sexta-feira, 12 de setembro de 2025

A tentação da guerra civil. Por Pablo Ortellado

O Globo

Episódios de violência política têm em comum a incapacidade dos agressores de aceitar a existência de adversários

Quem entrou nas mídias sociais entre anteontem e hoje certamente deparou com o chocante vídeo do assassinato de Charlie Kirk. O ativista conservador americano participava de um debate num campus universitário em Utah quando foi atingido por um tiro no pescoço. Morreu poucas horas depois, no hospital. No momento em que escrevo esta coluna, não sabemos ainda a identidade do assassino, mas, segundo o Wall Street Journal, o FBI encontrou um rifle e munições marcadas com slogans antifascistas, reforçando a suspeita de motivação política.

O assassinato brutal de Charlie Kirk entra na assustadora sequência de atentados que tomaram a política americana nos últimos anos, incluindo a tentativa de assassinato de Donald Trump, em julho de 2024; a agressão ao marido da presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, em outubro de 2022; e o assassinato da presidente da Assembleia Legislativa de Minnesota, Melissa Hortman, e de seu marido, em junho deste ano.

O Brasil também tem sua sequência triste de episódios, incluindo a facada de Adélio Bispo em Bolsonaro em Juiz de Fora, em 2018; o assassinato de Marielle Franco no Rio de Janeiro, no mesmo ano; o assassinato do tesoureiro do PT, Marcelo Arruda, em Foz do Iguaçu, em 2022; e a tentativa de assassinato da influenciadora de esquerda Laura Sabino pelo próprio irmão em Belo Horizonte, em junho deste ano.

O que todos esses episódios têm em comum é a incapacidade dos agressores de aceitar a existência de adversários políticos. Esse sentimento, infelizmente, não está circunscrito a uma franja politicamente extremista ou mentalmente desequilibrada. O grande risco nos tempos atuais é que a intolerância política e a crescente polarização afetiva — a aversão a quem adota identidades políticas contrárias — criem o ambiente para uma explosão de violência política. Um único crime chocante — ou uma sequência deles — pode levar atores políticos a acreditar que estão diante de um enfrentamento final, depois de anos de provocação e hostilidade política mútua.

No estudo mais importante sobre violência política nos Estados Unidos, Radical American Partisanship (University of Chicago Press, 2022), Nathan Kalmoe e Lilliana Mason argumentam que as identidades partidárias funcionam como identidades sociais, gerando favoritismo em relação ao próprio grupo e hostilidade ao grupo de adversários. Quando estes são desumanizados, vistos como malignos ou ameaças à nação, a violência política passa a ser vista como legítima, e seu uso começa a ser cogitado por gente com traços de personalidade agressivos, nos dois campos políticos.

No livro, Kalmoe e Mason mostram que cerca de um terço dos americanos considera aceitável, em alguma medida, o emprego de violência se acredita que o governo é corrupto ou proíbe que os cidadãos tenham armas.

Um estudo inédito que a ONG More in Common fez no Brasil com a Quaest mostra números um pouco menores, mas não menos assustadores: 18% dos brasileiros consideram em alguma medida justificado o uso de violência se entendem que um candidato ameaça a democracia, e 17% acham justificada a violência se entendem que a eleição foi roubada. Num momento em que a esquerda considera que os bolsonaristas ameaçam a democracia, e os bolsonaristas acreditam que as eleições foram roubadas, o potencial de violência é claro.

A escalada da intolerância política tem apenas um destino: uma guerra fratricida. Se não quisermos abrir caminho à barbárie, precisamos resgatar a política como espaço pluralista de resolução dos conflitos dentro da paz civil. Para isso, precisamos reaprender a conviver.

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