lugares do mundo. No Brasil, um
exemplo raro disso é o da Embraer, de início também desenvolvida por
investimento em formação e ciência.
E daí? Perdemos o bonde do
aumento do comércio em um período regido por regras multilaterais. Perdemos o
bonde da integração nas tais "cadeias de valor" por sermos uma
economia fechada; não investimos o bastante em pesquisa (gastamos em subsídios).
Hipóteses de
industrialização ou fomento de atividades de produtividade mais alta não foram
aproveitadas, um dos fatores da "reprimarização" da pauta de
exportações e da baixa da indústria no
PIB.
Vamos para um mundo sob
risco de guerra, de nacionalismo econômico, de política econômica internacional
orientada por motivos de segurança. Perdemos oportunidades, mas isso é custo
afundado.
O que fazer, além das
fantasias, como participar da coalizão para desbancar o dólar ou de abrir sem
mais a economia, ou de ideias lunáticas como largar nossa produção de
commodities? O que vamos ser agora que precisamos crescer?
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