Valor Econômico
Projetos a serem apresentados pelo deputado
Pedro Paulo (PSD-RJ) são ambiciosos, mas a sociedade precisa se mobilizar
contra os privilegiados do setor público
Em meio a motins e vários retrocessos,
finalmente surge na Câmara dos Deputados a esperança de avanços numa área
fundamental para o país. Nesta semana devem ser apresentados os projetos para
uma reforma administrativa bem embasada tecnicamente e com coragem para
eliminar privilégios no serviço público.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), teve o mérito de ressuscitar as discussões sobre a reforma administrativa em meio à crise do aumento do IOF. Na sua avaliação, o país deveria buscar soluções estruturais para a situação fiscal, e não apenas continuar aumentando a tributação, como vem fazendo o governo Lula.
Motta então constituiu um grupo de trabalho
(GT) para discutir o tema, escolhendo o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) para
coordenar as discussões. Depois de ouvir especialistas, representantes de
diversas carreiras e dirigentes do Ministério da Gestão e Inovação, o
parlamentar carioca deve apresentar nesta semana um pacote de alterações legais
que se mostra, à primeira vista, bastante destemido e abrangente.
Na quarta passada, tive a oportunidade de
assistir, em nome da Fundação Dom Cabral, ao deputado Pedro Paulo apresentar, a
um grupo de reunido pelo Movimento Pessoas à Frente, os principais pontos da
nova reforma administrativa.
De cara, chamou atenção o conhecimento do
parlamentar sobre o assunto, coisa rara considerando o perfil do nosso
Congresso. Por mais de duas horas, o coordenador do GT explicou as motivações
para cada uma das 66 propostas de mudanças, organizadas em quatro eixos
(gestão, transformação digital, profissionalização e extinção de privilégios).
Outro ponto de destaque foi a decisão de
Pedro Paulo de “jogar no lixo” a PEC nº 32/2020, proposta pelo governo
Bolsonaro e que é considerada, de forma quase unânime, um apanhado de ideias
ruins para o Estado brasileiro. Em vez de precarizar o serviço público, o
projeto do GT promete expandir o Concurso Público Nacional Unificado, limita o percentual
de cargos comissionados por órgão, regulamenta a contratação temporária e
restringe a terceirização.
Para os servidores concursados, a proposta
envolve a unificação de tabelas remuneratórias e a redução do número de
carreiras, incentivando a transversalidade e a mobilidade. Outra medida
louvável é a padronização dos níveis de progressão em 20 degraus, exigindo uma
diferença mínima de 50% entre os vencimentos de entrada e o topo da carreira -
tudo isso sujeito a um processo de avaliação de desempenho, e não mais apenas
ao tempo de serviço.
Além disso, é uma reforma 3x3: abrange os
Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e os três níveis federativos
(União, Estados e Municípios), sem exceções.
Embora condizente com as melhores práticas
internacionais e recomendado há tempos por especialistas em direito
administrativo e gestão de pessoas, esse conjunto de propostas só conseguirá
mobilizar corações e mentes na sociedade se encarar de frente os privilégios de
algumas categorias de servidores públicos.
Limitar os supersalários dos membros do
Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas e advocacia pública, entre
outros, tem o duplo potencial de gerar ganhos fiscais imediatos e ainda aplacar
a revolta da população com as manchetes praticamente diárias de juízes,
promotores e procuradores recebendo boladas de centenas de milhares de reais.
Acontece que para levar essa agenda adiante é
preciso coragem para propor algo que desagrade uma casta poderosa e bem
articulada.
A se pautar por esse eixo do projeto, coragem
não faltou a Pedro Paulo e aos demais membros do grupo de trabalho convocado
por Hugo Motta.
A proposta promete atacar as principais
regalias que geram os maiores descalabros salariais do Estado brasileiro: acaba
com férias de 60 dias para juízes e promotores e adicionais por tempo de
serviço, proíbe as licenças remuneradas para compensar “excesso de trabalho”,
veta a “venda” de férias, limita radicalmente o pagamento de indenizações e de
verbas retroativas, desidrata os honorários advocatícios e veta fundos públicos
ou privados para pagamentos de remuneração. De quebra, o projeto submete os
salários dos funcionários de estatais não listadas em bolsa ao teto do
vencimento dos ministros do STF e ainda extingue a absurda aposentadoria compulsória
como “punição” para magistrados e membros do Ministério Público.
Pela sua abrangência e razoabilidade, a
proposta tem tudo para receber amplo apoio da sociedade, incluindo o
empresariado e as categorias da “base” do serviço público.
Só quem não está feliz são as poderosas
entidades que representam as carreiras jurídicas e fiscais. Convidadas
reiteradamente pelo deputado Pedro Paulo a apresentarem contribuições para
limitar pelo menos em parte seus privilégios como sinal de compromisso com o
país, as associações se limitaram a defender suas benesses.
Com um ótimo projeto de reforma
administrativa como ponto de partida, o jogo agora é mobilizar a sociedade para
que a coragem se sobreponha ao individualismo e à falta de espírito público
dessas categorias.
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