quinta-feira, 18 de setembro de 2025

A universidade desafiada. Por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Os invasores da USP e o agressor da UFPR são abre-alas do que pode vir se seu bloco voltar ao governo federal

Desde maio, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo foi invadida oito vezes por ativistas de extrema-direita. Arrancaram cartazes, provocaram tumulto, filmaram toda a confusão e -- como fizeram alguns dos invasores do 8 de janeiro-- divulgaram seus feitos nas redes sociais. O pretexto era denunciar os "comunistas da USP". Na última investida, um membro de certa "União Conservadora" mordeu e torceu o braço de um estudante. Os ataques contaram com o apoio entusiasmado de um deputado estadual bolsonarista e, pelo menos uma vez, com a participação de um estagiário da Assembleia Legislativa alocado no gabinete de outro representante do PL.

Na semana passada, a diretora do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), filha de um ministro do STF foi agredida com uma cusparada e chamada de "lixo comunista".

Embora pareçam isolados, esses arreganhos são uma das faces do conhecido antielitismo da extrema-direita populista; de seu desprezo pela ciência, pela cultura e pelas universidades onde são cultivadas. Quando no governo, populistas autoritários perseguem sistematicamente cientistas e intelectuais e tratam de domar as instituições acadêmicas.

Exemplos há de sobra. Na Hungria, Viktor Orbán expulsou a renomada Universidade Centro-Europeia, criada em 1991 pelo filantropo George Soros para renovar as ciências sociais e as humanidades nos países recém-saídos do comunismo. O autocrata Vladimir Putin pôs na cadeia o historiador Yuri Dimitriev, criador do Memorial, ONG dedicada a documentar os crimes de Stalin, e perseguiu o sociólogo Lev Gudkov e seu Centro Levada, internacionalmente respeitado pelos estudos de opinião pública.

Do lado de cá do mundo, em Caracas, o ditador Hugo Chávez perseguiu o conhecido economista Teodoro Petkoff, diretor da Revista "Tal Cual"; Maduro, o sucessor, reprimiu sem cessar as vozes independentes da Universidade Central da Venezuela. Nos EUA, Donald Trump, no primeiro mandato, ameaçou o infectologista Anthony Fauci por defender a vacinação contra a Covid-19; agora trata de dobrar as universidades de elite americanas e destruir as instituições que financiam a pesquisa em saúde e meio ambiente.

Assim, por patéticos que pareçam, os invasores da USP e o agressor da UFPR devem ser levados a sério. Eles são abre-alas do que pode vir se seu bloco voltar ao governo federal. A eles só cabe o rigor da lei.

Mas é bem maior o desafio que a USP e demais universidades públicas enfrentam: garantir que a tolerância, o pluralismo e o debate civilizado predominem sobre a truculência sectária, qualquer que seja sua filiação política. Para que isso seja mais do que homenagem a nobres princípios, cabe dar espaço à expressão da diversidade de ideias ­­– da esquerda à direita, do progressismo ao conservadorismo – que certamente existe em qualquer ambiente acadêmico, nas mais variadas proporções.

Não há como isolar a extrema-direita autoritária, que morde e cospe – e que, no futuro, a poderá golpear e balear – sem reconhecer como legítimas ideias e preferências de direita presentes na sociedade e compatíveis com a convivência democrática. Se esse diálogo não for possível na universidade, onde?

 

 

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