O Globo
A pauta é uma decorrência lógica da postura
desse grupo político: a noção de que a eleição só vale quando eles vencem
Com frequência, no Brasil, a política invade
o noticiário econômico. É o caso do debate sobre a anistia ao ex-presidente
Bolsonaro. E, em particular, da ênfase com que a questão tem sido colocada por
aqueles que afirmam explicitamente que “não acreditam que existam elementos
para Bolsonaro ser condenado” e que, por isso, indultá-lo seria a “primeira
coisa” (sic) que fariam se fossem eleitos para presidente.
Eu pensava que, caso vencesse as eleições, o candidato que derrotasse o PT teria como prioridade aprovar um forte ajuste fiscal, tarefa que o governo atual vem postergando há 3 anos, mas parece que me enganei e, pelo visto, a oposição atual tenderá a ter a mesma atitude protelatória se ocupar o poder, à luz da sua prioridade (bizarra) já explicitada.
A tragédia brasileira é que estamos revivendo
o “nós x eles” — lembre-se: criado pelo PT nas eleições de 2014 — que está
corroendo a sociedade há mais de dez anos, quando deveríamos estar pensando em
como resolver de uma vez por todas a eterna crise fiscal do país, hoje
associada ao PT; e deixar atrás o câncer nefasto do bolsonarismo, para
construirmos algo diferente. Pobre Brasil.
O problema não se limita à falta de
compromisso dos maiores representantes da oposição em priorizar o desafio da
situação das contas públicas. Para entender a questão, peço ao leitor que
acompanhe meu raciocínio. Façamos um exercício: imaginemos que Lula tivesse
sido vencedor das eleições de 2018, que em 2022 sendo presidente enfrentasse
Bolsonaro e que, perdendo a eleição por pouco, se negasse a aceitar o
resultado.
Indo além, imaginemos que ele assistisse
passivamente os “companheiros” promoverem acampamentos país afora até que, uma
semana depois de Bolsonaro ser empossado, uma turba de baderneiros invadisse o
Planalto, o Congresso e o STF, quebrando tudo e exigindo a nomeação de Lula no
lugar do presidente escolhido pelas urnas. Caro leitor, honestamente: o que
pensaria de quem, em nome de uma bisonha “pacificação nacional”, pregasse a
anistia aos vândalos, começando pelo líder? O que diria se, caso nesse Brasil
hipotético Fernando Haddad tivesse sido eleito governador de São Paulo no mesmo
pleito de 2022, ele viesse a público dizer, com ar angelical, que “não vejo
elementos para condenar ninguém” pela destruição de nada menos que os 3 Poderes
da República?
O PT tem sido um “gastador serial”: ele só
governa aumentando a relação gasto/PIB. Fez isso durante 2003/2016 e vem
fazendo bis na gestão 2023/2026.
A verdade, porém, é que o PT perdeu as
eleições de 2018 e aceitou o resultado, como Kamala nos EUA, em 2024. Já Trump
perdeu em 2020 e seus partidários invadiram o Capitólio, enquanto aqui os
derrotados de 2022 promoveram o quebra-quebra de 8 de janeiro. Felipe González
dizia que “a democracia é a aceitação da derrota”. E o que os fatos indicam é
que a ultradireita não aceita perder.
Diante disso, cabe indagar: se Lula ganhar,
haverá outro 8/1? Nesse caso, qual será a demanda política em 2027? Mais
anistia? A agenda oculta da anistia é uma decorrência lógica da postura desse
grupo político: a noção de que a eleição só vale quando eles vencem. Nesse
caso, teremos que reconhecer que quem deseja transformar o Brasil numa
Venezuela — onde a eleição só pode ter como resultado a vitória do Maduro — é o
bolsonarismo. Ou, por isonomia, dar ao PT, caso ele perca, o mesmo direito de
invadir Planalto, Congresso e STF — haveria anistia para eles também?
Não deixa de ser curioso que a postura apontada no texto seja manifestada por aqueles que afirmam defender versões extremas do liberalismo. Na Argentina dos anos 70, dizia-se que a esquerda peronista queria repetir a Revolução Cultural Chinesa “sem revolução, sem cultura e sem chineses”. Já o bolsonarismo defende uma espécie de “liberalismo austríaco brasileiro”, sem liberalismo, sem austríacos e, dado que o bolsonarismo hoje é comandado desde os EUA, aparentemente também sem brasileiros.
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