Valor Econômico
O assunto voltou à discussão a partir da
política tarifária do governo Trump, que traria o valor do dólar de volta ao
nível de equilíbrio
Qual o futuro do dólar? Conseguirá manter-se
como a moeda de reserva internacional? Por quanto tempo? Estas perguntas estão
no cerne do debate econômico atual, mas não são novas. Desde que o sistema de
Bretton Woods foi criado, em 1945, a predominância do dólar no cenário
financeiro global tem sido objeto de críticas quanto à sua eficácia para o equilíbrio
das transações entre os países e dúvidas com relação à sua durabilidade.
O assunto voltou à discussão a partir da
política tarifária do governo Trump, baseada na ideia de que taxar a exportação
dos produtos comprados pelos importadores norte-americanos, caso a caso, traria
o valor do dólar de volta ao nível de equilíbrio, além de contribuir para a
redução do déficit das contas públicas. Não se sabe qual seria esse nível de
equilíbrio. A rigor, nunca houve uma manifestação da Casa Branca com o desenho de
uma política econômica em seus vários aspectos.
As intenções econômicas da equipe de Trump têm sido percebidas através dos escritos de Stephen Miran, chefe do conselho de assessores econômicos, autor do paper “A User’s Guide to Restructuring the Global Trading System”, de novembro de 2024, conhecido por “Acordo de Mar-a-Lago”. A proposta defende a depreciação do dólar no longo prazo, ao mesmo tempo em que a moeda norte-americana manteria o papel dominante de reserva internacional.
A imposição de tarifas teria o efeito de
reduzir a “super valorização do dólar”, responsável, segundo ele, pela queda na
competitividade das exportações dos Estados Unidos e os consequentes déficits
comerciais, além da degradação da indústria daquele país.
A proposta é inovadora. Ao invés de fazer uso
de intervenções no mercado de câmbio, a iniciativa pretende corrigir o alegado
desequilíbrio com uma mudança forçada no valor do dólar na suposição de que,
por serem financiadas pelos países cujos produtos sofrem tarifação, as tarifas
contribuiriam para reduzir o poder de compra e a renda dos parceiros
comerciais. A tarifa representaria uma penalidade contra a valorização do
dólar, em termos pontuais. Não se prevê no arrazoado a hipótese de substituição
de mercados nem de retaliações.
Vale aqui uma observação. Ao contrário do
resto do mundo, os Estados Unidos não dispõem de instrumentos de intervenção
corriqueira no câmbio justamente por serem emissores da moeda de reserva
internacional. O dólar não sofre risco cambial. Pode, sim, ser afetado por
fatores indiretos, como a taxa de juros ou a perda de confiança na robustez da
economia norte-americana.
Miran quer diminuir a demanda por dólares
através do desestímulo às importações efetuadas pelos Estados Unidos, uma das
vias pelas quais a liquidez da moeda norte-americana tem sido injetada no
mundo, e que contribui justamente para torná-la hegemônica. Isso cria um
círculo virtuoso ou vicioso, dependendo do ponto de vista: os Estados Unidos
podem assumir déficits em suas contas externas e também na conta fiscal porque
pagam as importações com a própria moeda, aquela que serve de referência para a
maior parte das transações financeiras e comerciais no mundo.
Em um segundo momento, segundo ele, o dólar
tenderia a se desvalorizar de forma generalizada, mas isso dependeria de
negociações políticas.
“A remoção das tarifas se daria em troca de
significativos investimentos na indústria dos Estados Unidos pelos nossos
parceiros comerciais, com a China entre eles”, diz Miran em seu paper. Neste
momento, quando parte da renda do resto do mundo for desviada para inversões no
solo norte-americano, o dólar passaria a se desvalorizar, mas ele não crava
isso em pedra. “Pelo fato de as tarifas serem dólar-positivas, é importante que
os investidores entendam a sequência das reformas no sistema de comércio
internacional. O dólar tende a apreciar antes de reverter (para a depreciação),
se é que isso vai acontecer”.
É difícil captar coerência nos argumentos de
Miran, ainda mais quando os resultados estão sujeitos à negociação política.
Além disso, existe uma certa discrepância na busca pela desvalorização
generalizada do dólar com a perspectiva de que a moeda mantenha a função de
reserva internacional. A falta de confiança na proposta, combinada com as
atitudes erráticas de Trump, tem suscitado sérias dúvidas a respeito da
permanência da primazia do dólar como moeda reserva. A questão é antiga.
Ainda nos anos 60, quando o dólar estava
atrelado ao ouro, o então ministro das Finanças da França, Valery Giscard
D’Estaing, cunhou a expressão “privilégio exorbitante” para qualificar a
situação econômica dos Estados Unidos. O inconformismo dos franceses com a
primazia norte-americana levou o então presidente Charles De Gaulle a mandar
aos Estados Unidos um avião com dólares a bordo para serem trocados por ouro.
Achava que, assim, ajudaria a acabar com o sistema financeiro introduzido por
Bretton Woods. Demorou um pouco para isso acontecer. Só em agosto de 1971, o
então presidente Richard Nixon pôs fim ao regime de conversibilidade ao ouro.
O dólar virou uma moeda fiduciária flutuante,
mas isso não afetou sua posição no mundo. Já estava consolidada. Firmou-se
ainda mais na era dos petrodólares e dos conflitos regionais que ampliaram a
venda de armamento pelos Estados Unidos.
Mais recentemente, na crise financeira de
2008/2009, provocada pelos sub-primes dos financiamentos imobiliários, a moeda
norte-americana sofreu uma grande crise de confiança, a ponto de alguns
economistas defenderem o uso do DES (Direito Especial de Saque), uma unidade de
conta para uso interno do FMI, como moeda de reserva internacional.
O dólar, no entanto, tem resistido. Seu poder
no mundo perdura por tanto tempo que não se imagina um arranjo monetário
diferente. Mesmo para os Estados Unidos a mudança implicaria consequências
inimagináveis. Como disse o economista norte-americano Barry Eichengreen, basta
alguns centavos para uma cédula de 100 dólares ser produzida (emitida),
enquanto que os demais países têm de produzir aquela quantia em mercadoria para
obterem uma cédula no mesmo valor.
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