Folha de S. Paulo
Sanção de Trump ao Brasil
vem em meio a intervenção agressiva na ordem mundial com apoio de forças
internas que devem ser contidas
O anúncio feito pelo
governo Donald
Trump de sanções ao ministro Alexandre
de Moraes, do STF, por meio
da Lei
Magnitsky é uma nova agressão ao Brasil, num contexto em que o
presidente norte-americano procura promover, de porrete tarifário na mão, uma
reconfiguração agressiva da ordem mundial.
A decisão, esperada, veio
com um abrandamento
das sanções econômicas, um ponto a mais para o presidente Lula, que não
pegou o telefone, mas mandou seu recado.
Se há insatisfações quanto ao ministro Alexandre de Moraes, a questão faz parte do debate e do enfrentamento político internos, uma vez que se vive no Brasil um quadro de normalidade institucional e independência dos Poderes. Não são aceitáveis chantagens externas que ultrapassem a esfera diplomática e os fóruns apropriados. Muito menos com o argumento delirante de que o Brasil representa uma "ameaça extraordinária" aos EUA.
A situação faz lembrar um
passado que parecia superado, mas que o próprio bolsonarismo tentou
ressuscitar: os tempos da Guerra Fria, quando os EUA conspiraram para o
golpe civil e militar de 1964 sob alegação de que o Brasil poderia se
transformar numa nova Cuba. Também Trump, por caminhos tortos, procura reviver
aquela América "grande" simbólica, em seu papel de gendarme e líder
do "mundo livre".
Não por acaso, revive-se
também um tipo de embate que marcou o campo político-ideológico daqueles dias,
com forte defesa por parte das esquerdas e setores progressistas de uma pauta
nacional-popular contrária aos interesses imperialistas norte-americanos. Trump
parece trabalhar para mais uma vez realçar pelo mundo o velho sentimento
antiamericanista.
São conhecidas, diga-se, as
agressões do governo dos EUA a liberdades e direitos —vão do cerco à
diversidade de gênero à perseguição de imigrantes, passando por tentativas de
silenciar universidades e atacar unilateralmente outros países. Assistimos sob Trump
à implementação de um programa de destruição da ordem liberal e do
multilateralismo.
O autocrata da Casa Branca
pretende forjar na marra um futuro
pós-liberal, no qual gente como ele, Orbán e Jair
Bolsonaro seria protagonista. Tem em mãos, para isso, a maior economia
e o maior poderio militar do planeta. Sente-se então na condição de decidir o
que é ou não passível de sanção. Em sua perspectiva, por exemplo, o morticínio
criminoso promovido por Netanyahu em Gaza não contraria os direitos humanos e
não merece sanções.
A trama sinistra no que
tange ao Brasil, como é público e notório, conta com o ativismo
do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), com suporte da extrema direita
bolsonarista e simpatias mal dissimuladas de setores que tentam se disfarçar de
representantes de uma direita moderada no país. Como bem escreveu
o colunista Vinicius Torres Freire, chegamos ao ponto de gangues políticas
e partidos organizarem um ataque estrangeiro contra o Brasil. O país decente
que resta precisa discutir como isolar esse bando.
A cassação do parlamentar,
que desertou para incitar os ataques com o intuito de salvar a pele de seu pai,
seria o mínimo a se esperar do Legislativo.
Nada porém indica que a
Câmara —na maioria um amontoado de pulhas, sob o comando do arrivista Hugo
Motta— vá tomar uma atitude digna.
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