segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Uma Reforma Administrativa abrangente e corajosa, por Bruno Carazza

Valor Econômico

Projetos a serem apresentados pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) são ambiciosos, mas a sociedade precisa se mobilizar contra os privilegiados do setor público

Em meio a motins e vários retrocessos, finalmente surge na Câmara dos Deputados a esperança de avanços numa área fundamental para o país. Nesta semana devem ser apresentados os projetos para uma reforma administrativa bem embasada tecnicamente e com coragem para eliminar privilégios no serviço público.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), teve o mérito de ressuscitar as discussões sobre a reforma administrativa em meio à crise do aumento do IOF. Na sua avaliação, o país deveria buscar soluções estruturais para a situação fiscal, e não apenas continuar aumentando a tributação, como vem fazendo o governo Lula.

Motta então constituiu um grupo de trabalho (GT) para discutir o tema, escolhendo o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) para coordenar as discussões. Depois de ouvir especialistas, representantes de diversas carreiras e dirigentes do Ministério da Gestão e Inovação, o parlamentar carioca deve apresentar nesta semana um pacote de alterações legais que se mostra, à primeira vista, bastante destemido e abrangente.

Na quarta passada, tive a oportunidade de assistir, em nome da Fundação Dom Cabral, ao deputado Pedro Paulo apresentar, a um grupo de reunido pelo Movimento Pessoas à Frente, os principais pontos da nova reforma administrativa.

De cara, chamou atenção o conhecimento do parlamentar sobre o assunto, coisa rara considerando o perfil do nosso Congresso. Por mais de duas horas, o coordenador do GT explicou as motivações para cada uma das 66 propostas de mudanças, organizadas em quatro eixos (gestão, transformação digital, profissionalização e extinção de privilégios).

Outro ponto de destaque foi a decisão de Pedro Paulo de “jogar no lixo” a PEC nº 32/2020, proposta pelo governo Bolsonaro e que é considerada, de forma quase unânime, um apanhado de ideias ruins para o Estado brasileiro. Em vez de precarizar o serviço público, o projeto do GT promete expandir o Concurso Público Nacional Unificado, limita o percentual de cargos comissionados por órgão, regulamenta a contratação temporária e restringe a terceirização.

Para os servidores concursados, a proposta envolve a unificação de tabelas remuneratórias e a redução do número de carreiras, incentivando a transversalidade e a mobilidade. Outra medida louvável é a padronização dos níveis de progressão em 20 degraus, exigindo uma diferença mínima de 50% entre os vencimentos de entrada e o topo da carreira - tudo isso sujeito a um processo de avaliação de desempenho, e não mais apenas ao tempo de serviço.

Além disso, é uma reforma 3x3: abrange os Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e os três níveis federativos (União, Estados e Municípios), sem exceções.

Embora condizente com as melhores práticas internacionais e recomendado há tempos por especialistas em direito administrativo e gestão de pessoas, esse conjunto de propostas só conseguirá mobilizar corações e mentes na sociedade se encarar de frente os privilégios de algumas categorias de servidores públicos.

Limitar os supersalários dos membros do Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas e advocacia pública, entre outros, tem o duplo potencial de gerar ganhos fiscais imediatos e ainda aplacar a revolta da população com as manchetes praticamente diárias de juízes, promotores e procuradores recebendo boladas de centenas de milhares de reais.

Acontece que para levar essa agenda adiante é preciso coragem para propor algo que desagrade uma casta poderosa e bem articulada.

A se pautar por esse eixo do projeto, coragem não faltou a Pedro Paulo e aos demais membros do grupo de trabalho convocado por Hugo Motta.

A proposta promete atacar as principais regalias que geram os maiores descalabros salariais do Estado brasileiro: acaba com férias de 60 dias para juízes e promotores e adicionais por tempo de serviço, proíbe as licenças remuneradas para compensar “excesso de trabalho”, veta a “venda” de férias, limita radicalmente o pagamento de indenizações e de verbas retroativas, desidrata os honorários advocatícios e veta fundos públicos ou privados para pagamentos de remuneração. De quebra, o projeto submete os salários dos funcionários de estatais não listadas em bolsa ao teto do vencimento dos ministros do STF e ainda extingue a absurda aposentadoria compulsória como “punição” para magistrados e membros do Ministério Público.

Pela sua abrangência e razoabilidade, a proposta tem tudo para receber amplo apoio da sociedade, incluindo o empresariado e as categorias da “base” do serviço público.

Só quem não está feliz são as poderosas entidades que representam as carreiras jurídicas e fiscais. Convidadas reiteradamente pelo deputado Pedro Paulo a apresentarem contribuições para limitar pelo menos em parte seus privilégios como sinal de compromisso com o país, as associações se limitaram a defender suas benesses.

Com um ótimo projeto de reforma administrativa como ponto de partida, o jogo agora é mobilizar a sociedade para que a coragem se sobreponha ao individualismo e à falta de espírito público dessas categorias.

 

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