sexta-feira, 19 de setembro de 2025

A agenda oculta da anistia. Por Fabio Giambiagi

O Globo

A pauta é uma decorrência lógica da postura desse grupo político: a noção de que a eleição só vale quando eles vencem

Com frequência, no Brasil, a política invade o noticiário econômico. É o caso do debate sobre a anistia ao ex-presidente Bolsonaro. E, em particular, da ênfase com que a questão tem sido colocada por aqueles que afirmam explicitamente que “não acreditam que existam elementos para Bolsonaro ser condenado” e que, por isso, indultá-lo seria a “primeira coisa” (sic) que fariam se fossem eleitos para presidente.

Eu pensava que, caso vencesse as eleições, o candidato que derrotasse o PT teria como prioridade aprovar um forte ajuste fiscal, tarefa que o governo atual vem postergando há 3 anos, mas parece que me enganei e, pelo visto, a oposição atual tenderá a ter a mesma atitude protelatória se ocupar o poder, à luz da sua prioridade (bizarra) já explicitada.

A tragédia brasileira é que estamos revivendo o “nós x eles” — lembre-se: criado pelo PT nas eleições de 2014 — que está corroendo a sociedade há mais de dez anos, quando deveríamos estar pensando em como resolver de uma vez por todas a eterna crise fiscal do país, hoje associada ao PT; e deixar atrás o câncer nefasto do bolsonarismo, para construirmos algo diferente. Pobre Brasil.

O problema não se limita à falta de compromisso dos maiores representantes da oposição em priorizar o desafio da situação das contas públicas. Para entender a questão, peço ao leitor que acompanhe meu raciocínio. Façamos um exercício: imaginemos que Lula tivesse sido vencedor das eleições de 2018, que em 2022 sendo presidente enfrentasse Bolsonaro e que, perdendo a eleição por pouco, se negasse a aceitar o resultado.

Indo além, imaginemos que ele assistisse passivamente os “companheiros” promoverem acampamentos país afora até que, uma semana depois de Bolsonaro ser empossado, uma turba de baderneiros invadisse o Planalto, o Congresso e o STF, quebrando tudo e exigindo a nomeação de Lula no lugar do presidente escolhido pelas urnas. Caro leitor, honestamente: o que pensaria de quem, em nome de uma bisonha “pacificação nacional”, pregasse a anistia aos vândalos, começando pelo líder? O que diria se, caso nesse Brasil hipotético Fernando Haddad tivesse sido eleito governador de São Paulo no mesmo pleito de 2022, ele viesse a público dizer, com ar angelical, que “não vejo elementos para condenar ninguém” pela destruição de nada menos que os 3 Poderes da República?

O PT tem sido um “gastador serial”: ele só governa aumentando a relação gasto/PIB. Fez isso durante 2003/2016 e vem fazendo bis na gestão 2023/2026.

A verdade, porém, é que o PT perdeu as eleições de 2018 e aceitou o resultado, como Kamala nos EUA, em 2024. Já Trump perdeu em 2020 e seus partidários invadiram o Capitólio, enquanto aqui os derrotados de 2022 promoveram o quebra-quebra de 8 de janeiro. Felipe González dizia que “a democracia é a aceitação da derrota”. E o que os fatos indicam é que a ultradireita não aceita perder.

Diante disso, cabe indagar: se Lula ganhar, haverá outro 8/1? Nesse caso, qual será a demanda política em 2027? Mais anistia? A agenda oculta da anistia é uma decorrência lógica da postura desse grupo político: a noção de que a eleição só vale quando eles vencem. Nesse caso, teremos que reconhecer que quem deseja transformar o Brasil numa Venezuela — onde a eleição só pode ter como resultado a vitória do Maduro — é o bolsonarismo. Ou, por isonomia, dar ao PT, caso ele perca, o mesmo direito de invadir Planalto, Congresso e STF — haveria anistia para eles também?

Não deixa de ser curioso que a postura apontada no texto seja manifestada por aqueles que afirmam defender versões extremas do liberalismo. Na Argentina dos anos 70, dizia-se que a esquerda peronista queria repetir a Revolução Cultural Chinesa “sem revolução, sem cultura e sem chineses”. Já o bolsonarismo defende uma espécie de “liberalismo austríaco brasileiro”, sem liberalismo, sem austríacos e, dado que o bolsonarismo hoje é comandado desde os EUA, aparentemente também sem brasileiros.

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